Marcelo Odebrecht usou seu estilo de neg�cios no 'departamento da propina'
Cicero Rodrigues - 14.abr.2009/World Economic Forum | ||
Marcelo Odebrecht palestra no F�rum Econ�mico Mundial |
O ano de 2006 caminhava para o final quando Marcelo Odebrecht chamou Hilberto Mascarenhas Silva � sua sala no Centro Empresarial Villa Lobos, em S�o Paulo. Tinha a ele uma proposta: montar uma �rea para gerenciar os pagamentos de propina da empreiteira.
H� quatro anos no comando da construtora, Marcelo se preparava para assumir a presid�ncia do grupo e precisava de algu�m de confian�a para a �rea, considerada central nos neg�cios da companhia. Pr�ximo da fam�lia e com 30 anos de firma, Hilberto era o nome ideal.
A profissionaliza��o do setor de propina era, aos olhos de Marcelo, uma necessidade. Desde o in�cio da d�cada, o conglomerado triplicara o faturamento. Para manter o ritmo dali em diante, em sua vis�o, seria preciso pagar muito dinheiro, a muitos pol�ticos, de forma eficiente e segura.
Hilberto cumpriu a miss�o. Montou um setor de propina "padr�o Odebrecht", como se diz dentro da empresa. E a companhia prosperou. As receitas aumentaram de R$ 24 bilh�es em 2006, ano da g�nese do setor, para R$ 132 bilh�es em 2015, quando Marcelo foi preso pela Pol�cia Federal.
Desnudado pela Lava Jato, o esquema de corrup��o empresarial da Odebrecht mostrou-se colossal —o maior j� descoberto no mundo, nas palavras do governo americano. � luz dos depoimentos da c�pula do grupo, revelou-se quase t�o antigo quanto a pr�pria empresa, que cresceu ancorada em contratos p�blicos e no estreito contato com o poder.
Odebrecht - Evolu��o faturamento do grupo (R$ bilh�es)
RUMO AO PODER
A Odebrecht foi fundada em Salvador em 1944 por Norberto Odebrecht, um descendente de alem�es que herdara uma endividada construtora de seu pai. Gra�as � Sudene (Superintend�ncia do Desenvolvimento do Nordeste), criada em 1959 por Jucelino Kubitschek para financiar, sobretudo, obras de infraestrutura na regi�o, expandiu-se Pernambuco.
A expans�o ao Sudeste veio com a ajuda de outra estatal, a Petrobras. No fim dos anos 1960, j� na ditadura militar, a Odebrecht levou o contrato de constru��o da sede da petroleira no Rio. Vieram ent�o as obras do aeroporto do Gale�o, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da usina nuclear de Angra.
A Odebrecht formava assim seu portf�lio na chamada constru��o pesada. Com ele, veio o portf�lio brasiliense. Em 1978, Norberto foi levado a depor na CPI aberta no Senado para investigar supostas irregularidades no acordo nuclear entre Brasil e Alemanha.
Mas o grupo baiano n�o pertencia ainda ao pelot�o das grandes empreiteiras. Para entrar de verdade nesse grupo, que dividia o dinheiro grosso das obras p�blicas no pa�s, Norberto atuou em duas frentes nos anos 1980.
Odebrecht e a rela��o com os presidentes
Com aux�lio do governo militar, angariou contrato em Angola. Come�ava a atividade internacional da empreiteira. No Brasil, comprou a CBPO, ent�o uma das principais construtoras do pa�s, e a Tenenge, com experi�ncia em obras do setor de energia.
A empresa prosperou nos governos Jos� Sarney e Fernando Collor, quando j� detinha rela��o privilegiada com a classe pol�tica nacional.
Sob o comando de Em�lio Odebrecht, filho de Norberto, foi enredada no esquema de PC Farias e no esc�ndalo dos An�es do Or�amento. A esta Folha em 1994, Emilio disse at� j� ter pago propina no passado, mas negou que a empresa cometesse irregularidades como comprar um ministro de Collor.
O grupo seguiu. Aproveitando as privatiza��es feitas por Itamar Franco, aumentou sua presen�a no setor petroqu�mico, no que daria origem � Braskem —hoje, gra�as � interven��o do governo Lula, a principal empresa do grupo.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, com quem Em�lio cultivou rela��o pr�xima e amig�vel, continuou a prosperar. Ao fim da d�cada de 1990, ostentava o posto incontest�vel de maior empreiteira do pa�s, com bra�os em celulose, minera��o, explora��o de petr�leo e concess�es.
O grande salto veio mesmo na era petista. Ap�s driblar uma crise financeira que a obrigou a se desfazer de fatias em empresas como a Veracruz Celulose e a CCR, a Odebrecht iniciou uma fase de crescimento acelerado.
As grandes obras inauguradas pelo governo Lula, com quem Em�lio tinha grande proximidade, e o cr�dito farto dos bancos p�blicos eram a oportunidade. O novo sistema de propina montado sob a batuta de Marcelo garantiria que a Odebrecht a agarrasse.
Odebrecht e o caminho do dinheiro
SOCIEDADE DE CONFIAN�A
Ao assumir o comando do grupo em 2009, Marcelo multiplicou os pagamentos de propina e caixa dois. De largada, eles dobraram. A disparada foi impulsionada pela decis�o de descentralizar o fluxo da propina.
At� 2008, quando estava na presid�ncia da construtora, os pagamentos s� eram feitos com sua autoriza��o. Ao assumir o conglomerado, deu autonomia a ao menos seis executivos do alto escal�o para autoriz�-los junto ao setor de propina —as negocia��es dos valores com os agentes p�blicos eram feitas livremente pelos funcion�rios.
Ao delegar aos seus mais fi�is subordinados as decis�es, Marcelo seguia um dos princ�pios basilares da Odebrecht, transcritos em 1983 por seu av�, Norberto, numa s�rie de tr�s livros e repetidos � exaust�o aos funcion�rios da empresa nas d�cadas seguintes.
As mais de quinhentas p�ginas de "Sobreviver, Crescer e Perpetuar" comp�em a principal obra da "Tecnologia Empresarial Odebrecht", ou T.E.O. Trata-se de um guia para a cultura da "organiza��o".
Nelas, o fundador define a Odebrecht como uma "sociedade de confian�a". Fazem parte do folclore criado ao redor da T.E.O hist�rias como a que Norberto s� redigia documentos e recados a seus executivos � l�pis como prova de confian�a.
Norberto define a Odebrecht como uma sociedade formada por "empres�rios" e n�o por empregados. Ele repudiava, por exemplo, o uso do termo gest�o, que denotava cuidar de neg�cios alheios. Para ele, um modismo que atrapalhava o entendimento do que seria "a arte de empresariar".
Na Odebrecht, todos deveriam considerar o neg�cio como se seu fosse. O livro prega a "educa��o pelo trabalho", ou seja, pelo exemplo. Era preciso delegar.
Esse entendimento � martelado assim que o indiv�duo entra na empresa —a T.E.O teve mais de dez edi��es em portugu�s, tradu��es para ingl�s e espanhol e at� uma vers�o em quadrinhos.
Os funcion�rios s�o "doutrinados" nas palavras do fundador. "� como na Igreja Cat�lica: a missa tem de ser celebrada do mesmo jeito em todos os lugares", disse � Folha um executivo que permanece no grupo.
Ao ex-ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci, Marcelo tentou explicar que, por isso, n�o "lidava" com doa��es a campanhas municipais, s�
com as presidenciais. "Pela nossa governan�a era at� complicado entrar nessa quest�o, pois eu poderia estar interferindo nas decis�es dos executivos", falou em um de seus depoimentos � Lava Jato.
O setor de propina tinha governan�a. Na l�gica da Odebrecht, era um instrumento para se fazer neg�cios. Uma ferramenta que Marcelo estava confortavelmente disposto a usar.
Antes da cria��o do departamento de "Opera��es Estruturadas", nome lustroso da �rea de Hilberto Mascarenhas, os pagamentos eram feitos essencialmente por meio de doleiros e somavam de US$ 60 milh�es a US$ 70 milh�es por ano, segundo depoimento do executivo �s autoridades.
Em 2013, a divis�o tinha seis executivos em sua estrutura e contabilizava US$ 750 milh�es distribu�dos em propina e caixa dois, em contas no exterior ou em malas de dinheiro no Brasil, para pol�ticos e agentes p�blicos de todos os matizes.
Era uma pequena fra��o do faturamento da empresa, mas a escalada parecia fora de controle. "� suic�dio", disse Hilberto a Marcelo, segundo relato do executivo.
O empres�rio n�o deu ouvidos. Estava onde almejara estar. Apoiada pelo governo, a Odebrecht havia chegado aos R$ 100 bilh�es de faturamento e a 23 pa�ses, tinha quase 200 mil empregados em 15 divis�es de neg�cio.
"Ele entrou numa espiral maluca. Brigava com acionistas em cima, tratava mal executivos de baixo, comprava pol�ticos e os bancos ele seduzia", afirmou um delator � Folha sob a condi��o de anonimato.
A boa rela��o com os bancos era fundamental para os planos do conglomerado, que precisava de cada vez mais dinheiro para bancar seus planos de expans�o o Brasil e no exterior. De 2009, quando Marcelo assumiu o grupo, a 2015 a d�vida do grupo passou de R$ 14 bilh�es para R$ 84 bilh�es.
O crescimento da empresa —e da distribui��o de propina— s� pararia com a Lava Jato. � essa conta que os executivos que restaram na empresa passaram a ter de administrar.
Com a c�pula encarcerada, uma crise de imagem sem precedentes e obras minguando, o grupo empresarial mais poderoso do pa�s tem hoje de lutar para sobreviver.
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