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Polvilho: de ingrediente menor a verbo nobre, conjugado por chefs como Claude Troisgros

Uma certa dose de mist�rio sempre cai bem. Na culin�ria brasileira, o polvilho ainda � um personagem muito pouco conhecido e ainda menos valorizado pelos seus in�meros usos e virtudes. Essa hist�ria, por�m, vem ganhando novos desdobramentos conforme a mandioca cai nas gra�as de nutricionistas e chefs.

Eles est�o juntos na atual onda de resgate das tradi��es do comer brasileiro. Para in�cio de conversa, � poss�vel que a associa��o entre mandioca e polvilho n�o seja assim imediata.

Um simples teste de conhecimento entre amigos pouco familiarizados com as dobras do avental pode ser revelador. O que � e de onde vem o polvilho? Se pensou em farinha, errou. Acertou se pensou em mandioca.

Adriana Komura/Editoria de Arte/Folhapress

A hist�ria do polvilho tem in�cio na planta��o e extra��o da mandioca, o mais brasileiro dos alimentos. A raiz j� era cultivada pelos �ndios antes dos primeiros portugueses chegarem, em 1500.

Para fazer o polvilho, a mandioca � amassada at� virar uma goma � base de amido, que � desidratada at� virar o p� branco. A farinha � mais simples: basta triturar a mandioca. O polvilho tem duas vers�es: doce, n�o fermentado, e azedo, ap�s ser fermentado.

Sua faceta mais conhecida � o biscoito de polvilho, que existe pelo menos desde o s�culo 18, quando era servido pelas cozinheiras negras aos senhores das fazendas mineiras, segundo o pesquisador e escritor potiguar Lu�s da C�mara Cascudo, autor do cl�ssico "Hist�ria da Alimenta��o no Brasil" (1967).

Mais tarde, foi popularizado em escala industrial, vendido em saquinhos em padarias ou restaurantes de estrada, e tamb�m ficou conhecido como "biscoito de vento" ou "biscoito voador".

EM TODO LUGAR

A presen�a do polvilho em outras receitas do menu nacional � mais oculta, mas tamb�m est� l�. N�o existe p�o de queijo sem polvilho, nem o sequilho, aquele biscoitinho doce, por exemplo. Ele est� ainda no revestimento do amendoim japon�s e serve como espessante de papinhas de beb�. E tamb�m na tapioca, no cuscuz nordestino e no beiju vendido nos far�is. E ainda entra na farm�cia, em c�psulas de rem�dios e talcos.

Mas que fique claro: o p� branco � vers�til, mas n�o faz milagres. O talco de polvilho, por exemplo, serve apenas para refrescar e perfumar a pele do beb�. "N�o tem efeito antiss�ptico nem curativo. N�o trata assaduras, micoses e nem frieiras", diz a pediatra V�nia de Aguiar, do Hospital Pedi�trico Sobaby. O que a ind�stria farmac�utica parece ter feito, neste caso, � a adapta��o de um produto � crendice popular.

Mesmo que n�o tenha uma ou outra propriedade milagrosa atribu�da pelo povo, o ingrediente tem s�ditos. "O polvilho � o ouro da mandioca", empolga-se a chef carioca Teresa Cor��o, presidente do Instituto Maniva, associa��o sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro, que utiliza gastronomia brasileira como ferramenta de transforma��o social.

A aparente falta de interesse pelos potenciais do polvilho, defende Cor��o, � fruto do desprezo do brasileiro em rela��o � cultura dos �ndios, os primeiros domesticadores da mandioca. "O brasileiro n�o quer ser �ndio, mas sim europeu", provoca. Naturalmente, isso tem reflexo na alimenta��o.

Considerado um dos grandes nomes da gastronomia internacional, o cozinheiro, empres�rio e apresentador de TV Claude Troisgros desembarcou h� mais de duas d�cadas no Brasil com o desafio de criar uma conex�o entre as cozinhas brasileiras e francesas. Tamb�m integrante do Instituto Maniva, o que o torna um "mandioqueiro", como os associados se tratam, ele introduziu no card�pio do seu restaurante no Rio de Janeiro at� um caviar feito de sagu, tamb�m filho do polvilho.

Al�m disso, serve no couvert biscoitos de polvilho, populares nos botequins cariocas, introduzindo curry � receita.

"A mandioca n�o faz parte da mesa francesa mas � uma das contribui��es mais espetaculares da culin�ria brasileira", diz Troisgros. Que aponta a presen�a dele: "� curioso que muita gente coma polvilho sem saber, seja na tapioca, no p�o de queijo ou mesmo no sagu."

Luciana Abreu, nutricionista do Spa M�dico da Lapinha e professora do Senac, enaltece o fato de que esse amido ainda leva a vantagem de n�o conter gl�ten, o vil�o atual das dietas.

AZEDINHO DOCE

Mesmo quando � azedo o polvilho toma ares de salvador da p�tria. Ou do p�o de queijo. "Usamos o doce para rebater a acidez do queijo da Serra da Canastra", conta o cozinheiro Samuel Gon�alves, do restaurante L� da Venda, conhecido por servir um dos melhores p�es de queijo de S�o Paulo. N�o � o �nico segredo, diz a chef Talita Vitoreli. Ovo caipira e leite integral tamb�m colaboram.

J� no couvert do restaurante Man�, em S�o Paulo, chama a aten��o um p�o quadrado, durinho, que s� se revela � primeira mordida: � biscoito de polvilho. Foi a primeira receita criada para o Man� pela s�cia Helena Rizzo. "Adaptei uma receita da minha av�", conta. No Man�, que completa sete anos de exist�ncia, o biscoito de polvilho virou o seu biscoitinho da sorte. "O mais interessante � que ele nunca � o mesmo. Dependendo da pessoa que prepara, ele fica um pouco diferente", diz ela. Melhor assim. Uma certa dose de mist�rio pode fazer bem at� a um biscoito de polvilho.

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