Depoimento: Em Marrakech, ouvi v�rias vezes a pergunta: 'cad� o namorado?'
Perdi as contas de quantas vezes ouvi: "Voc� vai sozinha para o Marrocos?", ao que me limitava a responder que sim.
Cobrir ombros e pernas, n�o olhar diretamente para os homens, n�o ir a bares ou caf�s tradicionais (afinal s� eles frequentam esses lugares) e pedir informa��es apenas a mulheres e comerciantes foram algumas das dicas que li e ouvi.
"Nunca fa�a perguntas para os homens", repetia Myriam, a gerente da "riad" (antigas mans�es transformadas em pousadas) onde me hospedei em Marrakech.
Apesar de ser um dos pa�ses mais liberais do mundo isl�mico, o Marrocos ainda tem um cen�rio em que se v� muito mais homens do que mulheres. Normalmente elas v�o �s ruas apenas para fazer compras, buscar os filhos, acompanhar uma amiga ou ir ao trabalho –mas n�o ficam de bobeira por a� sozinhas.
Sabendo disso, cheguei � cidade de cerca de 1 milh�o de habitantes vestindo cal�a comprida e len�o no pesco�o. Fazia um calor de 30�C, mas eu sentia um frio na barriga.
Na primeira sa�da � rua, quase todos os homens pelos quais passei mexeram comigo, dizendo "bonjour", "hello", coisas em �rabe ou me fuzilando com aquele olhar que toda mulher conhece.
A "riad" ficava numa das centenas de ruelas estreitas, irregulares e confusas da medina, que � a parte murada, tur�stica e mais antiga da cidade. Me perdi completamente na primeira esquina –e, quanto mais desorientada voc� parece, mais marroquinos aparecem. Al�m disso, sou loira e bastante branca, o que n�o ajuda muito no disfarce.
Um jovem passou de bicicleta e perguntou se eu queria ajuda. Apavorada, falei que n�o, obrigada. Ainda perdida, voltei a encontr�-lo ao acaso. "Voc� n�o confiou no que eu falei, n�?", me disse.
Tremendo, resolvi dar uma chance. Nos dez minutos seguintes, ele caminhou comigo e fomos conversando at� que eu me achasse. O mesmo voltou a acontecer algumas vezes durante os quatro dias que passei na cidade.
Percebi ent�o que o desespero era fruto daquelas perguntas que me fizeram v�rias vezes: o que estou fazendo sozinha no Marrocos? Por que n�o trouxe meu namorado?
N�s somos acostumadas com a ideia de que � melhor n�o se arriscar, de que h� lugares que n�o s�o para mulheres e pronto. Mas ser� que n�o devemos ocupar os espa�os p�blicos at� que os homens se acostumem com a nossa presen�a?
Parece que Marrakech est� nesse caminho. A cidade recebe 1,5 milh�o de turistas estrangeiros por ano (30% do total do pa�s), e os moradores j� est�o bastante habituados com a diversidade ocidental.
Uma mulher viajando sozinha, por�m, ainda causa estranhamento. Ouvi a pergunta sobre estar desacompanhada de gar�ons, guias e vendedores, �s vezes seguida de uma cantada ou de um convite. Como sempre, o segredo � dizer n�o e sorrir.
Andei livremente de dia e � noite, fui ao cinema, conversei com homens e com mulheres. Claro que a experi�ncia � mais tranquila quando se est� com um grupo ou em casal, mas n�o h� problema em se jogar sem companhia.
Algumas t�ticas ajudam. Cobrir os bra�os, prender os cabelos, n�o parecer perdida (mesmo quando est�), usar discretamente o GPS (internet � f�cil de conseguir) e andar de maneira firme contribuem para evitar o ass�dio. Cobrir a cabe�a ou vestir roupas locais n�o � necess�rio.
Com trajes minimamente adequados, andar por Marrakech torna-se fichinha para brasileiras. Afinal recebemos treinamento intensivo no nosso pa�s todos os dias.
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