Com receio de um aumento ainda maior de sua rejeição e os impactos disso sobre suas chances de reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) escalou integrantes da equipe ministerial e montou gabinete de inteligência na tentativa de blindar a gestão federal na CPI da Covid no Senado.
Apesar de repetir em público que não se preocupa com a instalação da comissão, Bolsonaro tem manifestado, em caráter reservado, irritação com a possibilidade de ser realizada uma devassa em contratos do governo e de que auxiliares presidenciais sejam, posteriormente, investigados pelo Ministério Público.
“Não estou preocupado porque não devemos nada”, afirmou o presidente nesta segunda-feira (26), em agenda em Conceição do Jacuípe (BA). Na semana passada, ele repetiu a mesma afirmação em reunião virtual com empresários.
Ao mesmo tempo, o Planalto quer discrição por parte do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e um dos principais focos da CPI.
Além de nos últimos dias ter atuado pessoalmente no diálogo com senadores independentes, o presidente montou no Palácio do Planalto um gabinete de inteligência cujo objetivo, segundo assessores palacianos, é tanto produzir material para municiar a base aliada como preparar para depoimentos integrantes do governo que forem convocados pela CPI.
O bunker palaciano é coordenado pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, e deve contar com a colaboração de ministros como Marcelo Queiroga (Saúde), Fábio Faria (Comunicações), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral).
Neste final de semana, integrantes do governo já começaram a esboçar a retórica que deve ser adotada pela tropa de choque nos primeiros dias da CPI da Covid. Ao todo, o presidente conta com quatro senadores governistas contra sete que se declaram independentes ou oposicionistas.
A falta de vacinas para imunizar a população foi identificada pelo Palácio do Planalto como uma das primeiras críticas que devem ser exploradas contra o Ministério da Saúde na comissão parlamentar.
Para responder a ela, o discurso elaborado pelo governo é de que a escassez de insumos e imunizantes é um problema mundial, que não afeta apenas o Brasil.
Para tentar contrapor as mudanças recorrentes no calendário de imunização e o atraso permanente na chegada de vacinas, a estratégia será apresentar dados gerais, sobretudo dos países que incluem o G20, para argumentar que o Brasil está na frente de outras nações em números absolutos de imunizados.
Ou seja, utilizar um recorte menos desfavorável no esforço de amenizar as críticas.
Na tentativa de responder à acusação de que foi irresponsável em ter recusado ainda em 2020 três ofertas de compra de vacinas da Pfizer, o argumento elaborado pelo governo é de que não poderiam comprar um imunizante sem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A tropa de choque do Planalto foi instruída a argumentar que adquirir o imunizante sem aval da agência reguladora seria uma irresponsabilidade.
As lentas negociações com a farmacêutica americana são consideradas pelo Planalto como um potencial flanco de pressão.
O governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da Pfizer que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro de 2021. Do total, 3 milhões estavam previstos até fevereiro. No final, o contrato com a empresa —de 100 milhões de doses— só foi assinado em março.
Além do mais, uma recente entrevista do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten à revista Veja renovou o interesse de oposicionistas sobre as conversas com a Pfizer.
Na entrevista, Wajngarten disse que a compra de vacinas oferecidas pela farmacêutica no ano passado não ocorreu por "incompetência e ineficiência" por parte do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Na semana passada, a Casa Civil enviou para pastas ministeriais uma série de questões que podem ser feitas a integrantes do governo, solicitando sugestões de respostas.
A ideia é elaborar uma cartilha para ser distribuída para senadores e deputados governistas, para que eles defendam o governo tanto em discursos no plenário como em entrevistas a veículos de comunicação.
Segundo assessores presidenciais, o conteúdo também deve ser explorados nas redes sociais do Poder Executivo, para rebater com agilidade eventuais acusações feitas no âmbito da comissão de inquérito.
Nesta terça-feira (27), Bolsonaro fez publicações em seu Twitter sobre o combate à pandemia.
Ele destacou a concessão de autorização de funcionamento concedida pela Anvisa a novos fabricantes de oxigênio medicinal e ressaltou a chegada ao país de um primeiro lote de 1 milhão de doses da vacina da Pfizer.
"A expectativa é que 15,5 milhões de doses cheguem até junho, e o restante até o fim de 2021", escreveu.
A articulação política também solicitou de maneira informal ao Ministério da Saúde que realize um pente-fino nos principais contratos envolvidos no combate à pandemia para afastar eventuais indícios de irregularidades.
Um assessor da Saúde lembra que, durante comissões de inquérito, é comum que servidores públicos que ingressaram em governos passados repassem cópias de contratos para deputados de oposição que possam prejudicar a atual gestão.
Apesar de a CPI da Covid ter sido proposta com o objetivo de investigar o colapso de saúde em Manaus, a aposta do governo federal é de que o assunto seja explorado apenas em um segundo momento.
Segundo relato feito à Folha, nesta segunda-feira (26), um interlocutor do presidente entrou em contato com Eduardo Pazuello. A ligação foi para recomendar que ele evite uma exposição desnecessária antes de ser convocado para prestar depoimento.
Causou irritação no Palácio do Planalto imagem do general da ativa passeando no domingo (25) em um shopping center sem máscara. Ao ser abordado, ele ironizou o uso da proteção. "Onde compra isso?", questionou.
Para membros da cúpula militar, as imagens podem ser interpretadas por integrantes da comissão de inquérito como uma provocação e o melhor, neste momento, é a submersão do militar para evitar comprometer ainda mais a imagem do governo.
Para isso, o presidente avalia acelerar a nomeação de Pazuello para um cargo na Secretaria-Geral da Presidência da República.
O objetivo é mantê-lo sob o controle da Presidência da República e também começar a prepará-lo para um provável depoimento.
Neste primeiro momento, a orientação do presidente tem sido a de defender a condução da crise sanitária pelo ex-ministro, evitando que ataques ao general possam ser usados para desgastar o governo.
Na Esplanada dos Ministérios, no entanto, há auxiliares do governo que não descartam a possibilidade de Bolsonaro abandonar o general caso as acusações contra o militar evoluam para uma investigação contra o próprio presidente. Nesse caso, resume um aliado do governo, Pazuello pode se transformar em um "bode expiatório".
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