Companhias devem ir além do discurso para promover equidade

Sem mudança da porta para dentro, empresas caem na chamada diversidade de fachada, afirma consultora

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São Paulo

Empresas interessadas em promover a equidade racial precisam ir além do discurso e criar estratégias consistentes de contratação, retenção e desenvolvimento de mulheres negras, que representam 29% da população do país, mas ocupam apenas 3% dos cargos de liderança.

Essa foi uma das conclusões da segunda mesa do seminário Inclusão e Equidade Racial nas Empresas, realizado pela Folha com patrocínio da Vale.

Os dados são do Censo Multissetorial de 2022 da Gestão Kairós, consultoria especializada em sustentabilidade e diversidade, que ouviu 26,6 mil profissionais de empresas consideradas referência em diversidade e inclusão que forneceram informações.

Da esquerda para a direita, Daniele Mattos, Graziela Bonfim, Flavia Lima (mediadora), Kátia Regis e Liliane Rocha durante debate sobre a presença das mulheres negras na alta liderança das empresas
Da esquerda para a direita, Daniele Mattos, Graziela Bonfim, Flavia Lima (mediadora), Kátia Regis e Liliane Rocha durante debate sobre a presença das mulheres negras na alta liderança das empresas - Lucas Seixas - 7.nov.23/Folhapress

Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Kairós, houve avanços no debate sobre desigualdade racial, acompanhados de uma falsa sensação de transformação estrutural.

"Diante de tantas marcas que falam de diversidade e inclusão, pensamos que a coisa está ótima. Mas não, o que acontece na maioria das vezes é que as empresas têm produzido serviços, produtos e uma comunicação enfática, mas sem mudar da porta para dentro", disse ela, que definiu a estratégia como "diversity washing" (algo como diversidade de fachada).

Para ela, as mudanças devem passar por valorização da área voltada à diversidade dentro do ambiente corporativo, que precisa incorporar ferramentas de gestão já existentes em outros setores, como metas, indicadores e acompanhamento.

"Quando falamos em diversidade, é como se virasse um tema do coração, dos voluntários que trabalham em horas vagas. Mas a empresa tem que aportar pessoas, processos e dinheiro."

A enfermeira Graziela Bonfim, coordenadora de produtividade de pessoas do Hospital Albert Einstein, teve uma boa experiência. Ela participou do programa Sankofa, um grupo de formação de lideranças voltado para mulheres negras da instituição.

"Exploramos muito nossa ancestralidade para nos fortalecermos e conseguirmos trabalhar competências para desenvolver liderança."

Segundo o último relatório de sustentabilidade do Einstein, pessoas pretas e pardas eram 42% dos quase 20 mil colaboradores em 2022. Desses, 74% ocupavam funções de nível técnico ou operacional e apenas 4,3% eram gerentes, coordenadores ou médicos.

Daniele Mattos, cofundadora e sócia da Indique Uma Preta, consultoria que conecta a comunidade negra ao mercado de trabalho, defendeu uma mudança de mentalidade. Segundo ela, é preciso que o repertório de pessoas negras seja considerado válido nos processos seletivos, que muitas vezes esperam por trabalhadores brancos com uma formação que não condiz com a realidade da população.

"Não é esse o caminho. As empresas também precisam se desenvolver para pensar em novas oportunidades de contratação e diferentes formas de medir desempenho e a formação de pessoas."

Exigir fluência em inglês como pré-requisito para candidaturas é um exemplo. Ela sugere que as empresas incluam no pacote de benefícios um curso de língua estrangeira para que a pessoa se desenvolva enquanto entra no mercado.

"Não é excluir isso do escopo de trabalho, porque a gente entende que é necessário, mas sim trazer uma nova forma de adaptação."

Mattos acrescentou que é importante furar as bolhas em que circulam os anúncios das melhores vagas, que seguem muito restritos a círculos de faculdades e pós-graduações.

O painel, que teve mediação de Flavia Lima, secretária-assistente de Redação e editora de Diversidade da Folha, também contou com Kátia Evangelista Regis, coordenadora-geral de justiça racial e combate ao racismo do Ministério da Igualdade Racial.

Para ela, o caminho até a igualdade passa sempre pelas práticas de ensino, que precisam ser revistas. "Nossos estudantes e nossas estudantes têm acesso a uma única perspectiva da história, que é dominada por valores de uma lógica ocidental", afirmou.

Docente da licenciatura interdisciplinar em estudos africanos e afro-brasileiros na UFMA (Universidade Federal do Maranhão), Regis argumentou que o processo formativo precisa abrir espaço para o continente africano.

"É importante ter um olhar dialógico para que possamos compreender questões atuais em ambientes tão diversos. Precisamos saber o que as universidades e escolas de diferentes regiões do continente africano estão pesquisando e ensinando."

Uma das frentes de atuação da coordenação sob a chefia dela é justamente formular possibilidades de combate ao racismo de modo intersetorial e transversal, por meio de cooperações com o chamado Sul Global, por exemplo.

Sobre uma participação interracial nesse combate, as participantes debateram a importância de pessoas brancas reconhecerem seus privilégios e assumirem a responsabilidade sobre eles.

Para Mattos, é comum ver líderes de empresas que contratam consultorias ou pessoas negras para encabeçar a discussão, sob o argumento de que não querem se envolver pois desconhecem o assunto.

A presença de pessoas brancas dentro de uma organização, disse, pode contribuir para o racismo, "não porque são voluntariamente racistas, mas porque participam de uma estrutura que traz disparidade e privilegia pessoas brancas".

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