Deputados usam 'emenda Pix' para turbinar prefeituras de parentes

Verba chega rapidamente aos cofres de prefeitos e não exige projeto para ser usada

Brasília

Deputados federais turbinaram caixas de prefeituras comandadas por parentes com o envio de transferências especiais, uma modalidade de repasse conhecida como emenda Pix justamente pela facilidade de injetar o dinheiro no caixa de aliados.

Esse tipo de transferência soma cerca de R$ 4,4 bilhões neste ano eleitoral de 2024 e é direcionada principalmente às prefeituras. A emenda tem baixa transparência, pois não é necessário apontar em que área a verba será aplicada.

Na prática, o recurso serve para reforçar os cofres municipais com uma espécie de cheque em branco.

Mulher posa em frente à retroescavadeira em dia de sol
A deputada federal Meire Serafim (União Brasil) entrega neste ano maquinário comprado para a Prefeitura de Sena Madureira, (AC) cidade governada pelo marido, Mazinho Serafim - Reprodução dep.meireserafim no Instagram

Mais de R$ 10,8 milhões em emendas do deputado Adail Filho (Republicanos-AM) pagas pelo governo Lula (PT), por exemplo, foram direcionadas a Coari (363 km de Manaus). O congressista foi prefeito do município, mas teve o mandato cassado em 2021.

O atual prefeito da cidade é Keitton Pinheiro, sobrinho do deputado. Já Adail Pinheiro, pai do parlamentar, deve ser o próximo candidato do mesmo grupo político a prefeito de Coari.

O município ainda recebeu repasses menores de outros parlamentares, somando R$ 33 milhões em emendas Pix. O valor é próximo a todo o recurso previsto para investimentos na Lei Orçamentária de Coari.

A cidade foi o segundo principal destino dessa modalidade de emenda, segundo dados de pagamentos feitos até 4 de julho.

Em nota, Adail disse que destinou emendas a mais de 30 municípios. "As emendas de transferências especiais representam apenas uma pequena parte do total de emendas a que cada parlamentar tem direito, e em todas as outras, diversos municípios tiveram seus pleitos atendidos", afirmou o deputado.

Macapá (AP) é a principal beneficiada com as emendas Pix, com R$ 44,3 milhões repassados antes das eleições. Apenas o senador Lucas Barreto (PSD), aliado do prefeito Dr. Furlan (MDB), que busca a reeleição, encaminhou R$ 17,2 milhões para a cidade.

A Folha procurou o senador, mas não houve resposta.

A Prefeitura de Sena Madeira (AC), comandada por Mazinho Serafim (União Brasil), recebeu R$ 18,5 milhões, sendo que R$ 10,8 milhões das emendas Pix foram repassados por Meire Serafim (União Brasil), esposa do chefe do Executivo.

A deputada afirmou que foi eleita com forte votação no município. Também disse, por meio de assessoria, que o envio da verba não tem relação com o marido.

O deputado Elmar Nascimento, líder da União Brasil na Câmara, enviou cerca de R$ 10 milhões a Campo Formoso (BA), cidade governada pelo irmão, Elmo Nascimento, que vai disputar a reeleição.

Antes de ser eleito, Elmo foi superintendente da estatal Codevasf (Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), quando direcionou equipamentos para o mesmo município.

Elmar diz que seu mandato representa municípios da Bahia e que Campo Formoso é sua cidade natal e é responsável por suas maiores votações.

Tucuruí (PA), recebeu cerca de R$ 9,5 milhões na emenda Pix. Toda a verba foi repassada por Andreia Siqueira (MDB), esposa de Alexandre Siqueira (MDB), prefeito da cidade. Procurada, a deputada federal não se manifestou.

O deputado Domingos Neto (PSD) enviou R$ 10 milhões a Tauá (CE), comandada por sua mãe, Patrícia Aguiar (PSD), que busca a reeleição.

O município já havia sido um dos principais beneficiados com as emendas de relator sob Jair Bolsonaro (PL), principalmente em 2021, que teve a Lei Orçamentária relatada por Neto. Procurado, também não se manifestou.

Cobrado pelo Congresso Nacional, o governo correu nesta semana para ultrapassar os R$ 22 bilhões em emendas pagas em 2024 –cifra que corresponde a cerca de 42% do total de verbas individuais, das bancadas estaduais e de comissão disponíveis no Orçamento.

A pressa se deve a travas que a Justiça Eleitoral impõe aos repasses da União nos três meses que antecedem as eleições. Agora, os pagamentos de emendas ficam restritos a casos como obras já em andamento.

A maior parte da verba de emenda (R$ 18,5 bilhões) será transferida diretamente aos cofres dos municípios, principalmente para as ações da área da saúde.

A influência da emenda Pix, que é uma modalidade de emenda individual, cresceu neste ano eleitoral. São ao menos R$ 4,4 bilhões distribuídos dessa forma em 2024, contra R$ 1,5 bilhão pagos no ano da última eleição, em 2022.

O valor das emendas parlamentares tem crescido de forma substancial nos últimos anos, muito em razão da combinação do fortalecimento do centrão —o grupo de partidos de centro-direita e de direita que comanda o Congresso— com o fracasso dos últimos governos em formar uma maioria coesa.

Em 2014, as emendas representavam cerca de R$ 10 bilhões do Orçamento federal, em valores atualizados. Agora, subiram para mais de R$ 50 bilhões, sendo que boa parte se tornou de execução impositiva —o que reduziu bastante o poder de barganha do Palácio do Planalto.

Coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o advogado Renato Ribeiro de Almeida disse que a injeção das emendas pode potencializar situações de abuso de poder e favorecer candidatos ligados aos comandos dos municípios.

"Já é sempre difícil lutar contra a situação, pois o cargo [de prefeito] já dá uma exposição. Se o sujeito está no cargo e faz uso de recursos para suplementar ainda mais as políticas públicas em curso, aumenta a dificuldade da oposição", disse Almeida.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.