Eventos na Alemanha celebram 500 anos da Reforma Protestante
O que voc� sabe sobre Martinho Lutero? A dona de casa Sarah Quincy, 37, confessa: n�o muito. Ela � protestante, assim como toda a sua fam�lia, assim como a maioria dos 45 presidentes que seu pa�s, os EUA, j� teve (John Kennedy foi a exce��o cat�lica, e a filia��o religiosa de Abraham Lincoln � tida como enigma).
"At� pouco, eu acharia que estavam falando do Martin Luther King e diria, u�, mas ele n�o foi o cara dos negros?", diz, segurando no colo seu beb� gorducho de bochechas t�o rosadas quanto as dela. S� recentemente Sarah aprendeu em sua igreja que o pastor e ativista de direitos civis no s�culo 20 foi batizado em homenagem a um monge que travou batalha pr�pria na Alemanha medieval, 500 anos atr�s.
Em 31 de outubro de 1517, Luther (Lutero, em portugu�s) iniciou o cisma que abalaria para sempre a Igreja Cat�lica, at� ent�o um monop�lio de f� no Ocidente. A narrativa que entrou para a hist�ria: o monge pregou na porta do castelo que abrigava a Igreja de Todos os Santos, em Wittenberg (1h30 de Berlim), o documento conhecido como "95 Teses".
O quanto disso � mito –se o fez com martelo ou n�o, por exemplo– est� aberto a discuss�es. Mas fato � que suas cr�ticas provocaram um racha no mundo crist�o, que passaria a ter v�rios ramos protestantes (de quem protestou contra o Vaticano), at� chegar aos neopentecostais de hoje.
As mais c�lebres questionam a ideia de que algu�m (leia-se: ricos) poderia se livrar "de toda a pena" comprando indulg�ncias do papa. Outra questiona por que a abastada Igreja "n�o constr�i com seu pr�prio dinheiro" uma bas�lica, "em vez de faz�-lo com o dinheiro dos pobres fi�is".
Sarah, marido e filho viajaram � Alemanha nas f�rias. Numa quinta-feira de agosto, a fam�lia enche a cesta numa loja de souvenires em Wittenberg, que busca capitalizar em cima do quinto centen�rio do marco zero da Reforma Protestante. Levam biscoitos e cervejas com o rosto de Lutero nos r�tulos. Outro fregu�s, o brit�nico Joel Bennett, 48, gostou de um copo com uma caricatura do alem�o martelando suas teses no castelo.
Inscrita no pl�stico azul, a express�o: "He nailed it!" ("ele pregou", no portugu�s literal, mas que em ingl�s vira "ele acertou em cheio!").
Os 500 anos do movimento iniciado pelo conterr�neo est�o sendo comemorados por toda a Alemanha, com eventos e exposi��es concentradas sobretudo em Berlim, Wittenberg e Eisleben –cidade onde Lutero nasceu, em 1483, mesmo ano de inaugura��o da suntuosa Capela Sistina.
O fil� deste turismo religioso est� em Wittenberg, que preserva a casa –hoje um museu– onde o primeiro protestante viveu a maior parte da vida. Conhecer o lar de Lutero e da mulher, Catarina de Bora, pais de seis filhos, custa € 12 (R$ 44). De lambuja, uma mostra cont�gua traz obras de arte e objetos que reproduzem o cotidiano no s�culo 16.
N�o era s� na riqueza de esp�rito que a fam�lia acreditava. Passados 25 anos do ato de rebeldia contra o Vaticano, Lutero e Catarina tinham dez porcos, cinco vacas, tr�s leit�es, nove bezerros, uma cabra, v�rios cavalos e o c�o T�lpel. A m�dia, na �poca, era de quatro porcos por domic�lio.
CRENDICES
Um badulaque met�lico com subst�ncias arom�ticas e imagens de santos, para "ser usado no ter�o ou numa corrente para o pesco�o", era tido como defesa contra a peste bub�nica, que dois s�culos antes dizimou um ter�o da Europa. Cren�a popular na �poca: ar ruim, dem�nios e bruxas provocavam a doen�a. Vetor real: pulgas de ratos.
H� tamb�m a "p� da puni��o", que se parece com uma colher de pau e servia para castigar crian�as. J� adulto, Lutero defendeu que a autoridade paterna deveria ser mais amorosa do que punitiva, reflexo da sua vis�o de Deus.
Na porta da casa-museu, a atriz Alexandra Husemeyer, 42, apresenta-se vestida como a mulher do reformador. "Catarina tinha autoestima t�o alta que pediu Lutero em casamento", diz.
Ela n�o � a �nica a se caracterizar � moda antiga. Quem quiser gastar 75 minutos e € 250 (R$ 925) pode ser escoltado por tr�s atrizes no papel de "fofoqueiras" dispostas a contar todos os "babados" de 1535.
Em outro passeio, por quatro horas e € 46 (R$ 170), o turista � conduzido por uma int�rprete que faz as vezes de criada de Lucas Cranach (1472-1553), pintor que retratou o amigo Lutero e tamb�m "nudes" renascentistas de mulheres. Roteiro: "Numa hora tardia, v� a lugares dos sacerdotes e prostitutas. [...] Seguindo esta caminhada noturna, voc� ser� recebido em um card�pio er�tico e moderado de seis pratos".
As banalidades do dia a dia tamb�m est�o na atra��o "Os Fr�volos das Casas de Banho", que reconstr�i o ent�o popular banho p�blico –das "fornica��es" �s "pomadas para prevenir a gravidez indesejada" (€ 225, ou R$ 833).
As ruas de paralelep�pedo que abrigam essas trupes, no centro hist�rico de Wittenberg, n�o levam apenas a igrejas e constru��es antigas. H� ao menos tr�s est�dios de tatuagem. Marcar na pele a silhueta de Lutero � um hit, diz o dono do estabelecimento com um adesivo da melindrosa Betty Boop na vitrine.
MOSTRA EXPLICA IMPACTO DAS IDEIAS DO RELIGIOSO HOJE
Por que os americanos t�m mania de carregar suas bebidas alco�licas naqueles sacos de papel pardo? Comum em cidades dos Estados Unidos, o veto a beber �lcool na rua, e at� a predisposi��o a esconder garrafas que nem sequer abertas est�o, teria a ver com as ra�zes de um pa�s 50% protestante. Para um fiel, afinal, o ato de se embriagar n�o � de Deus.
A teoria das sacolas � uma das curiosidades contadas em "Der Luthereffekt" (o efeito Lutero). A mostra no museu Deutsches Historisches Museum, em Berlim, remonta a globaliza��o do movimento iniciado meio mil�nio atr�s por Martinho Lutero, o monge alem�o que rompeu com a Igreja Cat�lica e jogou a Europa em s�culos de sangrentas guerras religiosas.
A partir de 1517, fortaleceu-se no mundo crist�o a ideia de que cada um que carregue sua cruz: o Vaticano n�o deveria monopolizar o poder (por meio do papa) nem a interpreta��o da B�blia (ent�o restrita ao latim). Esse marco zero da Reforma Protestante � fundamental para entender um mundo que hoje testemunha o milagre da multiplica��o de templos evang�licos.
ASCENS�O
A Am�rica Latina fica fora dos cinco pa�ses que a exposi��o elege para contar o avan�o protestante no planeta: Alemanha, Su�cia, EUA, Coreia do Sul e Tanz�nia.
O af� crist�o dos sul-coreanos pode surpreender. Quase 30% da popula��o se declara seguidora de Jesus Cristo –protestantes s�o dois ter�os desse grupo.
No tel�o do museu, nada muito diferente do que se v� em templos brasileiros: um coral com robe de cetim canta sobre "preferir Jesus a casas e terras" ap�s a prega��o de um pastor de palet� e cabelo lambido por gel.
Na Su�cia, a fus�o entre Estado e Igreja Luterana se desfez em 2000. A Constitui��o sueca ainda prev� que o chefe de Estado (o rei ou a rainha) deve ser "de pura f� evang�lica".
Ex-col�nia alem�, a Tanz�nia abriga a segunda maior concentra��o de luteranos no mundo (mais de 6 milh�es).
A parte hist�rica da exposi��o, que vai at� 5 de novembro, � farta –assim como a variedade de souvenires � venda na loja do museu, da forma de p�o com a silhueta de Lutero ao boneco Playmobil inspirado no monge.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade