Preconceito com mulheres atinge esquerda e direita, diz professora
Samira Chami Neves / Secom UFPR | ||
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A professora e pesquisadora da UFPR Luciana Panke |
"As reclama��es das mulheres s�o as mesmas na direita e na esquerda", diz a professora e pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paran�) Luciana Panke � Folha.
Segundo ela, que acaba de lan�ar o livro "Campanhas Eleitorais para Mulheres: Desafios e Tend�ncias" (Ed. UFPR, 231 p�gs., R$ 40), em que entrevistou mulheres pol�ticas e consultores de 14 pa�ses da Am�rica Latina, as candidatas e eleitas afirmam se sentir desamparadas em todo o espectro pol�tico.
"Na hora de fazer campanha, muitas vezes as mulheres s�o deixadas de lado, algo como 'pode ser candidata, mas se vira'", diz a pesquisadora.
Essa seria uma das raz�es para a baixa presen�a de mulheres na pol�tica. No Brasil, por exemplo, a porcentagem de mulheres na C�mara dos Deputados n�o chega a 10%.
"� uma vergonha", diz Panke. A pesquisadora fez um levantamento que mostra que o pa�s � o que tem a terceira menor representatividade feminina na Casa na Am�rica Latina, � frente apenas de Belize e Haiti. Em compara��o como todo o mundo, o Brasil aparece em 155� lugar.
Al�m disso, a professora afirmou � Folha acreditar que o impeachment que retirou a ent�o presidente Dilma Rousseff do cargo em 2016 poderia n�o ter acontecido se o ocupante da cadeira fosse um homem. "V�rios dos coment�rios atacavam a mulher e n�o a gestora", afirma.
Leia a entrevista completa abaixo.
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Folha - A sra. abre o livro afirmando que a "pol�tica � um universo masculino". Por qu�?
Luciana Panke - Primeiro pela hegemonia de homens que exercem essa profiss�o, o que faz com que o modo de agir dentro dela seja masculino.
A forma como homens e mulheres agem � distinta, e a maioria das entrevistadas afirmou que n�o participava de nenhuma mesa de decis�o porque a pol�tica era feita dessa maneira masculina, em jantares, cafezinhos, tudo depois do expediente e n�o no momento do Legislativo ou do Executivo. E para elas que acumulam maternidade e fun��es em casa, j� � dif�cil de acompanhar.
Quais as principais dificuldades que as mulheres que entram na pol�tica encontram?
Uma � a de ser chamada de hist�rica por homens. "T� nervosinha, deputada? Para que levantar o tom de voz?", dizem. Se o homem est� levantando o tom de voz, est� brigando, � virilidade. Agora, se a mulher faz isso, � considerada louca, desequilibrada. � uma das principais dificuldades de uma mulher que precisa se impor em qualquer sess�o pol�tica.
Outra coisa � que a mulher � questionada em rela��o a sua capacidade e credibilidade. Por exemplo, se ela tem forma��o ou n�o. Todas as mulheres que entrevistei t�m uma forma��o fant�stica, que muitas vezes os seus pares homens n�o possuem. Mesmo assim, elas t�m a necessidade de provar v�rias vezes que elas s�o capazes. Elas s�o muito mais questionadas.
E dentro dos partidos?
Mesmo internamente as mulheres encontram dificuldades. Muitos deles tem uma cota de mulheres e as colocam para organizar reuni�o, servir cafezinho, articular nos bastidores, mas sem participar de decis�es. Tamb�m n�o s�o apoiadas com a mesma for�a financeira e pol�tica para se eleger. Foi uma cr�tica que ouvi em todos os pa�ses.
As reclama��es s�o as mesmas na direita e na esquerda?
� geral, escutei essa cr�tica inclusive sobre partidos progressistas. Tem uma falta de apoio politico. Na hora de fazer a campanha muitas vezes essas mulheres s�o deixadas de lado, algo como "voc� � candidata, mas se vira".
As reclama��es s�o iguais n�o s� dentro do partido, mas nas campanhas. Vou te dar um exemplo: as candidatas � Prefeitura de Curitiba, uma de direita [Maria Vitoria, do PP] e outra de esquerda [X�nia Mello, do PSOL], reclamaram da mesma coisa. Entrevistei as duas no mesmo dia, e elas disseram que por serem jovens e bonitas t�m que provar o tempo inteiro que s�o capazes de governar. As raz�es mudam, mas ambas reclamavam da mesma coisa. Esse � o discurso un�nime.
Alguns dos consultores entrevistados afirmam utilizar certos estere�tipos femininos nas campanhas. Isso n�o refor�a pap�is pr�-concebidos?
Eles usam esses pap�is como dona de casa ou m�e para criar uma identifica��o com o p�blico, gerar empatia. � para o eleitor dessa mulher a enxergar como acess�vel.
Dependendo de como � usada a campanha, realmente h� o risco de estereotipar a mulher. Mas essa � a maneira que os consultores t�m de fazer com que essa mulher seja escutada, que ela seja vista como uma leg�tima representante, ent�o vai da estrat�gia de campanha.
A sra. entrevistou mulheres pol�ticas e consultores de 14 pa�ses da Am�rica Latina. Quais s�o as principais diferen�as?
Tem pa�ses que tem cotas, o que influencia, � claro. Outros, como a Bol�via, tem um sistema de listas, que estabelece que tem que ser um homem e uma mulher. Eles est�o em segundo lugar mundial em representa��o feminina, ent�o j� facilita a entrada feminina.
Por outro lado, � um dos pa�ses mais machistas que tem, tanto que ouvi relatos at� de feminic�dio por causa de pol�tica, coisa que n�o ouvi em outros pa�ses.
O Brasil � um pa�s machista em compara��o aos outros?
O Brasil me chamou a aten��o. Antes eu acho que n�o via com tanta clareza o machismo que a gente vive no dia a dia e que impede as mulheres de chegarem no poder.
Veja, estamos em 155� lugar no mundo em termos de representa��o feminina na C�mara dos Deputados, s�o menos de 10% de mulheres. Isso � muito pouco, d� at� vergonha. Tenho vergonha de dizer que o meu pa�s s� tem isso de mulheres.
Como pode um pa�s que se diz, ou se dizia, mais progressista, uma pot�ncia econ�mica com rela��o aos vizinhos, estar em antepen�ltimo lugar em representa��o [em levantamento da autora, o pa�s aparece � frente apenas de Belize e Haiti em porcentagem de mulheres na C�mara]? O Brasil ainda tem muito ainda para caminhar, para ver com naturalidade e apoiar as candidaturas femininas.
Como aumentar essa representa��o?
Em primeiro lugar, tem que ter um trabalho de base, por meio de educa��o. Paralelamente, acho que � preciso uma reforma na nossa lei de cotas femininas. Eu defendo que seja 50% para as cadeiras, n�o para candidaturas. Isso significa que metade dos deputados ou senadores ser�o mulheres. Algumas legislaturas t�m esse sistema de cotas, como o M�xico desde 2015.
H� uma regress�o na representa��o pol�tica feminina na Am�rica Latina?
N�o sei se pode chamar de regress�o. Com certeza houve um �pice com as quatro presidentes [Dilma Rousseff, Cristina Kirchner na Argentina, Laura Chinchilla na Costa Rica e Michelle Bachelet, que segue � frente do Chile], foi bastante inspirador para outras mulheres. E acho que o que aconteceu no Brasil [com o impeachment de Dilma] causou um abalo, espero que as mulheres n�o se intimidem com essa sa�da � for�a da presidente.
Mas h� um movimento de ida para a centro-direita em toda a Am�rica Latina. Antes os governos eram de centro-esquerda, o que tamb�m explica ter mais mulheres no poder, porque tradicionalmente s�o os governos progressistas que as estimulam mais. Quando h� uma guinada � direita, voltam a ser estabelecidas pol�ticas mais conservadora, comandadas por homens.
Ent�o acho que isso � muito influenciado pela pr�pria pol�tica latino-americana neste momento, mas pode mudar mais para frente.
Cr�ticos do impeachment de Dilma afirmam que ele foi motivado por machismo. A sra. concorda com essa afirma��o?
Concordo. V�rios dos coment�rios atacavam a figura da mulher, e n�o da gestora. Uma das coisas mais horr�veis que eu vi foi aquele meme do estupro com a bomba de gasolina [imagem que circulou na internet e mostrava adesivo de carro com a figura da ent�o presidente em posi��o sexual]. Isso � inconceb�vel, como � que se faz uma coisa dessas com a presidente da Rep�blica? Voc� pode n�o concordar com ela, mas aquilo � de uma viol�ncia simb�lica imensur�vel.
Ou coment�rios maldosos como "ela � separada, por qu�? Nenhum homem quis?" Acho que isso da� sem d�vida acabou influenciando.
Acho que se fosse um homem, h� uma boa chance de isso n�o ter acontecido, apesar de sabermos que a conjuntura do que aconteceu abrange uma s�rie de interesses econ�micos e esc�ndalos. Mas talvez justamente pela forma de fazer pol�tica feminina ser diferente da masculina, �s vezes ela n�o cedeu certas coisas que poderia ter cedido, ou ter feito algo no g�nero de articula��o. Mas a� � especula��o.
CAMPANHAS ELEITORAIS PARA MULHERES: DESAFIOS E TEND�NCIAS
AUTORA Luciana Panke
EDITORA UFPR
QUANTO 231 p�gs., R$40
QUANDO 8/3, a partir das 18h30, Avenida do Batel, n� 1868 (Curitiba)
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