Caixa com textos in�ditos de Fernando Pessoa � encontrada na �frica do Sul
Crian�a, Fernando Pessoa gostava de pegadinhas. Metia-se em fantasias horripilantes para assustar os empregados e, j� ent�o um fingidor, recrutava os irm�os para pequenas pe�as em casa. Mas sentia um medo danado de trov�o. Por isso, escondia-se em locais escuros, cobrindo a cabe�a para n�o ouvir o barulho.
O relato sobre a inf�ncia do poeta est� em uma carta in�dita de Teca, sua meia-irm�, enviada nos anos 1970 ao pesquisador brit�nico Hubert Jennings, um dos primeiros bi�grafos do poeta.
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O poeta portugu�s Fernando Pessoa |
O manuscrito comp�e um conjunto de 2.000 documentos encontrados por um grupo de pesquisadores, ap�s passar d�cadas em uma garagem na �frica do Sul, onde o poeta viveu crian�a.
A descoberta foi feita em julho, quando os filhos de Jennings procuravam um local para o esp�lio do pai, morto h� 23 anos, e tratada com discri��o at� agora. O conjunto de documentos de e sobre Pessoa foi transferido para a Universidade Brown nos EUA, que conta com um importante centro de estudos da literatura portuguesa.
Ainda � cedo para dizer com exatid�o tudo que h� no esp�lio -mas um primeiro olhar acaba de aparecer na "Pessoa Plural", revista de estudos pessoanos publicada por Brown.
H� transcri��es de documentos do esp�lio de Pessoa —que Jennings visitou nos anos 1950, muito antes de o acervo ir para a BNP (Biblioteca Nacional de Portugal).
Como a caligrafia do poeta � dif�cil de entender —�s vezes, n�o d� para saber nem em que l�ngua os textos foram escritos—, o trabalho de Jennings serve de atalho.
O ingl�s chegou a fazer um invent�rio do esp�lio pessoano, que deve ser confrontado com o da institui��o portuguesa, a fim de saber que documentos podem ter se perdido.
CARTAS PERDIDAS
A esperan�a de haver materiais que nunca seriam conhecidos tem um motivo: foi encontrada a transcri��o uma carta de Pessoa a seu meio-irm�o John, de 28 de fevereiro de 1934. O documento n�o est� na BNP e, at� onde se sabe, tampouco entre os pap�is que a fam�lia do poeta ainda tem consigo em Portugal.
Tamb�m foi achado na caixa o livro in�dito "The Poet of Many Faces", uma compila��o, reunida por Jennings, de poemas em ingl�s escritos por Pessoa. Tivesse sa�do, o pesquisador teria sido um dos primeiros a publicar a poesia inglesa de Pessoa.
Como homenagem ao trabalho de Jennings, o pesquisador argentino Patr�cio Ferrari, especialista na obra inglesa e francesa do portugu�s, publica na "Pessoa Plural" 25 poemas in�ditos do autor –dois dos quais j� haviam sido transcritos por Jennings. O material j� est� dispon�vel na vers�o on-line do peri�dico.
Divulga��o/Cole��o Manuela Nogueira | ||
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O poeta aos 13 anos, em 1901, �poca em que morava na �frica do Sul |
"A vida e a obra d Pessoa s�o um quebra-cabe�a. Sabemos que h� milhares de documentos que n�o foram publicados. O acervo do Jennings ajuda a montar esse quebra-cabe�a", diz o brasileiro Carlos Pittella-Leite, pesquisador bolsista da Universidade de Lisboa que foi o primeiro, junto a Patr�cio Ferrari, a consultar a papelada.
Pittella-Leite, editor convidado da "Pessoa Plural", que ajudou na transfer�ncia do acervo para Brown, calcula que ainda deve demorar um ano para a institui��o fazer todo o invent�rio dos pap�is. S� ent�o se ter� uma ideia mais exata de tudo de in�dito que h� no esp�lio de Jennings.
Mesmo que a caixa n�o tivesse documentos desconhecidos de Fernando Pessoa, a descoberta ainda assim seria valiosa, por trazer as pesquisas de Jennings sobre o autor portugu�s e as impress�es do brit�nico sobre Portugal.
Um di�rio do intelectual, por exemplo, conta o dia a dia em Portugal em 1968 -ano em que o ditador Ant�nio Salazar caiu. O documento ajuda a reconstruir a rotina portuguesa nos meses que antecederam a derrocada do ditador.
A descoberta dos documentos tamb�m permitiu determinar a autoria de um ensaio sobre os heter�nimos pessoanos em poder Manuela Nogueira, sobrinha do poeta lusitano. Uma carta de Michael, outro meio-irm�o de Pessoa, no qual ele d� dicas a Jennings sobre um livro, sugere que o pr�prio pesquisador seja o autor do ensaio.
O brit�nico � mais um caso not�rio de estrangeiro que se desenvolveu uma rela��o profunda com a obra de Fernando Pessoa, ao lado do mexicano Octavio Paz e do italiano Antonio Tabucchi.
Jennings -que, como Cam�es, perdeu um olho em batalha, ao lutar na Primeira Guerra Mundial- descobriu o poeta, aos 70 anos, ao escrever a hist�ria da Durban High School, escola na �frica do Sul onde Pessoa estudou na inf�ncia, entre 1899 e 1904. Mudou-se para Portugal a fim de estudar a obra do autor.
�FRICA DO SUL
A caixa com seus documentos estava na garagem de sua sobrinha, na �frica do Sul. Os pap�is foram encontrados quando ela se mudou de Joanesburgo para a Cidade do Cabo. Como os filhos de Jennings queriam escrever a hist�ria da fam�lia, eles os enviaram ao escritor americano Matthew Hart em Nova York.
Hart procurou a Universidade de Brown para entender a import�ncia dos documentos. A institui��o, por sua vez, foi atr�s do colombiano Jer�nimo Pizarro, hoje uma das principais autoridades na obra pessoana. Pizarro pediu para Carlos Pittella-Leite e Patr�cio Ferrari viajarem a Nova York para avaliar os documentos.
"Esses pap�is ficaram fora de circula��o por 23 anos. Fiquei surpreso ao ver como era volumosa a quantidade de escritos sobre Pessoa, tradu��es, contos e as mem�rias do meu pai", afirma o ge�logo Christopher Jennings, filho do intelectual.
POEMAS IN�DITOS
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Poema in�dito de Pessoa traduzido por Hubert Jennings |
�s vezes, repentinamente olhando pra cima, acho
Ter compreendido a forma vazia das coisas
Outro aspecto que o absurdo
Toma-me um repentino terror
Havia olhos em tudo -onde est�o as coisas agora?
Havia um mal misterioso na sem vida das Presen�as...
Tudo era mais Deus, mais Vida, do que � agora.
Onde est� o ouvir deste sempre amanhecer
_[quando olhei para cima demasiado repentinamente_?
O que est� escondido de mim que � tudo?
A m�o que repentinamente nublou quando olhei o que continha?
Ou podem os homens virar a esquina do Ver e do Ouvir
E buscar o mist�rio das coisas?
(Tradu��o de Patricio Ferrari)
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Transcri��o de poema de Pessoa |
O que h� de errado com o que h� de certo em meu cora��o � outra
Coisa bem diferente de (...)
Minha dor n�o � por n�o ser pai
Minha dor � mesmo por n�o poder ser m�e
Apenas ser m�e preencheria sem perder uma gota
O copo de do�ura que aguarda em mim
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Poema in�dito de Fernando Pessoa |
Sua poesia era um primor
E a bebedeira, habitual.
O mal podia ser maior.
Podia escrever poesia pior
E num melhor clima mental.
(Tradu��o de Al�pio Correia de Franca Neto)
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Outro trabalho in�dito |
Cercai-me o cora��o,
�, n�voas noite afora.
Cercai fortes agora
� asfixia e afli��o,
Vosso v�u que apavora.
Cercai-me em vosso encargo
De criardes meu tutano,
Senciente a ser humano,
Ser uma sombra e um lago,
Um desgosto e um oceano.
Algo que � uma imagem
Da coisa sem nenhuma
(Tradu��o de Al�pio Correia de Franca Neto)
LEIA CARTAS DESCOBERTAS
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Carta de Michael, meio-irm�o de Pessoa, a Hubbert Jennings |
Em carta enviada a Hubert Jennings, Luiz Miguel Nogueira Rosa, o Michael, irm�o do poeta, comenta poemas ingleses in�ditos de Pessoa que tinha enviado ao intelectual -e discute um poss�vel livro de Jennings. O documento permitiu tra�ar a autoria de um texto an�nimo no acervo de Manuela Nogueira, sobrinha de Pessoa, como sendo do pr�prio Jennings. Na carta, Michael reclama de "Obra e Vida de Fernando Pessoa", de Jos� Gaspar Sim�es, por este dizer que o poeta era um b�bado. "� verdade que ele bebia muito, mas nunca foi visto b�bado", escreve Michael.
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Carta de Teca, meia-irm� de Pessoa |
Em carta, Henriqueta Madalena Nogueira dos Santos Rosa, a Teca, conta a Hubert Jennings a inf�ncia do poeta logo depois de a fam�lia voltar da �frica do Sul para Lisboa. Fica-se sabendo que Fernando Pessoa morria de medo de trov�es e costumava se esconder em lugares escuros durante tempestades. Tamb�m era amado pelas crian�as, por deixar a sobrinha encher sua cara de espuma para barbe�-lo. Teca relata ainda que amigos reclamavam do isolamento do autor. "Era ele que escolhia a reclus�o, mesmo vivendo com outros", escreve.
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