Em visita ao Hospital das Clínicas no último dia 11, o candidato ao Governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) estava acompanhado da médica bolsonarista Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina.
Na ocasião, no entanto, ele indicou que o ex-deputado e ex-presidente da Associação Médica Brasileira Eleuses Paiva, que integra a equipe do seu programa de governo, ocuparia a Secretaria da Saúde.
O episódio ilustra uma campanha marcada pela controvérsia de apresentar Tarcísio como técnico ao mesmo tempo em que ele abraça o bolsonarismo.
Como Tarcísio lidera a eleição estadual, as perguntas sobre qual será o perfil de sua eventual gestão e a influência do presidente Jair Bolsonaro (PL) têm mobilizado adversários e aliados.
A campanha do rival, Fernando Haddad (PT), explora o cenário de uma gestão bolsonarista ao afirmar que Tarcísio é pau-mandado do presidente, que compactua com o negacionismo, e ao apontar risco para as universidades públicas estaduais, o Instituto Butantan e a segurança pública.
Tarcísio tem dado sinais para ambos os lados ao longo da campanha.
Ao mesmo tempo em que é cercado por políticos profissionais e com experiência na gestão pública, como Gilberto Kassab (PSD) e Guilherme Afif (PSD), tem a companhia de aliados ideológicos como Frederico D’Avila (PL), Otávio Fakhoury (PTB), Filipe Sabará (Republicanos) e Douglas Garcia (Republicanos).
No debate da TV Cultura, em 13 de setembro, Douglas, que era convidado de Tarcísio, hostilizou a jornalista Vera Magalhães. O candidato repudiou o ataque.
A ideia de anunciar nomes do seu eventual secretariado é uma espécie de vacina contra a associação feita entre Tarcísio e o bolsonarismo —algo que pode afastar eleitores moderados.
"Tarcísio de Freitas gosta de se vender como técnico, mas carrega o pior do fanatismo bolsonarista. Ele quer importar para São Paulo o pensamento anticiência, antivacina e antieducação do seu chefe", escreveu Haddad ao postar a foto de Tarcísio e Nise.
Questionado sobre a conveniência de apresentar um secretariado antes de vencer, Tarcísio afirmou que "na verdade, [sua fala] é muito mais no sentido de mostrar que o perfil vai ser técnico".
Sua referência, porém, é ao ministério técnico de Bolsonaro, que incluiu militantes e expeliu aqueles que não seguiram a cartilha ideológica.
Tarcísio tem sinalizado que Afif deve compor seu secretariado, além do economista Samuel Kinoshita e Rafael Benini, que foi diretor da Artesp. A deputada federal Rosana Valle (PL-SP) foi citada como uma possibilidade para a Secretaria de Mulheres.
Em temas de saúde, o candidato tem sido assessorado pelo pecuarista Henrique Prata, presidente do Hospital do Amor (antigo Hospital do Câncer de Barretos), que se aliou a Bolsonaro na pandemia.
Apesar de afastar a possibilidade de que Nise ou Eduardo Cunha (PTB-SP), que esteve no seu palanque na convenção, venham a assumir cargos, o postulante se comprometeu com pautas bolsonaristas na campanha.
Ele critica o uso das câmeras nos uniformes de policiais em um aceno à base bolsonarista ligada à segurança pública. Como a medida diminuiu a letalidade policial, a visão de Tarcísio tem sido chamada de negacionista por Haddad.
Tarcísio disse ainda, em sabatina realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em agosto, que acabaria com a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 para servidores estaduais. "Não tem que ter obrigatoriedade. Eu exerci a minha liberdade e tomei, mas ninguém tem que ser obrigado a tomar."
O candidato do Republicanos tem defendido pautas conservadoras que fogem da alçada de um governador, como redução da maioridade penal e fim das saídas temporárias de presos. Também diz ser contra o aborto.
Tarcísio e Bolsonaro se alinham também na religião. O ex-ministro tem acompanhado o presidente em cultos evangélicos, nos quais exalta o fato de o mandatário ter "levado a igreja para dentro do Palácio do Planalto".
Em entrevista ao canal do YouTube Talk Churras, Tarcísio foi questionado se, caso eleito, trará "esse lado mais ideológico" de Bolsonaro para o estado. Ele respondeu que deve muito ao presidente por ter chefiado o Ministério da Infraestrutura e virado candidato a governador.
"O presidente é um, e eu sou outro, e eu nunca vou ser igual ao presidente. Até porque ele é inimitável, ele é mito, né? Ele é mito mesmo. Eu não, eu não sou ninguém", respondeu, antes de dizer que sua linha na gestão pública "é a pragmática".
Para exemplificar, Tarcísio afirmou na entrevista ser contra a chamada "ideologia de gênero" nas escolas por uma razão objetiva: a de que os estudantes devem ter formação voltada ao mercado de trabalho.
A campanha de Haddad levou ao ar uma das falas em que Tarcísio deixou à mostra sua porção mais ideológica em detrimento do rótulo de técnico. No vídeo, o candidato do Republicanos diz que "ia seguir a mesma linha" de Bolsonaro se fosse governador durante a pandemia.
Sob o slogan "Bolsonaro e Tarcísio, aqui não", a campanha petista prega a mensagem de que o bolsonarista é incompetente e subserviente —um "candidato omisso" que "apoia as maldades" do presidente.
Um dos vídeos mostra Tarcísio, ao lado de Bolsonaro numa live, rindo de fala sobre o aumento de suicídios na pandemia. Hoje, o candidato diz que depressão é coisa séria e que as risadas não eram uma comemoração, mas uma ironia porque o presidente havia alertado sobre isso.
O site Brasil de Fato listou outras lives em que Tarcísio ri com Bolsonaro –numa delas, o presidente pergunta se ele tem "parentes pau de arara" e em outra faz piada de duplo sentido com a palavra ovo.
"São Paulo não é negacionista, defende vacina, ciência, arma na mão da polícia, não da milícia", disse Haddad em programa na TV. No debate da Band, no último dia 10, o petista perguntou ao rival se ele importaria o orçamento secreto ou os sigilos de 100 anos para São Paulo.
Tarcísio, por outro lado, buscou se distanciar do bolsonarismo em algumas ocasiões, como no episódio do ataque de Douglas a Vera Magalhães. No debate, a cordialidade entre ele e Haddad foi elogiada.
Alvo de fogo amigo no início da campanha por não se alinhar o suficiente a Bolsonaro, ele traçou um plano de defender o legado do governo federal na economia e na infraestrutura, mas sem encampar abertamente a guerra cultural.
Na manifestação do 7 de Setembro, Tarcísio não repetiu ataques à democracia e fez um discurso protocolar exaltando os bandeirantes e personagens da história do estado. Questionado sobre os cartazes antidemocráticos, afirmou: "A gente não tem como controlar isso, mas não é o espírito do movimento".
Colaborou Mariana Zylberkan
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.