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Como ficam as negocia��es entre patr�es e empregados com a reforma trabalhista

O debate sobre a reforma trabalhista, que foi aprovada nesta ter�a-feira no Senado, girou em torno de palavras como "flexibiliza��o", "moderniza��o" e "perda de direitos". Nenhum desses termos, no entanto, explica como a proposta pode mudar as rela��es entre patr�es e empregados.

O texto altera a Consolida��o das Leis Trabalhistas (CLT), que regulamenta o contato entre empregadores e subordinados.

Se posto em pr�tica, ele permite que elementos como jornada de trabalho, banco de horas e intervalo sejam negociados diretamente com o superior. Hoje, a CLT exige a presen�a de um sindicato e estabelece condi��es m�nimas que n�o podem ser alteradas.

Para mostrar como os acordos devem funcionar na pr�tica, a BBC Brasil conversou com professores de direito do trabalho e rela��es trabalhistas sobre o assunto. Tire abaixo suas principais d�vidas sobre o tema.

O que muda nos acordos?

Hoje as condi��es de trabalho s�o negociadas com a participa��o dos sindicatos, respons�veis, segundo a Constitui��o, pela "defesa dos direitos e interesses" das categorias. T�picos como jornada, remunera��o e aux�lios s� podem ser alterados desde que confiram ao trabalhador uma situa��o melhor do que a prevista na lei.

Por exemplo, n�o seria poss�vel negociar um intervalo de almo�o menor do que uma hora, padr�o estabelecido pela CLT.

Mas com a reforma, os trabalhadores poder�o negociar uma pausa de at� meia hora, o que pode ser visto como uma desvantagem. Com a aprova��o da proposta, os acordos passariam a prevalecer sobre o que diz a lei, mesmo que sejam menos favor�veis para o funcion�rio.

A medida abre a possibilidade de negocia��es feitas diretamente entre funcion�rios e chefes, sem a media��o do sindicato.

Mas alguns pontos, como seguro-desemprego e 13� sal�rio, n�o poder�o ser alterados.

A chamada "flexibiliza��o" divide opini�es. Enquanto uns a veem como uma possibilidade de tornar as contrata��es mais din�micas, personalizando as regras para cada caso, outros a consideram uma forma de destrui��o da CLT, facilitando o abuso de trabalhadores.

Quando as negocia��es s�o feitas diretamente com os patr�es?

A reforma permite a negocia��o direta entre chefe e subordinado para funcion�rios com diploma de n�vel superior e sal�rio maior do que dois benef�cios m�ximos do INSS, que hoje somam R$ 11 mil. As partes podem estabelecer novos padr�es de jornada, bancos de horas, intervalo, participa��o de lucros e outros pontos.

Essa liberdade, no entanto, n�o se estende a quem tem um sal�rio mais baixo. Nesse caso, a figura do sindicato continua presente na discuss�o sobre condi��es de trabalho e � por meio dele que acordos coletivos s�o fechados. Isso porque o artigo da Constitui��o que determina o papel dessas institui��es continua em vigor.

Pedro Ladeira - 26.abr.17/Folhapress
Parlamentares da oposi��o protestam na C�mara contra a reforma trabalhista
Parlamentares da oposi��o protestam na C�mara contra a reforma trabalhista

Os professores entrevistados pela BBC dizem que, por tr�s da divis�o, est� a ideia de que funcion�rios com sal�rios melhores t�m mais poder de barganha para negociar de igual para igual com os patr�es. J� os que ganham menos precisariam do apoio dos sindicatos para n�o sa�rem perdendo.

O professor Fernando Peluso, especialista em direito do trabalho do Insper, cita outro argumento para a divis�o: interesses diferentes.

"Por que voc� imagina que o mesmo princ�pio se aplica para quem ganha um sal�rio m�nimo e o executivo de uma empresa que ganha R$ 60 mil por m�s? Isso parece descabido nos dias atuais, porque os interesses s�o d�spares", comenta Peluso.

"Voc� imagina um executivo que ganha R$ 60 mil saindo trinta dias de f�rias e a empresa ficando sem CEO? Qual � o mal de dividir as f�rias em tr�s per�odos? Voc� est� modernizando a situa��o", acrescenta.

Cr�tico da proposta, o professor de direito do trabalho da USP Fl�vio Roberto Batista pondera que nem todas as pessoas cujo sal�rio ultrapassa R$ 11 mil s�o altos executivos com for�a de negocia��o.

Ele menciona banc�rios e at� armadores da constru��o civil que atingem esse patamar, mas n�o t�m poder na empresa para defender seus interesses. Sem o suporte do sindicato, diz Batista, esse grupo ficaria a merc� do chefe - ainda mais em um per�odo de crise econ�mica, quando ningu�m quer ser demitido.

"(O projeto) pega uma faixa muito ampla de trabalhadores. Pode precarizar o setor t�cnico-cient�fico. V�rias pessoas que t�m uma boa carreira v�o passar pela experi�ncia da terceiriza��o. O que s�o os terceirizados? S�o aqueles que n�o t�m representa��o sindical. Eles ficam fragilizados."

Batista afirma que outros crit�rios, como o n�mero de subordinados, deveriam ter sido usados para fazer a separa��o dos grupos.

O que s�o as comiss�es de representantes dos trabalhadores?

A reforma trabalhista traz de volta um personagem que estava presente na Constitui��o de 1988, mas nunca foi regulamentado: o representante dos funcion�rios nas empresas.

Na proposta do governo Michel Temer, ele aparece na forma de uma comiss�o, que tem o mesmo prop�sito explicitado na Carta Magna, o de "promover o entendimento direto com os empregadores".

Como ela funcionaria?

Segundo o texto que ser� votado nesta ter�a-feira, a comiss�o seria eleita nas empresas com mais de duzentos funcion�rios e poderia ter de tr�s a sete membros, de acordo com o tamanho da equipe.

Os participantes deveriam encaminhar reivindica��es de seus colegas aos superiores e buscar solu��es para conflitos no ambiente de trabalho, al�m de acompanhar o cumprimento das leis e acordos coletivos. Portanto, seria poss�vel ir at� eles com reclama��es e pedidos.

Ainda de acordo com o projeto, os integrantes da comiss�o continuariam trabalhando durante seu mandato anual e n�o poderiam ser demitidos "arbitrariamente" at� um ano depois de deixar a fun��o.

No processo de escolha, diz o documento, estaria vedada a interfer�ncia da empresa ou do sindicato da categoria.

Apesar de a rela��o com os patr�es estar mais clara no documento, n�o h� men��o sobre a intera��o com as for�as sindicais. Isso leva parte dos entrevistados pela BBC Brasil a crer que as comiss�es poderiam competir com os sindicatos e at� substitu�-los no futuro.

Isso porque o texto n�o pro�be esse grupos de fechar acordos coletivos com os chefes, apesar de a Constitui��o determinar a participa��o obrigat�ria dos sindicatos nas negocia��es.

"Imagino que haver� press�o dos empres�rios para que a comiss�o tenha o mesmo poder do sindicato", diz Clemente Ganz L�cio, diretor t�cnico do Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese).

"Ela n�o ter� participa��o sindical, mas pode apresentar pautas para a empresa. Como a lei n�o impede essa alternativa (de fazer acordos), � poss�vel que esse seja o pr�ximo passo", acrescenta.

O professor de direito trabalhista da FGV Jorge Boucinhas Filho concorda. Ele acredita que os representantes v�o absorver fun��es hoje exclusivas aos sindicatos. Mas ainda n�o sabe em que medida.

"N�o sabemos a dimens�o do que os representantes far�o. Eles podem at� facilitar a fun��o sindical, usando a proximidade com a empresa para dar informa��es, comunicar o sindicato. Mas se a comiss�o come�ar a fazer tratativas, negocia��es, pode ser que os sindicatos se tornem algo burocr�tico, s� para constar no fechamento de acordos".

Caso a proposta seja aprovada, Boucinhas diz que a intera��o entre os atores deve ficar mais clara na regulamenta��o da lei.

J� a vis�o do economista e professor da FEA-USP Helio Zylberstajn � de que as regras definam esses grupo como uma ponte entre funcion�rios, sindicatos e empregadores.

"Voc� poder� ir at� o representante, que vai ter mais acesso ao sindicato. Ele vai chegar no sindicato e dizer que h� uma demanda dos funcion�rios, como parcelamento das f�rias, por exemplo. Ent�o o sindicado poder� propor um acordo de forma coletiva ", diz.

"O sindicato existe para equilibrar essa rela��o. O trabalhador sozinho � muito mais fraco do que a empresa", acrescenta.

Uma preocupa��o de Zylberstajn � o processo de elei��o dos representantes, descrito brevemente no texto. Parte dos professores ouvidos pela reportagem teme que a comiss�o seja escolhida por ser pr�xima � chefia ou ceda �s vontades dos superiores por medo de ser demitida.

Em um cen�rio de desemprego alto, o professor de sociologia do trabalho na Unicamp Ricardo Antunes considera essas hip�teses vi�veis.

"Eles ser�o escolhidos pelos trabalhadores, mas n�o t�m o respaldo sindical nem estabilidade. Se n�o fizerem bem suas atividades, pelo menos do ponto de vista da empresa, correr�o o risco de n�o trabalhar mais ali."

J� Boucinhas v� nessa discuss�o uma antecipa��o do problema e acredita que as consequ�ncias dependem muito de cada ambiente profissional.

"A empresa pode tornar a comiss�o mais parcial, mas a comiss�o tamb�m pode tornar a empresa mais consciente do que est� acontecendo no dia a dia".

Como ficar�o os sindicatos?

A aprova��o da reforma trabalhista no Senado significa tamb�m o fim da contribui��o obrigat�ria para os sindicatos. Hoje, independentemente de serem sindicalizados, todos os trabalhadores que integram determinada categoria contribuem para essas organiza��es.

No caso dos contratados, � descontado um dia de sal�rio do m�s de mar�o de cada ano. Para n�o pagar, � preciso fazer uma carta de oposi��o.

No ano passado, entidades de classe de patr�es e empregados, incluindo federa��es e confedera��es, arrecadaram R$ 3,5 bilh�es com a contribui��o obrigat�ria. Os n�meros s�o do Minist�rio do Trabalho.

Sem esses recursos e com novas responsabilidades - como a de negociar mais t�picos com as empresas-, os sindicatos devem sofrer um baque e se tornar menos presentes na vida dos brasileiros, apostam os entrevistados.

Nilton Cardin/Folhapress
Sindicato dos Metal�rgicos promove protestos contra o governo e suas reformas nas maiores f�bricas da regi�o de S�o Jos� dos Campos (SP), nesta quarta-feira (15). Um grupo de manifestantes colocou fogo em barricadas em v�rios pontos da rodovia Presidente Dutra, sendo o maior deles no km 146 no sentido Rio de Janeiro, pelo Dia Nacional de Mobiliza��o contra a Reforma da Previd�ncia e Reforma Trabalhista.
Protestos do Sindicato dos Metal�rgicos na regi�o de S�o Jos� dos Campos (SP)

"Que isso vai gerar um enfraquecimento � certo, porque v�o perder receita. Os dados que representam o resultado de todos os sindicatos s�o na casa de bilh�es, e a cobran�a era antidemocr�tica. O problema � que v�o fazer essa mudan�a ao mesmo tempo em que exigem novas responsabilidades", diz Jorge Boucinhas, da FGV.

Para o professor, com pouco dinheiro, � prov�vel que os movimentos sucubam �s vontades patronais a fim de ganhar remunera��o por meio de acordos e conven��es coletivas - a chamada contribui��o assistencial.

"Eles v�o correr atr�s de outras formas de se manter."

Reformas para tornar os sindicatos mais representativos e transparentes seriam mais adequadas, pondera o diretor t�cnico do Dieese. Ele menciona que discuss�es sobre o assunto v�m acontecendo h� anos e foram temas de Proposta de Emenda Constitucional (PECs) que n�o avan�aram.

"Uma transforma��o s�ria consideraria medidas que aumentassem a representatividade, que exigissem a presta��o de contas, a necessidade de uma elei��o democr�tica, com maior participa��o dos trabalhadores. Isso, sim, seria uma moderniza��o do que foi pensando nos anos 1940".

A quest�o da representatividade � chave para o futuro dos sindicatos, j� que eles depender�o das contribui��es volunt�rias.

Simp�tico ao fim da contribui��o, Fernando Peluso, do Insper, prev� que os sindicatos continuar�o atuantes porque a Constitui��o ainda exige sua media��o nas negocia��es.

Para Peluso, se uma entidade cumprir seu papel de defender os interesses dos trabalhadores, ela continuar� recebendo aportes da mesma forma. Cita categorias como metal�rgicos e banc�rios, que t�m presen�a forte na luta por direitos.

"� o que existe no sistema moderno mundo afora: o sindicato vai arrecadar por escolha do pr�prio trabalhador. Se ele briga por meus interesses, tenho vontade de ajud�-lo. Se n�o me representa, porque vou apoi�-lo financeiramente?", questiona.

Ele argumenta que a obriga��o de contribuir era "perversa" e jogava todas as organiza��es em uma "vala comum", onde quem atuava para proteger os trabalhadores ganhava a mesma coisa que quem n�o agia.

"Muitos t�m sustentado que o sistema vai acabar, mas isso � trabalho de futurologia. A partir de agora, ou o sindicato vai agir ou dificilmente vai ter recursos."

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