O presidente interino Hamilton Mourão disse na manhã desta quarta-feira (30) que o depoimento de um porteiro no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) não tem força para derrubar a atual gestão, mas o general reconheceu que ele atrapalha o andamento do governo.
Segundo reportagem da TV Globo, baseada em depoimento de um porteiro do condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem casa, o ex-policial militar Élcio Queiroz, suspeito de envolvimento na morte, disse na portaria que iria à casa do presidente no dia do crime.
À tarde, contudo, o Ministério Público disse que a versão do porteiro não condiz com os fatos verificados e sugeriu que ele possa ter se enganado ou mentido.
"Não, não dá para derrubar o governo dessa forma, mas que perturba o bom andamento do serviço, como se diz na linguagem militar, perturba", disse Mourão.
Ele ponderou, no entanto, que achou o depoimento "muito fraco" e que não era o caso de ter feito, de acordo com ele, "o escândalo todo que foi feito". Ele saiu em defesa de Bolsonaro e disse que o presidente "reagiu com bastante calma até".
Em transmissão nas redes sociais, no entanto, Bolsonaro, em tom irritado e agressivo, atacou a Rede Globo e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a quem chamou de "inimigo".
"Toda a pessoa que é atingida de forma desleal e quando sabe muito bem que não tem nada a ver com o processo se sente, vamos dizer, se sente triste, se sente enraivecida muitas vezes. Acho que o presidente reagiu com bastante calma até", disse Mourão.
O presidente interino disse acreditar que, apesar de o episódio perturbar o "bom andamento do serviço", não deve atrasar o anúncio de medidas econômicas, como um pacote de estímulo para a geração de emprego e a reformulação do funcionalismo.
"É um assunto que não sustenta um interrogatório normal desse cidadão aí", disse. "Está na mão do estado ainda, do Rio de Janeiro, é um crime cometido lá, não é um crime federal. Agora, tem de ser investigado de forma correta."
O general da reserva ponderou, contudo, que o crime poderia passar para a esfera federal caso se chegue à conclusão de que o inquérito "não está sendo conduzido de forma correta". "Eu acho que o presidente tem toda autoridade para tentar buscar uma defesa dele, de modo que esse cidadão seja ouvido por outras pessoas", afirmou.
No final do dia, após o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmar que a informação do porteiro era falsa, o presidente interino disse que o problema estava resolvido.
"A verdade sempre vai triunfar. Acho que fica melhor para todo mundo", afirmou. "Agora está resolvido o problema, vamos para o próximo", acrescentou.
Em uma estratégia combinada, um grupo de ministros saiu em defesa do presidente e contra a Rede Globo nas redes sociais. O ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, escreveu, por exemplo, que tentam desestabilizar Bolsonaro.
"A Rede Globo sensacionalista ignorou a ética, a honestidade intelectual e os fatos para tentar ligar o presidente ao caso Marielle. Usou, levianamente, o depoimento de um porteiro, com o objetivo de desestabilizar Bolsonaro a qualquer custo", disse.
No mesmo tom, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, escreveu que a reportagem "envergonha a história" do Jornal Nacional em uma reportagem "tendenciosa" e com suspeitas "infundadas".
"Matéria claramente tendenciosa e deturpando fatos e criando suspeitas infundadas. A direção da TV Globo deveria ter mais responsabilidade com sua história", disse.
As emissoras de rádio e TV no Brasil são concessões públicas. A da TV Globo vence em 2023. A concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas (artigo 223 da Constituição).
A concessão vence em 15 de abril de 2023. Segundo lei aprovada pelo governo Temer, no entanto, o presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja, em abril de 2022, no início do último ano do mandato de Bolsonaro.
GLOBO LAMENTA DECLARAÇÕES
Em nota na noite desta terça-feira, a Globo afirmou que lamenta que o presidente demonstre "não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão".
Disse que "não fez patifaria nem canalhice" e que a mera citação do nome do presidente leva o Supremo a analisar a situação.
"[A reportagem] ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações. O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime."
Sobre as declarações de Bolsonaro de que renovará em 2022 a concessão se o processo estiver "enxuto", a Globo disse que não poderia esperar do presidente outra atitude. "Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações."
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