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    Youtubers holandeses se drogam em nome da ci�ncia e em busca de cliques

    ANN-KATHRIN JESKE
    'DIE WELTE', EM AMSTERD�

    20/09/2017 06h00

    Reprodu��o/YouTube
    Os youtubers Rens Polman, Bastian Rosman e Nellie Benner, que testam drogas il�citas em seu canal

    Rens Polman se sente t�o "lekker" ("agrad�vel" ou "gostoso", em holand�s) sob o efeito de ecstasy. O jovem � uma de tr�s pessoas na Holanda que testam drogas ilegais em seu canal no YouTube, "Drugslab". Quando ele faz uma "viagem" movida a subst�ncias il�citas, outros podem testemunhar o efeito das drogas sobre seu corpo.

    Coca�na, cogumelos, cetamina —os youtubers tomam qualquer coisa que os espectadores pedem na se��o de coment�rios de seus v�deos. Alguns dos v�deos j� foram vistos mais de 1 milh�o de vezes.

    "Testamos as drogas em nome da ci�ncia", explica Polman. "Acompanhamos as mudan�as de frequ�ncia card�aca e temperatura corporal. Testamos as habilidades motoras e a capacidade de pensar sob o efeito da droga."

    Os youtubers ficam sentados num laborat�rio com uma bandeira holandesa e tubos de ensaio sobre a mesa. A sala � banhada em luz verde. � esquerda � poss�vel divisar um p� de maconha. A f�rmula qu�mica do ecstasy est� escrita sobre uma lousa. Um televisor de tela plana est� pronto para mostrar a temperatura corporal e a frequ�ncia card�aca das "cobaias".

    Jovens, loiros e descolados, Polman e Nellie Benner s�o os apresentadores de hoje. Bastian Rosman, o colega deles, est� de folga. Cada semana, dois dos tr�s youtubers apresentam o programa. Um deles "faz a viagem" (usando o jarg�o apropriado). O outro observa.

    Eles jogam "pedra, papel ou tesoura" para ver quem ser� a cobaia. Rens Polman perde, ent�o � a vez dele. No card�pio de hoje: ecstasy.

    O youtuber Rens Polman experimenta ecstasy em seu canal

    "� preciso cerca de 1,5 miligrama da droga por quilo de peso corporal", Polman explica a seus espectadores. O ecstasy � ilegal na Holanda. Os comprimidos que ele tem na m�o vieram do mercado negro. "H� 126 miligramas de MDMA nestes comprimidos. Esse � o ingrediente ativo do ecstasy."

    Benner parte o comprimido ao meio —basta metade— e d� um tubo de ensaio de �gua a Polman, que engole o ecstasy. Duas horas mais tarde, ele come�a a sentir os efeitos das p�lulas. Ele consumiu uma refei��o grande antes, de modo que a droga demorou um pouco mais a se fazer sentir.

    Polman, 25 anos, come�a a sentir calor e formigamento. Suas m�os est�o �midas e sua boca est� seca, mas ele se sente "t�o bem" que come�a a dan�ar.

    "Muitas pessoas acham que o ecstasy cont�m anfetaminas, porque a pessoa se sente t�o energizada enquanto est� sob o efeito da droga", explica Benner. "Mas n�o � verdade."

    A MDMA tamb�m tem esse efeito. Polman estica os bra�os e come�a a mov�-los em c�rculos. Seus olhos est�o semicerrados. Uma m�sica tecno come�a a tocar. Os efeitos do ecstasy sobre o corpo de Polman parecem divertidos.

    De repente Polman sente amor t�o intenso que � impelido a abra�ar sua colega. "O ecstasy libera serotonina, dopamina e adrenalina no c�rebro", Benner fala para a c�mera. "� por causa da serotonina que voc� est� sentindo tanto amor por mim neste momento."

    NOVA GERA��O

    O "Drugslab" � misto de v�deo explicativo e "viagem" de drogas financiada por dinheiro p�blico. A ideia de divulgar os efeitos das drogas on-line n�o � novidade na Holanda. Desde 2005, a emissora p�blica BNN vem colocando no ar uma s�rie de televis�o intitulada "Spuiten en Slikken" (injetar e engolir), em que os moderadores experimentam subst�ncias ilegais.

    O que o "Spuiten en Slikken" � para a gera��o mais velha, o "Drugslab" � para a mais jovem. "Os jovens querem ver pessoas de verdade usando drogas de verdade", diz o criador do programa, Jelle Klumpenaar. Ele descreve o programa como "um canal do YouTube educativo".

    Ele teve a ideia quando viu jovens em um festival de m�sica completamente alterados, sob o efeito de drogas. "Me perguntei 'como � poss�vel que esse pessoal esteja nesse estado?'."

    Klumpenaar acha que acidentes como esses aconteceriam com menos frequ�ncia se os jovens fossem bem informados sobre as drogas. Esse � o prop�sito do "Drugslab". Mas estar� funcionando?

    A s�rie mostra experi�ncias reais com drogas: mostra como Polman se sente "bem", mas tamb�m como sua boca fica aberta e seu maxilar se move de um lado para o outro, seus dentes rangem e suas p�lpebras caem, de modo que s� � poss�vel enxergar o branco de seus olhos.

    "Se voc� me conhecesse numa festa e eu estivesse desse jeito, seria um pouco assustador", fala Benner. "Os usu�rios de MDMA frequentemente sofrem movimento de maxilares e rangidos de dentes incontrol�veis, e os m�sculos do rosto se contraem." Polman, enquanto isso, aparenta estar em um estado intermedi�rio entre contor��o facial e orgasmo.

    Os youtubers n�o dizem nada sobre os perigos do consumo de subst�ncias ilegais. Apenas aconselham os espectadores a sempre mandar testar as drogas antes de consumi-las.

    TESTE DO ESTADO

    Na Holanda, diferentemente da maioria dos outros pa�ses da Europa Ocidental, existem locais pagos pelo Estado onde usu�rios de drogas podem mandar testar as subst�ncias que v�o usar. Em 2016, mais de 12 mil consumidores mandaram suas drogas serem examinadas pelo Sistema de Informa��o e Monitoramento de Drogas (Dims, na sigla original). Mais de metade das drogas testadas foram comprimidos de ecstasy.

    O programa n�o visa beneficiar apenas os usu�rios. Ele tamb�m ajuda as autoridades holandesas, por ajud�-las a saber quais drogas est�o circulando no mercado negro.

    "Sabemos que subst�ncias est�o contidas nestas drogas gra�as aos testes. Assim podemos lan�ar avisos quando as drogas cont�m subst�ncias nocivas adicionais", diz Daan van der Gouwe, que coordena o programa do Dims.

    No ano passado ele lan�ou uma campanha nacional para avisar � popula��o sobre o ingrediente PMMA no ecstasy. O PMMA custa menos que a MDMA e por essa raz�o � acrescentado ao ecstasy. Seu consumo pode levar � morte, porque ele pode provocar eleva��o acentuada da temperatura corporal e hemorragias internas.

    "Uma segunda tend�ncia perigosa � que os comprimidos de ecstasy v�m ficando cada vez mais fortes", diz Van der Gouwe. "Um comprimido de ecstasy hoje cont�m mais que o dobro de MDMA que um comprimido de dez anos atr�s."

    Em outras palavras, basta meia p�lula para ter o efeito desejado. Mesmo assim, muitos usu�rios continuam a engolir um comprimido inteiro. Van der Gouwe explica que isso � arriscado, porque uma overdose pode desencadear problemas card�acos e elevar a temperatura corporal.

    Ele avisa que mesmo drogas "limpas" podem ser fatais. "Os m�dicos vivem informando sobre mais pacientes que andam sofrendo overdoses de p�lulas fortes. As pessoas pensam que o ecstasy � uma droga inofensiva para se consumir em festas, mas n�o � o caso", ele concluiu.

    Os youtubers n�o falam sobre o perigo de uma overdose. Eles tampouco mencionam os ingredientes perigosos que podem estar contidos em drogas ilegais nem o que acontece quando uma pessoa consome drogas adulteradas.

    Em um lugar como a Holanda, isso � cr�tico porque, com a exce��o da maconha e algumas outras subst�ncias naturais, a maioria das drogas � ilegal, de modo que o Estado n�o as fiscaliza antes de chegarem ao mercado.

    "Testamos apenas uma parte muito pequena das drogas que realmente est�o no mercado", explica Van der Gouwe. "A maioria dos usu�rios continua a consumir drogas sem test�-las de antem�o. Mas pelo menos eles agora t�m a possibilidade de test�-las antes."

    As pessoas que fazem uso do programa Dims tendem a ser mais instru�das, raz�o pela qual a alega��o de que o programa "Drugslab" � educativo n�o � falsa. Mesmo assim, as pessoas que assistem ao programa admitem que ele desperta sua curiosidade de experimentar as subst�ncias que s�o mostradas no programa.

    Os espectadores ficam sabendo que, quando est� sob a influ�ncia de ecstasy, Polman n�o consegue pegar uma bola de t�nis. Mas elas tamb�m veem seu prazer quando ele chupa um picol� estando sob o efeito de MDMA. Os youtubers dizem que isso � fazer "um teste cient�fico".

    Tradu��o de CLARA ALLAIN

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