Afastar Dilma agora seria golpe, diz autor de a��o contra Collor em 92
Douglas Pingituro - 16.dez.2015/Brazil Photo Press/Folhapress | ||
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O advogado Dalmo Dallari durante ato dos professores da USP contra o impeachment |
"� golpe porque � contr�rio � Constitui��o." � assim que Dalmo de Abreu Dallari, decano jurista e professor em�rito da Faculdade de Direito da USP, se refere ao pedido de impeachment atualmente em tr�mite na C�mara dos Deputados. "Impeachment sem fundamento jur�dico � um golpe porque � uma viol�ncia", acrescenta.
Prestes a completar 84 anos, o professor explica a decis�o do Supremo Tribunal Federal de anular a vota��o secreta na C�mara e reiterar o poder do Senado no rito do impeachment e evoca a Constitui��o de 1988 a cada argumento que d� contr�rio ao pedido assinado por H�lio Bicudo e Miguel Reale Jr., dois colegas que rascunharam com ele o pedido de impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992. "Eu n�o sou a favor de Dilma. Sou a favor da Constitui��o."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
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Folha - O sr. foi um dos juristas que redigiu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O uso deste instrumento era leg�timo com Collor, mas n�o o � com Dilma?
Dalmo Dallari - A quest�o da legitimidade n�o � pelo impeachment em si mesmo, mas pela sua fundamenta��o. Naquela ocasi�o, em rela��o ao Collor, foram feitas acusa��es muito precisas. Foram indicados elementos muito concretos que configuravam crime de responsabilidade. E isso n�o aconteceu at� agora em rela��o � presidente Dilma Rousseff. Por isso essa acusa��o de agora � ileg�tima. Ela n�o tem fundamenta��o jur�dica.
Que tipo de fundamenta��o existia � �poca e n�o existe hoje?
Contra Collor, houve acusa��es com muita comprova��o de desvio de recursos p�blicos em benef�cio pessoal ou de amigos. Foram indicados atos praticados pelo presidente e determina��es dele que configuravam crime de responsabilidade, ou seja, eram flagrantemente contr�rios � lei. E este � o ponto fundamental, que dava fundamenta��o jur�dica e, portanto, legitimidade ao pedido.
No caso presente, o que h� s�o, primeiro, afirma��es que mais do que evidentemente n�o servem de fundamento. Por exemplo, dizer que Dilma Rousseff, quando presidente da Petrobras, se omitiu. Primeiro que a Constitui��o exige "atos" presidenciais. Ora, omiss�o � a aus�ncia de atos. Segundo, a Constitui��o exige para impeachment que esses atos tenham sido praticados agora, no mandato como presidente.
E n�o h� a m�nima acusa��o de que ela tenha desviado recursos financeiros em proveito pr�prio ou de algu�m ou para aplica��o ilegal, contr�ria � lei or�ament�ria.
As pedaladas fiscais n�o foram atos presidenciais?
Aquilo que se convencionou chamar de pedaladas, que est�o comprovadas, ditas e afirmadas, o pr�prio [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso praticou muito tamb�m. A pedalada � um artif�cio cont�bil e n�o um desvio de recursos financeiros para objetivo ilegal. � um retardamento na transposi��o de recursos de um fundo para outro fundo p�blico. Mas isso n�o configura nenhum dos crimes de responsabilidade previstos na lei 1.079 de 1950, que trata do impeachment.
Falta este enquadramento legal que poderia dar legitimidade a um processo. Por isso n�o h� o m�nimo fundamento jur�dico para o processo de impeachment.
Outros juristas que estiveram ao seu lado no impeachment de Collor agora defendem o impeachment de Dilma...
Existem v�rias raz�es para isso. Uma delas � um ressentimento pessoal. E a� eu vou mencionar o meu car�ssimo amigo, que eu respeito e admiro muito, H�lio Bicudo. Ele tem toda uma hist�ria magn�fica de defesa do direito. Mas ele se filiou ao PT e teve a pretens�o de ser embaixador brasileiro na Su��a, possivelmente porque � em Genebra que est� o centro de direitos humanos da ONU. Essa hist�ria � de amplo conhecimento: ele ficou absolutamente indignado porque havia manifestado indiretamente essa ideia, mas n�o foi recebido pelo presidente Lula para externar essa vontade. Isso provocou um forte ressentimento.
N�o sei por qual motivo o presidente Lula n�o o recebeu. H�lio Bicudo � uma figura respeit�vel. E isso foi decisivo: ele se tornou um antipetista absolutamente obsessivo.
Agora, o caso de Miguel Reale Jr. � mais evidente: ele � filiado ao PSDB, de modo que a posi��o dele �, antes de tudo, pol�tica e n�o jur�dica.
Ent�o, isso explica por que pessoas da �rea jur�dica s�o favor�veis ao impeachment mesmo n�o havendo consist�ncia jur�dica para isso.
O sr. redigiu pedido de impeachment contra FHC em 2001 por negociar emendas para bloquear uma CPI. O mesmo argumento n�o poderia ser usado contra Dilma?
Quem acha isso demonstra absoluta falta de conhecimento jur�dico e n�o tem nenhuma ideia de que o direito se aplica aos fatos segundo as circunst�ncias. Ent�o a mesma regra jur�dica poder� ser invocada mas aplicada ou n�o dependendo do conjunto de fatos e de circunst�ncias.
Por isso, a pr�pria jurisprud�ncia do STF muda, �s vezes oscila. Porque em rela��o um determinado preceito jur�dico, mas considerando o conjunto de circunst�ncias, o ministro muda a posi��o. Por isso a jurisprud�ncia � vari�vel. Isso n�o significa que os ministros tenham abandonado os crit�rios jur�dicos absolutamente.
Eu n�o lembro agora de pormenores da situa��o contra FHC, mas possivelmente havia comprova��o de fatos que caracterizavam uma agress�o ao direito.
Acentuo muito isso: n�o tenho vincula��o com nenhum dos partidos existentes no Brasil.
Se se acusar amanh� a presidente Dilma dando os fundamentos v�lidos e consistentes para sustentar que ela praticou crimes de responsabilidade, eu serei a favor do impeachment e da puni��o.
Eu n�o sou a favor da presidente Dilma, eu sou a favor da Constitui��o.
O jurista Ren� Dotti diz que h� precedente no STF para o pedido de impeachment com base em a��es do mandato anterior.
Isso eu acho que � contra o artigo 86 da Constitui��o, que diz expressamente que o presidente s� pode ser responsabilizado por atos praticados no exerc�cio do presente mandato.
Mas e o que ela fez como presidente no mandato anterior?
Tamb�m n�o � fundamento jur�dico para impeachment. Tem de ser no atual mandato.
S� que a constitui��o � anterior � reelei��o.
Mas a Constitui��o fala em atos praticados na vig�ncia do seu mandato. Isso exclui o mandato anterior. Cada mandato tem absoluta autonomia e, por isso, um tempo certo de dura��o. N�o importa que uma mesma pessoa receba dois mandatos. Um n�o � uma prorroga��o do anterior. � um novo mandato eleito.
Isso n�o parece mais um exerc�cio de ret�rica?
N�o. Sen�o, n�s poder�amos ir buscar l� atr�s atos do ex-presidente Fernando Henrique para declarar, agora, que tudo o que ele fez a partir de ent�o � nulo porque j� teria praticado um crime.
Quando a Constitui��o diz "o presidente, na vig�ncia do mandato", n�o h� d�vida: � o presidente atual na vig�ncia do mandato atual que ele est� exercendo.
A falta de governabilidade � argumento para impeachment?
Esse � um argumento pol�tico que varia quando algu�m � a favor do governo ou contra ele. N�o � um argumento jur�dico; portanto, � ileg�timo.
Como o sr. avalia o julgamento do STF sobre o rito do impeachment ?
Fiquei feliz pela maneira como o julgamento foi conduzido e com suas conclus�es. Ficou evidente que a maioria dos ministros est� consciente de seu papel de guarda da Constitui��o.
Em termos de conte�do, foi importante a abordagem feita no tocante ao artif�cio usado pelo presidente da C�mara, Eduardo Cunha, para a vota��o secreta. Ela n�o � prevista na lei, mas foi utilizada como forma de esconder os seus aliados ou os seus dependentes. Seria uma forma de ocultar do povo qual foi a condi��o de cada deputado, e isso daria uma cobertura para negociatas, grande especialidade do presidente da C�mara. A decis�o do Supremo repeliu isso.
Outro dado que, a meu ver, � de fundamental import�ncia e que estava sendo esquecido de prop�sito ou ignorado –porque, infelizmente, muitos brasileiros que atuam no direito, inclusive alguns professores, n�o conhecem a Constitui��o– � que h� uma diferen�a essencial entre o papel da C�mara de Deputados e o papel do Senado num processo de impeachment. A Constitui��o � muito clara quando diz que compete � C�mara autorizar o processo pura e simplesmente. Autorizar n�o � determinar ou ordenar. E isso estava sendo mal interpretado. Alguns podem n�o ter lido direito a Constitui��o, mas outros estavam maliciosamente fazendo a aplica��o dos preceitos porque lhes era conveniente.
Se essa autoriza��o n�o � uma ordem ou uma determina��o, existe um segundo momento no Senado. Diz a Constitui��o que compete exclusivamente ao Senado o julgamento do processo de impeachment. Ent�o, nessa compet�ncia para julgar est� inclu�da a compet�ncia desde logo que n�o existe qualquer fundamento e que a proposta deve ser arquivada.
Sem impeachment, n�o corremos o risco de passar tr�s anos em convuls�o social e econ�mica?
Estou convencido de que a onda do impeachment est� chegando ao final. A partir de mar�o do ano que vem estar� tudo voltando ao normal. Temos uma ordem constitucional democr�tica muito consistente. A Constitui��o � essencialmente democr�tica e foi feita pelo povo.
Como � que o sr. avalia a postura do vice neste momento de tr�mite do impeachment?
Eu acho que, infelizmente, e ele tamb�m � meu velho amigo, h� uma vincula��o pol�tica. E neste caso, mais grave ainda, porque ele seria o sucessor de Dilma, ent�o, ele tem interesse pessoal no afastamento da presidente. Ele tem deixado muito evidente este interesse.
E h� um aspecto quase terrorista que j� foi levantado. A quest�o de que Michel Temer, por atos cometidos quando substituiu a Dilma, tamb�m ficaria sujeito a afastamento. A� o que � que resulta: que a Presid�ncia do Brasil ser� entregue a Eduardo Cunha (risos). Deveriam pensar melhor neste absurdo.
O que eu tenho verificado � que tanto PMDB quanto PSDB j� est�o em campanha eleitoral. Muito do que eles dizem contra a Dilma vem da�: de sua pretens�o de surgir como salvador da p�tria.
Nenhum deles prop�s um plano de governo detalhado. E � isso o que deveriam fazer agora. Quem sabe eu mesmo n�o me convenceria?
O pedido do procurador-geral, Rodrigo Janot, de afastamento do presidente da C�mara tem fundamento jur�dico?
Verifiquei e o Janot agiu rigorosamente dentro da lei. � papel do Minist�rio P�blico e ele fundamentou seu pedido de maneira que existe sim base jur�dica para atendimento da proposta. O Minist�rio P�blico ganhou uma nova for�a com a Constitui��o de 1988, e ele �, de certo modo, um advogado do povo. Sempre que esteja ou amea�ado ou agredido o interesse p�blico, � ele que deve agir porque tem essa atribui��o.
Est� bem evidente por todos os elementos a que j� foram dados publicidade que Eduardo Cunha tem agido contrariamente � lei. Mas escancaradamente contra a lei. Ent�o, n�o h� d�vida de que existe muito fundamento para essa iniciativa.
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