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    Brasil integra projeto que permitir� ver novas fontes de energia no espa�o

    ULISSES BARRES DE ALMEIDA

    12/08/2017 06h00

    RESUMO Avan�os na tecnologia de sat�lites e telesc�pios permitiram aprofundar o conhecimento sobre modalidades de radia��o extremamente energ�ticas, como os raios X. Agora, observat�rios constru�dos na Espanha e no Chile com participa��o brasileira prometem incrementar o repert�rio de fontes emissoras conhecidas.

    Cons�rcio CTA
    Simula��o do observat�rio a ser constru�do pela Rede de Telesc�pios Cherenkov nos Andes chilenos
    Simula��o do observat�rio a ser constru�do pela Rede de Telesc�pios Cherenkov nos Andes chilenos

    A "Noite Estrelada", do pintor holand�s Vincent van Gogh (1853-90), talvez a mais famosa representa��o art�stica do c�u noturno, mostra uma natureza em convuls�o. Seu aspecto revolto, por�m, diz respeito mais ao estado interior do artista do que � vis�o pac�fica do firmamento que nos � familiar.

    Os antigos referiam-se a ele como a "esfera das estrelas fixas", em alus�o a sua imutabilidade secular. A realidade, no entanto, tal como a conhecemos hoje, n�o poderia ser mais diferente.

    Longe do aparente marasmo que se pode contemplar a olho nu a cada noite, as dezenas de sat�lites astron�micos e observat�rios terrestres que varrem o c�u registram explos�es celestes cuja dura��o pode ser breve como um piscar de olhos, mas emitir mais energia do que o Sol produzir� em seus dez bilh�es de anos de exist�ncia.

    Essa imagem moderna do cosmo � resultado do desenvolvimento dos telesc�pios e detectores. A imensa maioria das explos�es que os astr�nomos identificam ocorre a bilh�es de anos-luz da Terra, longe demais para ser percebida pelo olho humano –cada ano-luz equivale a 9,5 trilh�es de km (dist�ncia percorrida pela luz em um ano).

    A mais distante de que se tem registro � a GRB 090423 –sigla em ingl�s para Explos�o de Raios Gama, seguida da data em que foi captada pelos astr�nomos (23 de abril de 2009). Apesar de detectado recentemente, esse cataclismo c�smico ocorreu a mais de 13 bilh�es de anos-luz de dist�ncia, em um passado long�nquo, quando o Universo tinha menos de 10% de sua idade atual.

    A evolu��o da astronomia permitiu n�o apenas um olhar mais profundo mas tamb�m uma vis�o mais abrangente do Universo.

    Desde o final da Segunda Guerra (1939-45), a astrof�sica vem conquistando janelas antes opacas � inspe��o humana, passando da estreita faixa observacional correspondente � luz vis�vel para conquistar todo o espectro eletromagn�tico –das ondas de r�dio �s formas de radia��o mais energ�ticas, como os raios X e gama.

    Do mesmo modo que fotografias de uma paisagem tiradas com uma c�mera comum e com uma infravermelha s�o diferentes, o c�u visto em cada uma dessas bandas (micro-ondas, luz vis�vel, raios X etc.) surge totalmente novo.

    Passar a energias cada vez mais altas significa observar o "Universo extremo". Enquanto as observa��es em ondas de r�dio nos mostram a emiss�o do g�s frio armazenado em nuvens entre as estrelas, as an�lises em raios gama revelam os fen�menos mais energ�ticos e catacl�smicos do cosmo –como explos�es estelares e a atividade de buracos negros devorando nuvens de g�s e estrelas vizinhas.

    Quanto mais intenso um processo, mais breve ele tende a ser. E o c�u em raios gama, diferentemente daquele observado a olho nu, mais parece uma �rvore de Natal, com luzes piscando em todas as dire��es, como mostra uma simula��o feita para o sat�lite Fermi, da Nasa (ag�ncia espacial dos EUA), dispon�vel em go.nasa.gov/2vqXk3L.

    RADIA��O DANOSA

    Os raios gama c�smicos s�o t�o energ�ticos –at� 1 bilh�o de vezes mais que a luz vis�vel– que n�o conseguem chegar ao solo, sendo absorvidos pouco depois de adentrar a atmosfera terrestre, a uma altitude de 10 km a 15 km.

    Visto que tal radia��o � danosa para tecidos vivos e material gen�tico, essa blindagem atmosf�rica � um pr�-requisito para a vida na Terra –e um problema para uma eventual coloniza��o do espa�o.

    A detec��o direta da radia��o, portanto, s� pode ser feita por sat�lites, dos quais o mais importante � o Fermi. Isso n�o impede, por�m, que os raios gama sejam observados indiretamente, por meio de telesc�pios instalados na superf�cie da Terra.

    Ao serem absorvidos no alto da atmosfera, os raios n�o perdem sua energia; ela simplesmente se transforma em uma enorme cascata de part�culas secund�rias (essencialmente, el�trons e sua antimat�ria, os p�sitrons), resultado da intera��o da radia��o gama com as mol�culas do ar.

    Centenas de milhares de part�culas secund�rias s�o criadas em cada um desses "chuveiros", e cada uma delas produz um pequeno facho de luz azul ao atravessar a atmosfera em velocidades pr�ximas � velocidade da luz (300 mil km/s). A todo momento, sem que notemos, nossos corpos s�o atravessados por essas part�culas.

    Essa luz azulada, fraca e breve se chama luz Cherenkov, em homenagem ao f�sico russo Pavel Cherenkov (1904-90), ganhador do Nobel de 1958 por sua descoberta.

    Impercept�vel ao olho humano, ela pode ser observada com a ajuda de equipamentos sofisticados e ultrassens�veis denominados telesc�pios Cherenkov, que lembram grandes antenas parab�licas, mas formadas de espelhos.

    O maior observat�rio gama do mundo, o CTA (sigla em ingl�s para Rede de Telesc�pios Cherenkov), come�ou a ser erguido neste ano em La Palma, nas Ilhas Can�rias.

    O Brasil participa da constru��o do primeiro telesc�pio-prot�tipo em instala��o em La Palma por meio de projeto desenvolvido no Centro Brasileiro de Pesquisas F�sicas (CBPF), instituto de pesquisas do governo federal no Rio.

    Depois de La Palma, o CTA ir� instalar telesc�pios tamb�m nos Andes chilenos. O total de equipamentos em funcionamento nos hemisf�rios Norte e Sul girar� em torno de cem. Seu objetivo � esquadrinhar o c�u atr�s das mais altas descargas de energia j� aferidas.

    O CTA dever� ser conclu�do no in�cio da pr�xima d�cada, e a significativa participa��o brasileira no projeto inclui institui��es de S�o Paulo, Paran� e Minas Gerais.

    FONTES DE ENERGIA

    Quando estiver completamente operacional, o CTA ser� dez vezes mais potente do que qualquer observat�rio gama existente hoje. Seus rastreamentos devem expandir o cat�logo de objetos emissores desse tipo de radia��o das aproximadamente 200 fontes agora conhecidas para mais de mil, dentro e fora da Via L�ctea .

    Mais de mil cientistas e engenheiros trabalham no projeto CTA, e h� raz�es suficientes para justificar o entusiasmo da comunidade astron�mica pela �rea. Na �ltima d�cada, a astronomia de raios gama atingiu sua maturidade e protagonizou importantes descobertas da astrof�sica de altas energias.

    Uma das primeiras foi o registro da explos�o do blazar PKS 2155-304, em 28 de julho de 2006 –� �poca, eu estava prestes a iniciar meu doutorado e participava, pela primeira vez, de observa��es nos telesc�pios H.E.S.S., no deserto da Nam�bia.

    Blazares est�o entre os corpos mais energ�ticos do cosmo, e o PKS 2155, em particular, � um dos mais brilhantes blazares conhecidos.

    Os n�cleos desses objetos s�o formados por um enorme buraco negro central, cuja massa (toda ela concentrada em uma regi�o de mais ou menos o tamanho do Sistema Solar) � equivalente � soma daquela de centenas de milh�es de estrelas como o Sol.

    Ao devorar a mat�ria que a circunda, em forma de g�s ou estrelas vizinhas, essa m�quina infernal produz uma quantidade de luz t�o intensa que seu brilho � similar ao de todas as estrelas da Via L�ctea reunidas.

    Tudo isso, por si s�, � impressionante. Mas aquele evento registrado na noite de 28 de julho superou o que se imaginava poss�vel para essas fontes: em menos de cinco minutos, a radia��o gama daquele blazar aumentou em quase 30 vezes, o que equivale � libera��o da energia de mais de 100 mil S�is nesse curto espa�o de tempo –e em uma regi�o relativamente diminuta do cosmo, menor que o Sistema Solar.

    Mais de dez anos depois desse evento catacl�smico, especialistas ainda debatem que mecanismo seria respons�vel por tamanha produ��o de energia.

    No entanto, de l� para c�, o registro de eventos como o PKS 2155-304 tornou-se comum, a ponto de o recorde de brilho ter sido batido. Em dezembro de 2009, o blazar 3C 454.3 –batizado de "Crazy Diamond" (diamante louco), em alus�o � m�sica da banda de rock brit�nica Pink Floyd– tornou-se, por breve per�odo, o objeto mais brilhante do c�u em raios gama.

    DESCOBERTA

    Diariamente, sat�lites como o Fermi detectam explos�es de raios gama de brilho semelhante, cuja origem, por�m, s�o estrelas em vias de morrer. Esses eventos deixam como resultado a cria��o de um novo buraco negro. Em termos de energia, tais fen�menos s�o os mais intensos do cosmo desde o Big Bang, o "nascimento" do Universo, h� 13,8 bilh�es de anos.

    O mesmo sat�lite Fermi descobriu recentemente duas estruturas gigantes, localizadas ao norte e ao sul do centro da Via L�ctea. Batizadas de "bolhas de Fermi", elas emitem intensa radia��o gama, sendo, por�m, praticamente invis�veis em outras faixas do espectro eletromagn�tico.

    A teoria mais prov�vel � a de que esses objetos sejam enormes reservat�rios de raios c�smicos (el�trons, pr�tons e n�cleos at�micos ultraenerg�ticos), o registro "f�ssil" de um per�odo no qual o buraco negro no centro de nossa gal�xia estava ativo, dezenas de milh�es de anos atr�s.

    A energia liberada em eventos como esse tem o potencial de influenciar e alterar a evolu��o da gal�xia e do cosmo ao seu redor, mostrando-nos uma nova face do Universo.

    Cientistas especulam inclusive que os raios gama e raios c�smicos podem ter sido importantes para o surgimento e a evolu��o da vida em nosso planeta, ao fornecer, por certo intervalo de tempo, uma dose extra de energia que teria favorecido a bioqu�mica primordial e as muta��es gen�ticas que levam � biodiversidade.

    Essa hip�tese � ainda incipiente. Se tal conex�o for confirmada, entretanto, seus rastros estar�o escondidos precisamente nas mais energ�ticas fontes de raios gama do cosmo.

    ULISSES BARRES DE ALMEIDA, 34, � pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas F�sicas.

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