As prom�scuas rela��es entre poderosos da pol�tica e da economia no Brasil
Eduardo Knapp - 25.abr.2008/Folhapress | ||
Lula e o patriarca Em�lio Odebrecht inauguram unidade da Brask em Paul�nia (SP) |
No mesmo ano de 2012 em que eram condenadas duas d�zias de r�us do mensal�o, o investimento da Odebrecht em suborno ou financiamento ilegal de pol�ticos chegava ao m�ximo. No ano de 2014 da estreia da Lava Jato, a empresa ainda investiria 1% de seu faturamento em crimes confessos, mantendo a m�dia do que gastou na grande d�cada da propina.
Essas coincid�ncias d�o o que pensar sobre uma explica��o popular do motivo da persist�ncia da corrup��o no Brasil: impunidade.
O efeito dissuasivo das penas judiciais parece pelo menos depender tamb�m do alcance e da dosagem eficiente de puni��o. Mais condenados, de esp�cie variada e a perdas mais duras de dinheiro a liberdade.
Talvez o efeito das condena��es seja defasado e indireto, de difus�o social e cultural lenta, al�m de depender de outras condi��es desalentadoras de corruptos.
O caso, quase aned�tico, ilustra a dificuldade de explicar a corrup��o e o que fazer a fim de cont�-la no futuro (ou agora mesmo: j� haveria um novo Grande Corruptor?).
A bibliografia sobre os motivos desses crimes n�o ajuda a estabelecer a causa fundamental do problema. Mas forma um mosaico de motivos para as opera��es de corrup��o, que, mais do que variadas, como crimes constituem um aspecto sist�mico da evolu��o econ�mica brasileira faz ao menos 70 anos.
Antes de mais nada, do que se trata?
Nem mesmo a Odebrecht esgota o caso, mas sua lista de neg�cios � abrangente e indica que se est� diante de muito mais do que suborno.
O que parece se revelar � um sistema geral de rela��o entre grande empresa e Estado no pa�s, sistema elaborado durante d�cadas, azeitado seja com a��es claramente criminosas ou n�o.
Pelas confiss�es de seus executivos, a empresa:
1. Comprou votos e elabora��o de leis,
2. Comprou apoio p�blico e privado para fraudar concorr�ncias;
3. Destinou dinheiro ilegal para campanhas eleitorais;
4. Comprou favores de servidores estatais ou paraestatais (Petrobras etc.) com o objetivo de vencer contratos, superfatur�-los e liberar pagamentos retidos;
5. Financiou a forma��o de partidos ou coaliz�es eleitorais;
6. Evadiu, lavou e sonegou dinheiro;
7. Comprou agilidade em tr�mites burocr�ticos na alta administra��o em geral;
8. Investiu a fundo perdido na compra de simpatias de l�deres pol�ticos;
9. Subornou governos, pol�ticos e sindicalistas a fim de evitar reivindica��es trabalhistas;
10. Financiou neg�cios e despesas particulares de parentes e amigos de governantes;
11. Comprou dados sigilosos do governo.
Medido em termos de massa de dinheiro, o principal motivo alegado pela Odebrecht para sua atividade corrupta era o financiamento ilegal de campanhas.
No entanto, a lista mostra motivos variados e mesclados para a oferta de suborno, para nem falar dos motivos da demanda.
Al�m do mais, a Odebrecht � apenas um dos corruptores.
Outras investiga��es descobriram:
1. Compra de decis�es do Estado sobre pagamentos de impostos contestados por empresas (bancos, grandes empresas nacionais e m�ltis);
2. Compra de decis�es e facilidades em tribunais de contas;
3. Suborno sistem�tico de fiscais da atividade econ�mica, da supervis�o de alimentos � de obras privadas.
Isso quanto ao lado da oferta de corrup��o.
E a demanda?
Para responder, � preciso qualificar o motivo "financiamento ilegal de campanha".
� �bvio o uso de "sobras de campanha" com fins de enriquecimento pessoal, mas n�o se trata de atitude eventual.
Muito cacique pol�tico que se formou na redemocratiza��o era oriundo do que se vai chamar, por brevidade, de baixa classe m�dia ou classe m�dia alta, mas sem capital.
Em tr�s d�cadas de atua��o pol�tica quase exclusiva, se tornaram, no entanto, agropecuaristas, empres�rios do setor imobili�rio, concession�rios de servi�os p�blicos, s�cios do capital estabelecido e da velha oligarquia e recipientes de subs�dios do Estado para seus neg�cios.
H� evid�ncias de tr�nsito de dinheiro de campanha para o caixa pessoal dessas figuras, mas o empreendimento pol�tico-empresarial vai al�m.
Pol�ticos empreendedores e h�beis favorecem a grande empresa j� estabelecida a fim de obter recursos para alavancar carreiras pol�ticas.
Assim ganham poder para extrair recursos indevidos do Estado e de empresas a fim de se estabelecer tamb�m como donos de capital, fundando assim novas oligarquias regionais.
N�o parece uma descri��o imprecisa da hist�ria de l�deres de todos os partidos maiores que foram ao poder desde 1985, afora no caso estadual de S�o Paulo, centro "moderno" do capital, onde a encrenca � outra.
Bruno Poletti - 15.set.2014/Folhapress | ||
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marcelo Odebrecht em jantar em torno do governador paulista |
Quais poderiam ser os motivos de corrup��o t�o sist�mica?
A economia pol�tica indica faz quase 50 anos que a corrup��o pol�tica tende a proliferar quando a interven��o estatal na atividade produtiva � extensa e difusa. Em particular quando servidores ou �rg�os de Estado t�m poder mais discricion�rio de alterar normas e procedimentos.
Reservas de mercado, meios financeiros e regulat�rios de criar oligop�lios, prote��es exageradas contra a concorr�ncia externa, multiplicidade confusa de licen�as para produzir e comerciar e controles de pre�os s�o algumas interven��es t�picas do Brasil.
Piora a situa��o um sistema tribut�rio complexo, repleto de regras especiais, combinado a arb�trios de governos sempre s�fregos em arrecadar. � ambiente prop�cio tanto � compra de favores quanto � judicializa��o e corrup��o das disputas sobre o valor devido em impostos.
Mas qual o "poder arbitr�rio" de conceder favores comprado pela empresa corruptora? A corrup��o vai al�m do suborno de funcion�rios com poder discricion�rio, de fiscais municipais e diretores da Petrobras. Atinge de modo direto a cria��o de leis por aqueles escolhidos em elei��o livre, em tese.
sistema pol�tico
Uma literatura em voga sobre os motivos da corrup��o trata de sistemas eleitorais. Votos em listas abertas ou fechadas, em distritos pequenos ou grandes, elei��es proporcionais ou majorit�rias afetariam o grau de corrup��o.
Sistemas que "escondem" os pol�ticos, que dificultam a responsabiliza��o de malfeitos e que dificultam a concorr�ncia eleitoral propiciam a elei��o de corruptos. Mas n�o h� consenso sobre quais sistemas s�o "na m�dia" mais dados � elei��o de corruptos.
custo de campanhas
Noutra vertente desses estudos, a varia��o do custo das campanhas, que depende do sistema eleitoral, estaria associada � escala da corrup��o.
Elei��es parlamentares disputadas em distritos grandes (todos candidatos contra todos em cada Estado), caso do Brasil, seriam mais caras. A sobreviv�ncia pol�tica demandaria financiamento custoso, por vezes ilegal (via saque do Estado e de doa��es ilegais de campanha).
Enfim, sistemas que propiciam a multiplica��o excessiva de partidos e dificultam a montagem de coaliz�es de governo propiciariam a compra de parlamentares.
� plaus�vel. H� por�ns.
A hip�tese da influ�ncia do sistema eleitoral na escolha de corruptos pressup�e, de modo descabido, que o eleitorado tenha informa��o suficiente sobre as caracter�sticas do candidato (que pode ser um corrupto oculto ou ainda em bot�o) e que seja processada de modo previs�vel pelo eleitor (que negaria voto a todo corrupto ou similar).
No caso do financiamento, note-se que as campanhas para cargos majorit�rios (presidente, governador, senador) fizeram mais da metade das despesas nas elei��es de 2014. O custo da elei��o de deputados explicaria apenas parte do problema.
O Brasil � l�der mundial de fragmenta��o partid�ria, mas montagens de coaliz�o de governo nem sempre implicam entrega de minist�rios com "porteira fechada" para explora��o ilegal de seus recursos.
Enfim, h� �nfase demasiada no estudo de regras do jogo (institui��es formais) e incentivos, ficando em segundo plano valores e conex�es sociais de partidos, sem o que n�o se entendem crises agudas de representatividade, como a que explode desde Junho de 2013.
ESTADO E EMPRESA
Conviria considerar a influ�ncia do que se pode chamar de in�rcia do sistema: hist�ria.
A grande empresa brasileira "moderna" do s�culo 20 foi em parte importante desenvolvida com coordena��o e financiamento do Estado.
Novos incentivos financeiros e regulat�rios reorganizaram a grande propriedade e a cria��o de oligop�lios nas privatiza��es de Collor e FHC, por exemplo, e de conglomerados sob Lula e Dilma, no s�culo 21. � uma tradi��o septuagen�ria n�o apenas de promiscuidade, mas de funcionamento de um sistema de distor��es essenciais, sem as quais talvez essa ordem deixe de funcionar, sendo incerto o que nascer� no lugar.
Aumentar os custos do crime (processos do mensal�o e da Lava Jato) ataca a corrup��o, mas n�o basta. Reordenar a interven��o do Estado � reforma de longo prazo, dificultada ainda mais sem reforma pol�tica e eleitoral, o que inclui tamb�m diminuir o n�vel de concentra��o de poder e seu exerc�cio discricion�rio.
� dif�cil reformar tais sistemas quando a pol�tica � um meio de ascens�o em sociedades com meios restritos de avan�o socioecon�mico.
Em suma, s�o reformas dif�ceis sem mais democracia pol�tica e social.
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