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"Meu trabalho � transformar minha vida em hist�rias", diz Jonathan Franzen

Jonathan Franzen, o grande romancista americano, est� chateado com Madonna, a rainha do pop mundial. Ela n�o sabe disso, pois nunca se encontraram pessoalmente. S� o que Franzen pode fazer � ficar de longe, atr�s de seus bin�culos, espreitando qualquer movimento no jardim da cantora. E ele faz isso todo dia.

Essa estranha hist�ria de persegui��o come�ou de forma inocente, h� 11 anos, quando o escritor abalou a cr�tica norte-americana ao publicar "As Corre��es" (2001).
O livro resgatava um tipo de romance h� muito esquecido na boa literatura do pa�s e que pode ser descrito como "twisted relationships" (algo como "relacionamentos confusos", em tradu��o livre). S�o romances familiares em que os irm�os, pais, maridos, esposas e filhos estabelecem rela��es nas quais amor e �dio se confundem, o respeito e o esc�rnio disputam espa�o, viol�ncia e desejo parecem os mesmos.

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O que ele fez, enfim, foi seguir uma linhagem que comporta de Mark Twain (1835-1910) a William Faulkner (1897-1962), de Henry James (1843-1916) a John Steinbeck (1902-1968). E, ent�o, em 2010, nove anos depois de "As Corre��es", lan�ou "Liberdade", com o mesmo tipo de hist�rias, consolidando sua ambi��o ao lado dos grandes.

Sebastian Lucrecio/Divulga��o
Romancista americano Jonathan Franzen � um dos destaques da Flip 2012
Romancista americano Jonathan Franzen � um dos destaques da Flip 2012

Em seguida, em 23 de agosto de 2010, a revista mais influente do mundo, a norte-americana "Time", rendeu-se. Ap�s um recesso de dez anos (520 edi��es!) sem escritores na capa, a publica��o estampou o caipira de Illinois, crescido em Saint Louis, dentro da cl�ssica moldura vermelha. N�o s� isso, o t�tulo de capa era "Great American Novelist" (grande romancista americano).

� o tipo de frase que, publicada nacionalmente, muda a vida de qualquer um. "� um meio invejoso esse. H� muito ressentimento...", diz Franzen, 52, � Serafina, sem conseguir disfar�ar que, na verdade, sente-se bastante � vontade com esse seu novo aposto.

Sentado na mesa de jantar de seu apartamento, em Nova York, em que vive com a namorada tamb�m romancista, Kathryn Chetkovich, e onde todos devem entrar de meias, ele cita seus modelos para chegar no cume: O grande favorito � o escritor austro-h�ngaro Franz Kafka (1883-1924), autor de "A Metamorfose" (1915).

S�o s� os cl�ssicos: "Goethe, Stendhal, Proust, Balzac, Thomas Mann". "E Nietzsche, Freud, Karl Kraus. Entre os autores de l�ngua inglesa, n�o posso esquecer de Conrad, Faulkner, Scott Fitzgerald e Nabokov", completa.

Estamos no ar rarefeito das mentes musculosas, para dizer o m�nimo.

TIJOLOS

"Liberdade", um livr�o de 600 p�ginas -assim como "As Corre��es"-, acompanha por d�cadas um tri�ngulo amoroso entre um nerd, sua mulher e um m�sico, que se conheceram na universidade, no fim dos anos 1970. A hist�ria � quase toda escrita por ela, j� m�e, em forma de autobiografia. Todos s�o devidamente loucos e normais por natureza, com seus problemas, encana��es, arrependimentos, sonhos e alguma esperan�a.

J� "As Corre��es" versa sobre um casal do interior e seus tr�s filhos da cidade no momento em que o pai come�a a sentir os primeiros efeitos do mal de Parkinson, uma experi�ncia dolorosa vivida pelo pr�prio Franzen com seu pai.

"Meu trabalho � encontrar uma forma de transformar minha vida em hist�rias. Mas muito pouco do que acontece comigo est� nos livros, talvez umas 20 ou 40 p�ginas em cada. Mesmo assim, s�o minhas hist�rias, em pontos diferentes da minha vida", afirma o autor. "Meus pais est�o em 'As Corre��es'. Eles morreram em 1995 e 1999, o que me liberou para escrever. Meu pai teve Parkinson e eu n�o tive que pesquisar, bastou viver com ele."

� nesse ponto que o romancista estabelece a liga��o entre sua vida e sua literatura, ligada � cl�ssica biblioteca norte-americana e mundial. "Ver a mente de meu pai se destro�ando me deixou muito ciente de mim mesmo. Tirei de Kafka o desejo de rasgar a superf�cie da vida e chegar em sua ess�ncia. E isso n�o se faz simplesmente com formatos, mas com personagens e hist�rias."

DE OLHOS BEM ABERTOS

Jonathan Franzen tem dois v�cios claros. O primeiro � o hobby que descobriu h� alguns anos: a observa��o de aves. "Estava caminhando no Central Park com minha irm� e o marido dela, e eu, que andava por ali havia dez anos, j� tinha visto uns tr�s tipos de p�ssaro. E, naquele dia, meu cunhado ornit�logo me mostrou umas 50 esp�cies diferentes."

"Eu achava que conhecia o mundo. E eis que surge uma nova dimens�o da qual eu n�o eu tinha ideia. Foi uma revela��o, foi como um adolescente que, de repente, descobre o sexo." Logo se tornou uma paix�o. Em sua passagem pela Flip, em julho, o norte-americano pretende esticar por "uma semana ou nove dias no Pantanal e no sul da Bahia, observando p�ssaros".

O outro v�cio s�o os seriados de TV. Ele anuncia, durante a entrevista, que est� escrevendo uma miniss�rie com 40 horas, o que equivale a mais ou menos o tempo de 20 longas-metragens. Trata-se de uma adapta��o de "As Corre��es" para a TV, na verdade, uma grande expans�o do livro, j� que ele calcula que o original seria suficiente apenas para metade desse tempo. "Estou criando cenas para Gary Lambert (um dos filhos da cidade) aos 20 anos, e, no livro, ele j� est� na meia-idade", diz.

O seriado, da HBO, est� programado para 2014, mas o piloto j� est� na sala de edi��o. O diretor � Noah Baumbach, 42, autor de um cl�ssico moderno de "twisted relationships", o longa "A Lula e a Baleia", de 2005. E o grande romancista americano j� ensaia uma s�rie de explica��es sobre a adequa��o de sua obra para outro suporte.

"Os seriados viraram primos dos romances. Grandes hist�rias sociais, como eram feitas no s�culo 19, s� existem agora na TV", afirma. "Em Balzac, personagens de um livro aparecem em outro, voc� acompanha uma hist�ria sendo contada por v�rios anos ou d�cadas, h� descri��es de 20 ou 30 p�ginas sobre uma mina, sobre um a�ougue", lembra. "A fotografia matou as descri��es detalhadas, depois a TV ajudou a matar o romance social. Mas, de repente, ei-los de novo em formato de seriados."

O pensamento continua: "Eu poderia aprender muita coisa sobre metanfetamina na Wikipedia ou em outros sites. Mas � muito mais prazeroso assistir a 'Breaking Bad'", diz ele, referindo-se a um seriado em que um professor de qu�mica come�a a produzir a droga para pagar um tratamento de c�ncer (exibido no Brasil pela AXN). "J� vai come�ar a quinta temporada", empolga-se.

Al�m de "Breaking Bad", � adepto do seriado "Law and Order", ao qual assistia pela TV a cabo. "Agora, comecei tudo de novo, depois que um amigo me deu as 20 temporadas em DVD."
Mas ele � seletivo. "Larguei 'Mad Men' no sexto epis�dio porque n�o estava aprendendo nada. E o �nico epis�dio a que assisti de 'CSI' foi o pior da minha vida!"

INIMIGO P�BLICO

Apesar de sua hist�ria de amor com a TV, foi nesse meio que viveu o maior quiproqu� de sua hist�ria. E sua n�mesis era ningu�m menos que Oprah Winfrey. Todo-poderosa rainha da televis�o americana, ela criou, em 1996, o Clube do Livro da Oprah, em que recomendava um livro por m�s, entre lan�amentos e cl�ssicos.

Dado o poder de formar opini�es da apresentadora, as editoras americanas logo calcularam que, a cada recomenda��o da mulher, 400 mil livros eram imediatamente vendidos. E a obra escolhida por ela, em setembro de 2001, foi "As Corre��es". "O epis�dio que perturbou milh�es", nas palavras do escritor, foi que, ap�s concordar em ser indicado, voltou atr�s e recusou o selo.

S� que isso aconteceu no m�s do 11/9, da queda das Torres G�meas, e o pa�s estava assustado, fragilizado. E muita gente se sentiu desrespeitada quando um ent�o desconhecido desprezou um s�mbolo patri�tico t�o querido como Oprah.

"Virei o inimigo p�blico n�mero dois dos EUA, atr�s de Bin Laden", conta ele. "Houve muita confus�o, me xingaram por escrito. Fui xingado na rua. Sou xingado at� hoje. N�o acho justo", desafabou. "O que queria fazer era atrair os leitores homens para os meus livros. Uma pesquisa indicava que, quando o livro trazia o selo do Clube do Livro da Oprah na capa, era recha�ado pelos maridos, s� as mulheres o liam", explica.

Seja como for, nove anos depois da primeira indica��o, l� estava "Liberdade" com o selo de Oprah novamente. Com a ajuda dela, cada um dos livros vendeu cerca de 1 milh�o nos Estados Unidos e 3 milh�es no resto do mundo.

MADONNA NO JARDIM

Com o dinheiro que ganhou com "As Corre��es", comprou o apartamento em que mora at� hoje, no chiqu�rrimo Upper East Side, na rua 82, entre o Central Park e o rio Hudson. E foi olhando por uma janela que o escritor descobriu, l� embaixo, um jardim vizinho, um tanto mal cuidado e cheio de folhas secas.

E come�ou a observar, de bin�culos, v�rios passarinhos. Logo, havia registrado a presen�a de cerca de 40 esp�cies. "Isso numa zona urbana como essa!", ele quase grita, mal se contendo de tanto prazer ornitol�gico.

Mas a�, Madonna comprou o pr�dio do lado. "E mandou construir um novo andar, limpou o jardim, podaram as �rvores." E os p�ssaros voaram para longe. E s� o que Jonathan Franzen pode fazer � ficar atr�s de seus bin�culos, espreitando qualquer movimento no jardim da cantora. E ele faz isso todo dia.

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