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Christiane Torloni sobre 'Fina estampa': 'O que não pode ser politicamente incorreto é o governo'

Anna Luiza Santiago

Christiane Torloni (Foto: Arquivo pessoal)Christiane Torloni (Foto: Arquivo pessoal)

É indiscutível: o mundo ficou bem diferente desde a exibição original de "Fina estampa", há nove anos. De lá para cá, o terreno das redes se expandiu e os movimentos sociais ganharam força. Por essas razões, cenas de homofobia, machismo e assédio moral, à época talvez relevadas, hoje soam muito mal e fazem subir a temperatura dos debates na internet. Várias dessas sequências foram protagonizadas por Christiane Torloni na pele da arquivilã Tereza Cristina. Ela opina sobre a obra criada por Aguinaldo Silva:

- Acho que o Aguinaldo foi muito corajoso de escrever a novela na época, correndo todos os riscos de ser politicamente incorreto e botando na boca dos personagens coisas que hoje o politicamente correto condenaria completamente. E é para isso que existe a ficção. Você já viu governo mais politicamente incorreto que esse? A gente está falando de ficção, na ficção você pode e deve ser livre. Difícil é a liberdade que determina morte e vida das pessoas. A arte não tem esse compromisso e não deve ter. É libertadora por isso. Quando fiz uma cleptomaníaca, por exemplo (a Haydée de "América"). É terrível, é verdade, existem pessoas que têm essa doença. Aí você faz o quê? Tranca num quarto e finge que não existe? O ser humano precisa do espelho da arte. Isso o liberta. Ele chora, ri, reflete. Por isso, tentam desmontar todas as entidades de cultura neste país nos últimos dois anos praticamente. A arte é perigosa, ela pode e deve ser politicamente incorreta. O que não pode ser politicamente incorreto é o governo, que faz com que as pessoas estejam passando fome, morrendo sem respirador. Que tem corrupção e está queimando a Amazônia inteira, entregando ouro para bandido. Queimar a Amazônia é imperdoável. Não é fazer "Fina estampa" que é imperdoável.

Um dos que criticaram a novela foi Marco Pigossi, que vive o Rafael. Recentemente, numa live com João Vicente de Castro, ele declarou que a história não deveria ser reexibida:

- O nome disso é democracia. Eu luto para as pessoas terem o direito de falar o que elas quiserem. Ele tem o direito de manifestar a opinião dele. Posso concordar ou não. Como você já viu, não concordo. Eu gosto da novela e adoro minha personagem. As pessoas têm o direito de se arrepender de ter feito tal personagem. Eu não me arrependo de jeito algum. Se tivesse que fazer, faria de novo e me divertiria tanto quanto ou mais, porque acho que agora devo estar melhor como atriz do que há nove anos. Então, provavelmente, seria mais abusada ainda. Eu acho que ele fez muito bem o papel dele. Era difícil para caramba. É um bom ator.

Christiane, de 63 anos, considera a reprise, algo inédito na faixa das 21h da Globo, como um "prêmio de carreira":

- Eu tinha entre 80 e cem cenas por semana. Foi um exercício. Quando a gente batia cem cenas, eu levava tortas de chocolate e botava bandeiras de todos os times. Porque significava que eu tinha passeado por todos os cenários possíveis da novela. Foi uma festa fazer. Uma festa trabalhosa. Agora está sendo uma festa rever sem o ônus do trabalho.

 

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Além de "Fina estampa", a atriz estará no ar em "Mulheres apaixonadas" e "A viagem" no Viva. "Selva de pedra" acabou de ser reprisada pelo canal e "Torre de Babel" é a mais recente estreia do Globoplay:

É muita sorte na carreira ter a oportunidade de, num espaço de um ano, ver cinco trabalhos. Cada produção marcou seu tempo. É uma fase bonita.

Escalada para "Verdades secretas 2", ela recorre a uma analogia com o esporte para explicar sua relação com o público a cada novo trabalho.

- Quando você faz um personagem, você não está fazendo para apresentar na garagem da sua casa. Está fazendo para o público. O primeiro desafio é o papel. O segundo é se comunicar através dele. Tem personagem chegando, se Deus quiser, no começo do ano. É um lindo personagem e meu primeiro encontro com o Walcyr CarrascoÉ bom quando a gente se apaixona, dá aquele frio na barriga. Você não sabe o que vai acontecer. É uma sensação maravilhosa. Você tem a seu favor sua vida, sua experiência. O público vem correr o risco com você. É como numa corrida de Fórmula 1. Todo mundo entra, mas só um pilota. Tem uma torcida. São 45 anos de carreira, e tem gente que bota 50, porque minha primeira aparição foi em 1970. Então pode deixar aí que estou com meio século de carreira. Eu gosto dessa sensação. As fãs começam a ficar nervosas, vão mandando mensagens nas redes, querendo saber. No teatro também. É legal. O Flamengo vai entrar no campo, fica todo mundo nervoso. Mas o técnico é bom - diz ela, que faz mistério sobre o papel. - Fiz voto de silêncio. Mas é bom para caramba. Acho que a continuação é melhor do que a primeira.

Na quarentena, além de rever suas antigas personagens, a atriz faz ioga e outros exercícios em casa; tem aulas on-line de teoria musical e canto; e trabalha com a Fundação Amazonas Sustentável e com o "The Science Panel for The Amazon (SPA)", ligado à ONU. Christiane mora sozinha ("departamento de filho e neto já está encaminhado") e diz que tem um companheiro, sem revelar nomes:

- Companheiro existe, só não precisa estar morando comigo. A vantagem do jubileu é que a gente vai ficando um pouco mais sábia na vida. Shakespeare tem um grande recado através de seus personagens. Ele diz que o própósito é ficar sábio antes de ficar velho. Estou seguindo os bons conselhos do Tio Shakespeare. Importante é estar em boa companhia, mas não significa que tenha que morar com ela.

A atriz evita o rótulo "namoro":

- Uma mulher da minha idade já não está dentro dessas classificações. Você não sabe que maravilha é a passagem do tempo. Ela vai libertando a criatura que já passou por quatro casamentos, meu bem. Realmente, dessas classificações já me libertei há algum tempo. Graças a Deus.

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