Sob ataque desde que partidos abriram processos para punir deputados desobedientes na reforma da Previdência, movimentos que pregam renovação política articulam uma ofensiva para defender sua atuação e forçar a modernização de legendas.
O estopim para a reação foram declarações de Ciro Gomes, o principal líder do PDT, que ao apoiar a saída da correligionária Tabata Amaral passou a dizer que ela faz dupla militância e pertence a um "partido clandestino", em alusão ao Acredito, organização que a jovem ajudou a fundar.
A deputada federal por São Paulo se tornou símbolo do imbróglio que eclodiu durante a votação da Previdência, quando ela e outros parlamentares descumpriram a orientação das siglas de rejeitar o projeto. O PDT registrou 8 defecções em uma bancada de 27.
Outro partido que protagoniza a crise é o PSB, onde 11 dos 32 deputados votaram a favor do texto, em dissonância com a determinação da legenda. Felipe Rigoni (ES), também participante do Acredito, foi um deles. O presidente da sigla, Carlos Siqueira, já se referiu aos infiéis como traidores.
Puxada pelo Acredito e pelo Transparência Partidária, a mobilização dos grupos independentes envolve também os movimentos Agora! (que tem entre os membros o apresentador Luciano Huck, quase presidenciável em 2018) e Livres (de defesa da causa liberal).
A coalizão, mais identificada com o centro do espectro político, sonda agora organizações com um pé na esquerda, caso da Bancada Ativista, do Muitas e do Quero Prévias. A ideia é formar uma frente ampla, com representação de diferentes campos. Pelo menos 15 grupos já foram procurados.
A prioridade será lançar um manifesto em defesa da reformulação dos partidos e da abertura deles a iniciativas da sociedade. Nas conversas, o apelo é para que as legendas deixem de ser "ilhas" e passem a olhar para o que ocorre fora do ambiente formal da política.
O conteúdo do texto foi discutido em reuniões ao longo dos últimos dias, mas a versão final só deve ser divulgada na volta do recesso parlamentar, em agosto.
Os movimentos defenderão que as legendas ampliem a democracia interna e aperfeiçoem mecanismos de participação de filiados, com busca de equidade de gêneros, por exemplo.
Também serão atacados pontos como a perpetuação nos postos de direção e a falta de critérios justos e transparentes para a distribuição de dinheiro de campanha, sobretudo dos fundos públicos de financiamento.
Os idealizadoras da carta têm a preocupação de que o documento seja visto como uma proposta direcionada aos partidos em geral, e não apenas aos que estão envolvidos na pendenga de agora.
O tom geral será o de que as siglas são importantes e necessárias, mas devem se adaptar às novas demandas da população e dos políticos —ou, no jargão dos movimentos, precisam "se reenergizar".
Para os grupos, os processos abertos por PDT e PSB que podem culminar com a expulsão dos deputados insurgentes colocaram à prova o quanto as agremiações estão dispostas a absorver inovações extramuros, caso das iniciativas pró-renovação que floresceram principalmente depois de 2016.
Para entusiastas da oxigenação, a impressão é que, para usar um termo corrente entre eles, as duas legendas não estão tão "porosas" quanto se imaginava.
Como a Folha mostrou, o Acredito considera preocupante que os partidos recuem logo no primeiro impasse, depois de terem aberto as portas para os nomes da nova safra. O grupo assinou um compromisso com PDT e PSB que previa o respeito à identidade do movimento.
As siglas, por sua vez, passaram a colocar em xeque o papel que as organizações desempenham em relação ao sistema partidário tradicional. Houve acusações de que elas podem interferir na atuação dos parlamentares, minando a autoridade das instâncias partidárias e regras internas.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, por exemplo, questionou se Tabata estaria mais disposta na questão da Previdência a seguir a decisão da convenção nacional da legenda ou a "ouvir o Jorge Paulo Lemann", bilionário cuja fundação apoiou a trajetória da deputada.
Em indireta para Lupi, o RenovaBR divulgou nota nesta quarta-feira (17) na qual repudia ataques aos movimentos cívicos e sustenta que "partidos não deveriam ter donos".
"Há partidos políticos que, nos últimos 15 anos, estão sob o comando da mesma pessoa", diz o texto, assinado pelo fundador do Renova, Eduardo Mufarej. Lupi assumiu a presidência do PDT interinamente em 2004 e, com hiatos, está na função até hoje.
No comunicado, Mufarej acrescentou: "Talvez a permanência de um só político na mesma posição de poder por tanto tempo tenha o acostumado a imaginar que os cargos públicos devam ser exercidos pelos mesmos indivíduos sem renovação".
O Renova, que apoiou Tabata com formação e uma bolsa em 2018, não participa da discussão com as demais organizações. O posicionamento de Mufarej, contudo, antecipa uma das medidas práticas que serão propostas: a obrigatoriedade de rotatividade nas cúpulas das siglas, com a fixação de mandatos.
Procurados, os movimentos que estão à frente da articulação dizem que não vão se manifestar oficialmente até que o plano de ação seja concluído.
Houve divergências ao longo do processo sobre o momento ideal para pôr o bloco na rua. A corrente que defendia uma ação imediata para não perder o timing de repercussão do assunto acabou derrotada.
Por ora, a decisão é esperar a volta do Congresso às atividades, já que outro braço da iniciativa se dará no plano parlamentar, com a apresentação de um projeto de lei que englobe propostas do manifesto.
Parte das ideias em discussão foi introduzida em artigo do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) publicado na Folha nesta quarta-feira (17). O parlamentar, que também é membro do Acredito, citou nominalmente Ciro como "a melhor caricatura" de caciques partidários "fiéis a velhos hábitos".
Alessandro pregou o direito de "votar por convicção, e não por conveniência partidária" e afirmou que o respeito à divergência deve prevalecer nos partidos.
Ainda não está definido como o manifesto dos movimentos deve tratar a atuação parlamentar e a questão da fidelidade, mas o grupo deve propor um debate sobre a obrigatoriedade de voto conforme ordem do partido, que desencadeou a atual crise.
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