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    Cartas in�ditas revelam poss�vel 'amor secreto' de poeta Fernando Pessoa

    MAUR�CIO MEIRELES
    COLUNISTA DA FOLHA

    21/12/2017 02h00

    Fernando Pessoa n�o entrou para a hist�ria como o protagonista das maiores aventuras amorosas.

    A datil�grafa Of�lia Queiroz (1900-1996), que guardou as cartas do poeta em uma caixa de bombons e s� revelou seu namoro com ele nos anos 1970, sempre foi tida como seu �nico amor.

    Mas parecia improv�vel que o autor tivesse amado s� uma mulher —e era mesmo, como agora sugere um conjunto de cartas in�ditas rec�m descobertas.

    Encontradas por Jos� Barreto, pesquisador do Instituto de Ci�ncias Sociais da Universidade de Lisboa, elas levantam a hip�tese consistente de que o poeta morreu apaixonado por uma escocesa chamada Madge Anderson, cunhada de seu meio irm�o.

    Um artigo com a pesquisa est� na nova edi��o da revista "Pessoa Plural", publicada pela Universidade Brown, nos Estados Unidos. Curioso notar que, nas cartas de Of�lia, a datil�grafa j� mostrava ci�mes de "uma inglesa" —e Madge vivia em Londres.

    "Nunca entendi [a afirma��o de Pessoa s� ter namorado Of�lia]. Por meio das cartas deles, descobrimos um homem certamente capaz de amar", diz Barreto.

    "Of�lia era uma mulher simpl�ria, tradicional, muito jovem, pouco culta. Madge era uma mulher muito mais inteligente, mais adequada ao perfil do Pessoa, capaz de uma rela��o afetiva adulta, n�o uma coisa assim infantil�ide como a Of�lia."

    Na Segunda Guerra Mundial, Madge trabalhava para o servi�o secreto brit�nico traduzindo mensagens interceptadas dos alem�es.

    O pesquisador encontrou tr�s cartas in�ditas e um cart�o postal escritos em ingl�s, de 1935, que ainda est�o em poder dos familiares do poeta e n�o foram para o acervo dele na Biblioteca Nacional de Portugal.

    A documenta��o revela ainda que pelo menos uma carta se perdeu.

    AFUNDAMENTO

    A correspond�ncia mostra que Madge esteve algumas vezes em Portugal para visit�-lo —na primeira delas, ele pede desculpas por ter desaparecido, por conta de um "afundamento" (possivelmente uma de suas muitas crises depressivas):

    "Lamento muito tudo o que se passou, isto �, a minha descortesia em ter desaparecido, mas n�o perdeste nada com o meu desaparecimento, que foi a melhor ac��o que alguns resqu�cios de dec�ncia poderiam ditar a um homem praticamente perdido para tudo isso."

    Depois, envia o poema em ingl�s "Delirium Tremens" para Madge: "N�o, nada � certo./ O teu amor poderia/ Tornar-me melhor do que eu/ Posso ser ou tentar".

    Na carta em que v�o esses versos, Pessoa diz que eles foram escritos em abril, o que segundo ele seria um m�s antes da chegada de Madge a Portugal —talvez tentando afastar a possibilidade de ser ela a motivadora da escrita.

    Mas a lista de passageiros do Rotterdam Lloyd, navio que a levou a Lisboa, e uma carta dela dizendo "faz sete meses que nos vimos" mostram que os dois se encontraram justamente naquele m�s.

    Outra evid�ncia � o fato de os poemas de amor em primeira pessoa serem poucos na obra do poeta —mas se intensificam no fim da vida.

    O �ltimo poema que escreveu, em ingl�s, uma semana antes de morrer, diz: "Mas o meu pobre cora��o anseia/ Por algo que est� longe./ Anseia s� por ti,/ Anseia pelo teu beijo".

    Embora seja controverso analisar a obra de um autor a partir de sua biografia, o fato levou �ngel Crespo, bi�grafo espanhol, a ser o primeiro a levantar a hip�tese, em 1989, de que Pessoa estivesse apaixonado por algu�m antes de morrer —mas n�o chegou a descobrir por quem.

    Jos� Paulo Cavalcanti, o bi�grafo brasileiro de Pessoa, fala de Madge a partir de depoimentos que colheu de familiares de Pessoa, que registravam uma "simpatia rec�proca" entre os dois.

    Cavalcanti destaca ainda poemas como um em que �lvaro de Campos, um heter�nimo, escreve: "A rapariga inglesa t�o loura, t�o jovem, t�o boa/ Que queria casar comigo..."

    O bi�grafo levanta a possibilidade de a "rapariga" ser Madge.

    Ela era casada, como mostram os registros da Abadia de Westminster, em Londres, quando come�ou a encontrar Pessoa, em 1929.

    Of�lia, que reatara com o poeta � �poca, aborda maliciosamente em uma missiva que a "inglesa" n�o estava "acompanhada do marido" durante visita a Portugal.

    Entre 1933 e 1935, ano em que Pessoa estaria j� apaixonado por Madge, ele e Of�lia trocam apenas cartas protocolares —a datil�grafa lhe deseja feliz anivers�rio a cada 13 de junho, e ele apenas agradece laconicamente.

    Como destaca Jos� Barreto, Pessoa por vezes via o amor como um obst�culo � consolida��o de sua obra —chegou mesmo a escrever "H� muitos unguentos/ Para o amor:/ � s� uma doen�a de pele".

    POEMAS IN�DITOS

    A nova edi��o da "Pessoa Plural", que tem como editor convidado Ricardo Vasconcelos, professor de literatura brasileira e portuguesa na Universidade de San Diego (EUA), � dedicada � cole��o do arquiteto portugu�s Fernando T�vora (1923-1925) —parte dela voltada a documentos e manuscritos do modernismo lusitano.

    Nela, o pesquisador colombiano Jer�nimo Pizarro encontrou um poema desconhecido de Pessoa, "No Horizonte Solemne", e listas de poemas que permitiram encontrar outros in�ditos na Biblioteca Nacional lusitana.

    A revista, uma das principais publica��es de estudos pessoanos do mundo, ficar� dispon�vel online a partir desta quinta (21).

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