Vov� dos passarinhos procura pica-paus em �reas verdes de S�o Paulo

Diz uma antiga lenda ind�gena que o pica-pau �, na verdade, um poderoso feiticeiro. Com seus poderes m�gicos, ele pula de �rvore em �rvore para verificar se elas est�o saud�veis e, assim, proteger a floresta.

Se o p�ssaro � realmente um bruxo, isso � assunto para as matas. Mas parece que Johan Dalgas Frisch foi enfeiti�ado por ele em plena S�o Paulo. Faz tr�s anos que o filho de um imigrante dinamarqu�s sai diariamente para procurar e observar a esp�cie que bate bico e cutuca troncos pr�ximos � sua casa, na fronteira entre Cidade Jardim e Morumbi, zona oeste da capital.

Antes das 10h, Dalgas j� est� na rua. Aos 88 anos, um dos principais especialistas em aves do pa�s veste chap�u, jaqueta e cal�a camuflados do Ex�rcito americano. "Ganhei nos anos 1970 de um coronel que lutou no Vietn�", conta. Nas m�os, carrega uma c�mera de v�deo, mam�o e �gua.

Ao atravessar a pra�a onde vive, cumprimenta o vigilante, faz carinho na cabe�a de dois cachorros e para em frente �s grades que cercam a Reserva Biol�gica do Morumbi, �rea de prote��o com 15.600 m� que preserva mata atl�ntica fechada e � vinculada ao parque municipal Alfredo Volpi.

Na aus�ncia de um port�o pr�ximo, ele sobe em uma escada de alum�nio e utiliza outra na horizontal como ponte, at� que as botas na altura da canela pisam em terra firme. � ent�o que S�o Paulo desaparece como em um passe de m�gica.

Ali dentro n�o h� caminh�es buzinando, pr�dios com varandas gourmet, santinhos de candidatos. H� s� uma cortina verde que preserva orqu�deas, p�s de canela, trepadeiras, jequitib�s e plantas que abrigam moradores locais -tucanos, cigarras, pregui�as, saguis, gavi�es e, � claro, pica-paus.

Para encontr�-los, Dalgas posiciona em um suporte o mam�o cortado que trouxe de casa. Ao lado, derrama �gua em uma vasilha que vira uma banheira. Depois, � s� ligar a c�mera e esperar. Esperar. Esperar.

A paci�ncia surgiu ainda dos anos 1950, quando viajou pela primeira vez ao Pantanal para observar p�ssaros. Seguiu na d�cada seguinte, em uma visita ao Acre, onde se tornou a primeira pessoa a gravar os sete cantos do uirapuru. E seguiu firme, como na milit�ncia pela cria��o do parque nacional Montanhas do Tumucumaque, na fronteira do Amap� com Guiana Francesa e Suriname.

Mesmo com a tranquilidade de J�, n�o � f�cil aguardar os caprichos do pica-pau. Assim que o mam�o d� sopa, s�o os sabi�s e os bem-te-vis que aproveitam para dar uma bicada no banquete. � s� depois de muito ch� de cadeira, j� na hora do almo�o, que o tal feiticeiro das matas resolve mostrar as penas e colocar as patinhas de fora.

S�o duas as esp�cies. O pica-pau-de-topete-vermelho � o mais pr�ximo do desenho animado, com cabe�a escarlate e bico fino. J� o pica-pau-de-cabe�a-amarela exibe topete louro e asas em um mosaico preto e branco, como se fosse a capa de um mago.

Em ambos os casos, o animal colorido n�o perde tempo no mam�o e aproveita para dar um pulo na vasilha com �gua. Mas nunca de corpo inteiro: ele s� molha a cauda -ou, tecnicamente, as retrizes, como s�o chamadas as penas da parte de tr�s.

Dalgas primeiro achou estranho o "banho de gato". Mas, ao analisar o v�deo com calma, acabou descobrindo um dos truques dessa esp�cie. "O pica-pau usa as retrizes como uma terceira perna, para conseguir se equilibrar e se fixar nos troncos", diz.

O problema surge quando as �rvores produzem seivas que grudam nas penas e fazem com que a ave n�o consiga mais se prender � madeira. "Isso prejudica a alimenta��o e a produ��o dos ninhos." Por isso a cauda (e s� ela) � lavada com frequ�ncia, revela.

Como um ilusionista que teve um truque exposto por seu observador, o p�ssaro m�gico voa em retirada. Fora da reserva, voltam os caminh�es, os pr�dios, os santinhos de pol�ticos. Cai a cortina verde.

Luciano Veronezi

Pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos)

  • Tamanho: 31 a 38 cm
  • Peso: 181 a 284 g
  • Alimenta��o: Larvas de insetos; frutos
  • Onde encontrar: Por todo o Brasil e na regi�o da Am�rica Latina que vai do Panam� ao norte da Argentina

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Luciano Veronezi

Pica-pau-de-cabe�a-amarela (Celeus flavescens)

  • Tamanho: 27 a 30 cm
  • Peso: 110 a 165 g
  • Alimenta��o: Insetos, e suas larvas e ovos, escondidos nas �rvores ou no solo; frutos
  • Onde encontrar: Da Bahia ao Rio Grande do Sul e em algumas �reas do Paraguai e da Argentina

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P�ssaros da capital

Dalgas calcula que cerca de 8 milh�es de aves batem asas por S�o Paulo (a cidade tem cerca de 12 milh�es de humanos).

"O sabi�-laranjeira e o bem-te-vi se adaptaram bem � capital por causa da alimenta��o variada", diz Luiz Fernando de Andrade Figueiredo, um dos fundadores do CEO (Centro de Estudos Ornitol�gicos), que existe h� 34 anos e conta com aproximadamente 60 membros de todo o Brasil.

Ele acredita que o n�mero de p�ssaros pode aumentar ainda mais, devido ao crescimento das �reas verdes na capital e de pessoas que alimentam as aves e � aus�ncia de predadores nos grandes centros –com exce��o do gato dom�stico.

Muitas das esp�cies s�o ouvidas cantando nesta �poca do ano porque � per�odo de reprodu��o. At� o ver�o, machos estar�o por a� gastando o gog� para marcar territ�rio, atrair f�meas e ensinar a cantoria aos filhotes.

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