PT de Lula caminha com PL de Bolsonaro para apoiar Republicanos de Tarcísio na Grande SP

Coligação com pré-candidato que votou em Bolsonaro divide esquerda e direita em Francisco Morato

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São Paulo

O PT de Lula se encaminha para estar junto do PL de Jair Bolsonaro no apoio a um candidato do partido de Tarcísio de Freitas na eleição para a Prefeitura de Francisco Morato, cidade na Grande São Paulo.

Ildo Gusmão (Republicanos), que é pastor da Igreja Quadrangular, eleitor de Bolsonaro e atual vice-prefeito, deverá ter como vice o presidente municipal do PT, Chicão Bernabé, num arranjo aprovado pelos petistas no município e avalizado em maio pela cúpula nacional do partido.

O deputado federal Kiko Celeguim (de costas), presidente estadual do PT, com Ildo Gusmão (Republicanos) e Chicão Bernabé (PT), pré-candidatos em chapa conjunta à Prefeitura de Francisco Morato
O presidente estadual do PT, deputado federal Kiko Celeguim (de costas), com Ildo Gusmão (Republicanos) e Chicão Bernabé (PT), pré-candidatos em chapa conjunta à Prefeitura de Francisco Morato - Facebook/Chicão Bernabé

A mistura inusitada está agitando a cidade, com debandada de insatisfeitos tanto no petismo quanto no bolsonarismo, memes que associam Gusmão e Bernabé às expressões "cara de pau" e "mil e uma faces" e contestação formal da aliança no diretório nacional do PT.

"Aqui o que importa são mais as pessoas e menos as siglas", diz Gusmão à Folha. Lançado na carreira política pela igreja, ele foi eleito vereador pelo PSDB em 2016 e afirma que, como Morato depende de ajuda dos governos estadual e federal e de deputados, sempre dialogou com todos os lados.

"[Os petistas] nunca foram nossos inimigos aqui. Nossa pauta não é ideológica, é municipalista. A gente não parte para esse âmbito de disputa do que acontece nas áreas estadual e federal, porque não nos ajuda", segue ele, que é apoiado pela atual prefeita, Renata Sene (Republicanos).

O pré-candidato rejeita o rótulo de bolsonarista, mas, questionado, confirma ter votado em Bolsonaro. Ele não fez campanha ostensiva para o ex-presidente em 2022 —mas para Tarcísio, sim. Pessoas próximas, como sua esposa e a pastora que o lidera, foram efusivas no apoio ao adversário de Lula.

Gusmão diz que pretende, se eleito, "governar para todos". Em seu mandato na Câmara, ele militou contra o aborto e a chamada "ideologia de gênero" e fez um evento com apoio de Damares Alves, ex-ministra de Bolsonaro, hoje senadora e sua colega de partido, contra o abuso sexual de crianças.

No Instagram, o pré-candidato segue Bolsonaro e vários outros políticos de direita —mas não Lula. Há relatos de que a associação com o PT gera incômodo em sua igreja.

Entre petistas que concordam com a dobradinha, a lembrança de que o Republicanos é o partido de Tarcísio, tratado como adversário por Lula por ser cotado como nome bolsonarista para a eleição de 2026, é rebatida com a informação de que a legenda tem um ministro no governo federal.

Há ainda os argumentos de que o PT já faz parte da base de Renata na Câmara Municipal e terá protagonismo ao ocupar a vice. A legenda, historicamente, obtém votações expressivas na cidade em eleições gerais, como ocorreu em 2022, com Lula superando Bolsonaro no município.

O PT apoiou Renata em 2020, em coligação que reunia também PL, PSL (pelo qual Bolsonaro se elegeu) e PSDB, entre outros. Nos planos para a eleição deste ano, o arco partidário inclui as legendas federadas ao PT (PC do B e PV) e ao PSDB (Cidadania), além de PSB, PSD e Solidariedade.

Aprovada em 2023 com unanimidade pelo diretório municipal, a aliança foi articulada pelo presidente estadual do PT, Kiko Celeguim, que é deputado federal e tem base eleitoral na região —ele foi prefeito da vizinha Franco da Rocha por dois mandatos.

"Em Morato não existe extrema direita estabelecida, organizada", diz Celeguim. "O que estamos construindo com o Ildo é apoiar a agenda da cidade. Se fosse um candidato engajado nas pautas bolsonaristas, ele nem buscaria o apoio do PT. Não dá para criminalizar ou condenar alguém por ter votado no Bolsonaro. Nossa tarefa é convencer as pessoas agora de que é melhor votar na gente", ameniza.

A coligação suscita controvérsias no PT porque o partido definiu que neste ano vetaria o apoio a candidatos bolsonaristas e condicionaria as alianças ao comprometimento com o projeto nacional da sigla para 2026, que hoje seria a reeleição de Lula.

O senador Humberto Costa (PE), que coordena o grupo de trabalho eleitoral da legenda, afirma que "em tese" o alinhamento com os planos de Lula é pré-requisito, mas as circunstâncias podem variar. Gusmão disse que não negociou nenhuma contrapartida.

Na foto do alto, Ildo Gusmão (Republicanos) e Chicão Bernabé (PT), pré-candidatos em chapa conjunta à Prefeitura de Francisco Morato, com a atual prefeita, Renata Sene (Republicanos); na foto de baixo, o deputado federal Kiko Celeguim, presidente estadual do PT, com Chicão Barnabé
Ildo Gusmão (Republicanos) e Chicão Bernabé (PT) com a atual prefeita de Francisco Morato, Renata Sene (Republicanos) - Facebook/Chicão Bernabé

Se parte dos bolsonaristas na cidade se aborreceu com a aproximação com o PT, outra relevou a iniciativa sob a alegação de que o pré-candidato é um legítimo conservador.

"O PL vem motivado pela continuidade de um trabalho que nunca antes houve na cidade e entende que não há nome melhor que o do Ildo", diz o presidente municipal do partido, Jesus Moreno.

Uma das montagens que circulam em grupos de WhatsApp traz a foto da dupla Gusmão e Bernabé diante de um fundo vermelho com a estrela do PT e uma indagação sobre "quem é mais cara de pau". Outra satiriza "as mil e uma faces do pastor", ironizando sua versão "pastor petista".

O bolsonarista Paulo Henrique Xavier da Silva, o Ricão, diz que desembarcou do projeto do Republicanos por discordar da união com o PT.

"Não pegou bem nem para a direita nem para a esquerda", afirma ele, que se refere a Gusmão como traidor e agora está engajado na pré-candidatura de Douglas Cavalcante (MDB). "Também sei de pessoas no PT que não vão apoiar o Ildo."

Cavalcante aponta contradições na chapa rival e diz que fará uma campanha voltada para temas locais, com propostas como a extinção da taxa de lixo cobrada na conta de água.

"Vamos discutir com a população se ela quer a continuidade ou a mudança", afirma o emedebista, que articula uma coligação com PP, PDT, PRD, Podemos, DC e Mobiliza.

A outra pré-candidatura anunciada é a da professora Jaqueline Freire (PSOL). "Ao fazer aliança com partidos de direita você fica suscetível a ter que aceitar decisões contrárias ao povo", diz ela, comentando que tem sido procurada por simpatizantes do PT que não engoliram a composição e querem apoiá-la.

Markus Sokol, representante da corrente O Trabalho no diretório nacional do PT, entrou com um recurso que está previsto para ser analisado no próximo dia 15. Sokol repudia o apoio a um correligionário de Tarcísio e está reunindo fotos que mostram ligações de Gusmão com o bolsonarismo.

"Ele fez um percurso da direita [PSDB] para a extrema direita [Republicanos]", afirma. Nos bastidores, contudo, a chance de recuo da legenda é considerada improvável, por prevalecer o pragmatismo eleitoral.

"Se tivesse a concordância de 100% dos filiados, aí não seria o PT", minimiza Bernabé, dizendo que o diretório em Morato seguiu as recomendações nacionais e está seguro da aliança. "Temos relações muito boas aqui. Estamos preocupados com as questões locais, em discutir a cidade."

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