Fora do governo, Calero acusa Geddel de pression�-lo para liberar obra
Alan Marques - 1�.set.16/Folhapress | ||
O ministro da Cultura, Marcelo Calero, que pediu demiss�o do governo Temer |
De sa�da do governo, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, acusa o ministro Geddel Vieira Lima (Governo) de t�-lo pressionado a produzir um parecer t�cnico para favorecer seus interesses pessoais.
Calero diz, em entrevista � Folha, que o articulador pol�tico do governo Temer o procurou pelo menos cinco vezes —por telefone e pessoalmente— para que o Iphan (Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional), �rg�o subordinado � Cultura, aprovasse o projeto imobili�rio La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de uma �rea tombada em Salvador, base de Geddel.
Nas palavras do agora ex-ministro, Geddel disse em pelo menos duas dessas conversas possuir um apartamento no empreendimento que dependia de autoriza��o federal para sair do papel.
"Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse m�ximo de um dos homens fortes do governo", afirmou.
No lugar de Calero, assume o deputado Roberto Freire (PPS-SP).
*
Folha - O governo deu v�rias vers�es para sua sa�da, entre elas a de que o sr. ficou sem clima por organizar um evento de R$ 500 mil e que brigou com Geddel Vieira Lima.
Marcelo Calero - Sobre o Geddel, confere.
O que aconteceu?
Quando eu cheguei no governo, a presidente do Iphan, Jurema Machado, me alertou que existia um empreendimento na Bahia que despertava interesses imobili�rios. E me recomendou especial aten��o a mobiliza��es pol�ticas que pudessem ocorrer.
A partir disso, eu de fato recebi liga��o do ministro Geddel dizendo que aquele empreendimento empregava muitas pessoas e que o Iphan da Bahia havia dado uma licen�a de constru��o que fora cassada pelo Iphan nacional. Ele disse que essa decis�o era absurda porque n�o levou em conta pareceres t�cnicos do Iphan da Bahia e n�o havia dado oportunidade ao empreendedor de ampla defesa.
O empreendedor � a Cosbat?
Isso est� no processo. O que acontece � que eu ent�o recebi liga��es bastante insistentes a partir de outros interlocutores e pedi que a [nova] presidente do Iphan, K�tia Bog�a, visse se o que era relatado pelo ministro procedia. Pedi que ela recebesse os advogados, como Geddel havia solicitado. Depois de receber os advogados, ela falou: "Do ponto de vista t�cnico, n�o h� raz�es ao empreendedor, mas houve um erro processual porque a cassa��o da licen�a ocorreu sem abrir prazo de defesa".
A doutora K�tia ent�o cancela os atos administrativos e abre prazo de defesa. At� a�, me pareceu uma gest�o bastante regular. Mas me surpreendeu um pouco um ministro de Estado ligar para outro ministro de Estado para falar deste caso. Mas n�o fui mais perturbado em rela��o a isso.
Isso come�ou quando?
Foi logo que tomei posse, n�o demorou mais do que um m�s. Depois desse recurso n�o tomei mais conhecimento. At� que, no dia 28 de outubro, uma sexta-feira, por volta de 20h30, recebo uma liga��o do ministro Geddel dizendo que o Iphan estava demorando muito a homologar a decis�o do Iphan da Bahia.
Ele pede minha interfer�ncia para que isso acontecesse, n�o s� por conta da seguran�a jur�dica, mas tamb�m porque ele tem um apartamento naquele empreendimento. Ele disse: "E a�, como � que eu fico nessa hist�ria?".
E como o sr. reagiu?
Eu fiquei surpreendido, porque me pareceu —n�o sei se estou sendo muito ing�nuo— t�o absurdo o ministro me ligar determinando que eu liberasse um empreendimento no qual ele tinha um im�vel. Voc� fica at�nito. Veio � minha cabe�a: "Gente, esse cara � louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus".
O ministro Geddel tem uma forma de contato muito truculenta e assertiva, para dizer o m�nimo. Ent�o, na ocasi�o, eu tergiversei, disse que tinha uma agenda com ele para falar de outros assuntos e que poder�amos falar daquele.
E a�?
Na segunda-feira de manh�, eu chamei a K�tia e falei o que estava acontecendo, mas disse que, ao contr�rio do que ele pediu, eu queria uma solu��o t�cnica. Uma preocupa��o que eu tive foi a seguinte: eu sou um cidad�o de classe m�dia, servidor p�blico, diplomata de carreira. O �nico bem relevante que eu tenho na minha vida � a minha reputa��o, a minha honra.
Fiquei extremamente preocupado de eu estar sendo gravado e, no final das contas, eu poder estar enrolado —imagina!— com interesse imobili�rio de Geddel Vieira Lima na Bahia. Pelo amor de Deus! Fiquei preocupado de estar diante de uma prevarica��o minha, podia estar diante de uma advocacia administrativa, para dizer o m�nimo.
Pensei em procurar o Minist�rio P�blico, a PF. Depois de conversar com K�tia, fui ao ministro Geddel, com quem eu tinha um despacho, e ele falou que o pleito dele era plaus�vel e eu dizia: "Vamos ver" e que a decis�o seria t�cnica.
Depois disso, eu disse para a K�tia: "Tome a decis�o que tiver de tomar. Se eu perder o meu cargo por isso, n�o h� problema. Eu saio. Eu s� n�o quero meu nome envolvido em lama, em suspeita, qualquer que seja, de que qualquer agente p�blico possa ser supostamente beneficiado pelo fato de que ele exerce press�o sobre mim". No domingo seguinte, recebi outra liga��o do ministro Geddel.
Depois do dia 28 de outubro?
Eu estava em evento da Federa��o Israelita no Rio. Nessa liga��o, Geddel disse que havia rumores na Bahia de que o Iphan nacional iria negar a constru��o.
Ele disse: "Ent�o voc� me fala, Marcelo, se o assunto est� equacionado ou n�o. N�o quero ser surpreendido com uma decis�o e ter que pedir a cabe�a da presidente do Iphan. Se for o caso eu falo at� com o presidente da Rep�blica".
E o que fez depois?
As coisas j� haviam passado do limite. K�tia � uma pessoa corret�ssima. Avisei que se ela sa�sse eu sa�a tamb�m. E disse: "Mas sairemos com a cabe�a erguida".
Em novembro, j� havia sinal de que o parecer do Iphan seria contr�rio [� obra]?
J�. Na semana do dia 7 de novembro comecei a sofrer press�o para suscitar um conflito ou mandar o caso para a AGU [Advocacia-Geral da Uni�o]. E a� pessoas do governo...
Quais pessoas do governo?
Pessoas que estavam t�o pressionadas quanto eu. Eu comecei a sofrer press�es para enviar o caso para a AGU. A informa��o que eu tive foi que a AGU construiria um argumento de que n�o poderia haver decis�o administrativa [do Iphan]. Isso significa que o empreendimento seguiria com o parecer do Iphan da Bahia, que liberava a obra.
O Iphan da Bahia � comandado por quem?
A indica��o surgiu de uma comunica��o –que eu possuo– do ministro Geddel.
Esse empreendimento est� em �rea hist�rica?
Est� no entorno de uma �rea tombada, sujeito a regramento especial. Depois, no dia 16 de novembro, a decis�o [do Iphan] finalmente sai e embarga a obra, determinando que a empreiteira adeque o projeto para 13 andares.
O projeto que eles tinham pedido era de quantos andares?
Trinta, salvo engano.
O sr. comunicou o governo?
Encontrei Geddel no jantar no Alvorada na quarta (16). Ele aciona v�rios interlocutores para me pressionar a rever a decis�o. Mas eu estava tranquilo porque a decis�o tinha sido t�cnica. Eu conseguiria olhar para meus servidores, para minha fam�lia, para K�tia, para os t�cnicos do Iphan.
Por que decidiu falar?
Eu queria sair do governo de maneira tranquila, mas meu temor era que come�assem a construir narrativas a respeito da minha sa�da para macular minha imagem. Quando recebo a liga��o da Folha para checar uma informa��o contra mim, percebi que havia um processo de fritura.
Estou fora da l�gica desses caras, n�o sou pol�tico profissional. N�o tenho rabo preso. N�o estou aqui para fazer maracutaia. N�s precisamos ter a coragem de dizer: "Daqui eu n�o passo". Vou voltar a ser um diplomata de carreira que passou em quinto lugar num concurso, estudando e trabalhando ao mesmo tempo.
Se for para fazer errado, vou embora. Ele s� me disse que tinha apartamento no pr�dio em 28 de outubro.
Isso foi dito por ele pr�prio?
Sim, e me repetiu no dia 31: "J� me disseram que o Iphan vai determinar a diminui��o dos andares. E eu, que comprei um andar alto, como � que eu fico?".
No evento da Ordem do M�rito Cultural, ele disse: "E as fam�lias que compraram aqueles im�veis? Eu comprei com a maior dificuldade com a minha mulher".
Quando o sr. se deu conta desse processo?
Quando a decis�o foi encartada, come�ou uma press�o inacredit�vel. Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse m�ximo de um dos homens fortes do governo e que ningu�m iria me apoiar. Vi que minha presen�a n�o teria viabilidade. Jamais compactuaria com aquele compadrio. N�o.
A gota d'�gua foi quando fui procurado pela imprensa... Eu vejo isso de maneira objetiva: um agente governamental solicitou interfer�ncia de outro numa decis�o t�cnica que lhe beneficiaria em car�ter pessoal. Esse segundo agente n�o aceitou fazer essa interfer�ncia.
Como o presidente reagiu ao seu pedido de demiss�o?
Pediu que eu reconsiderasse. No dia 18, telefonei e disse que era irrevog�vel.
*
ENTENDA O CASO
2014
Subordinado ao MinC, o Iphan da Bahia d� parecer favor�vel � constru��o do La Vue Ladeira da Barra, com cerca de 100 m de altura, em regi�o hist�rica de Salvador
2016
Na gest�o Dilma, Iphan nacional reverte o parecer, sob o argumento de que o pr�dio 'compromete a visibilidade de, pelo menos, tr�s bens tombados'
Jun.2016
Dias depois de assumir o MinC, Calero � procurado por Geddel Vieira Lima (Sec. Governo) com o relato de que h� uma 'decis�o absurda' do Iphan sobre o pr�dio, que deveria ser reanalisada
Jul.2016
Iphan detecta falha processual, revoga o parecer contr�rio � obra e reabre prazo para a defesa da empreiteira se manifestar
Out.2016
Mesmo depois da nova manifesta��o da defesa, corpo t�cnico do Iphan mant�m entendimento contr�rio � libera��o e envia processo para o corpo jur�dico do �rg�o
Out e nov.2016
Press�o sobre Calero se intensifica; ministro diz ter sido cobrado novamente por Geddel pelo menos quatro vezes –por telefone, em 28.out e 6.nov, e pessoalmente em 31.out, no gabinete do ministro, e 16.nov, na entrada do jantar que Temer ofereceu para senadores
16.nov.2016
Iphan conclui parecer contr�rio � obra, determinando sua readequa��o ao gabarito
17.nov.2016
Planalto faz nova investida e sugere a Calero que o Minist�rio da Cultura apresente um parecer divergente, para que o caso possa ser definido pela AGU
18.nov.2016
Calero pede demiss�o do MinC
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