Empreiteira que soube usar a corrup��o cresceu mais, diz historiador
N�o � de hoje que empreiteiras t�m enorme influ�ncia no governo. O poder e a participa��o delas em esc�ndalos de corrup��o t�m origem em rela��es criadas ainda durante a ditadura militar.
A conclus�o � resultado de pesquisa realizada pelo historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, 31, durante quatro anos. No livro "Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar" (Editora da UFF, 2014), ele conta como o setor de infraestrutura teve participa��o ativa no golpe de 1964 e conseguiu se manter pr�ximo ao Estado mesmo ap�s a redemocratiza��o.
Para o pesquisador, mecanismos de fiscaliza��o mudaram aspectos da rela��o entre empreiteiras e governo, revelando casos de corrup��o que antes eram acobertados.
Daniel Marenco/Fohapress | ||
Pedro Campos, autor de "Estranhas Catedrais", sobre o fortalecimento das empreiteiras na ditadura |
Mas ele ainda � pessimista sobre os impactos da Opera��o Lava Jato, que investiga o esquema de desvios na Petrobras e prendeu executivos das maiores empreiteiras do pa�s: "O que a opera��o traz � tona a gente j� viu in�meras vezes", afirma.
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Folha - No livro, o senhor diz que irregularidades com empreiteiros podem ser entendidas n�o como simples desvios, mas tra�os da din�mica do capitalismo. Por qu�?
Pedro Campos - A gente tenta ler a corrup��o como exce��o. Mas o que eu noto, considerando a hist�ria do capitalismo, � que a apropria��o do p�blico pelo privado � mais uma regra. As empreiteiras calculam a corrup��o para obter lucro. Assim, se eu tenho que lucrar com uma obra, vou usar todos os m�todos dispon�veis. Um bom empreiteiro � o que faz a obra e a faz lucrativa. A lei de licita��es, regida pelo menor pre�o, acaba criando esse tipo de artif�cio. A empresa chega com um pre�o muito baixo, ent�o n�o cumpre o contrato ou acaba indo por meios il�citos para tornar a obra mais lucrativa. As empresas que mais cresceram s�o as que mais souberam se corromper.
O que a Opera��o Lava Jato representa, ou pode representar, nesse cen�rio?
Eu, sinceramente, n�o sou muito otimista em rela��o aos impactos da opera��o. O que ela traz � tona a gente j� viu in�meras vezes. O que � interessante � que ela tem uma escala muito elevada, s�o valores muito altos relacionados a desvios na maior empresa brasileira.
� tamb�m impactante que importantes executivos tenham sido presos. No entanto, os donos das empresas, os empreiteiros de fato, n�o est�o presos. A gente j� teve esc�ndalos envolvendo algumas das mesmas empreiteiras que hoje a� est�o acusadas e que se mantiveram poderosas, n�o perderam contratos. Empresas pequenas podem at� ser marginalizadas, mas n�o acredito que empresas como Odebrecht e Camargo Corr�a venham a se tornar inid�neas.
O senhor afirma que, antes da ditadura, as maiores empreiteiras do pa�s j� eram fortes, principalmente por causa das obras do governo JK. O que mudou com o golpe de 1964?
Durante a ditadura, elas tiveram acesso direto ao Estado, sem media��es, sem elei��es. Havia um cen�rio ideal para o seu desenvolvimento: a ampla reforma econ�mica aumentou recursos p�blicos dispon�veis para investimentos e mecanismos legais restringiram gastos para a sa�de e educa��o e direcionaram essas verbas para obras p�blicas, apropriadas pelas empreiteiras –grandes projetos, tocados sob a justificativa do desenvolvimento nacional, como a [rodovia] Transamaz�nica, a usina de Itaipu e a ponte Rio-Niter�i.
A impress�o que tenho � que essas empresas t�m saudades da ditadura, j� que n�o existiam mecanismos de fiscaliza��o de pr�ticas corruptas. Elas n�o eram alvos de esc�ndalos nacionais, porque isso n�o era investigado.
Esses mecanismos causam inc�modo significativo hoje?
Sim. Mas, ao mesmo tempo, elas mant�m pr�ticas daquela �poca –por exemplo, o descuido com a seguran�a do trabalhador. Vimos isso durante as obras da Copa do Mundo. Isso acontece porque elas precisam ter uma margem de lucro maior e, nesse sentido, ainda existe certa coniv�ncia do Estado, que mal fiscaliza as condi��es de trabalho. Da mesma forma, eles ainda tentam por todas as vias conseguir contratos, viabilizar obras e ganhar o m�ximo poss�vel. Para isso, mant�m as pr�ticas ilegais.
� comum ouvir que, na �poca da ditadura, a corrup��o era menor. Pode-se dizer isso?
O que eu percebo � que a gente n�o tinha acesso aos casos de corrup��o. Eles n�o vinham � tona, o que n�o quer dizer que n�o existiam. Eu diria que, em rela��o ao aparelho de Estado, a apropria��o era ainda maior. Hoje essas empreiteiras est�o sujeitas a �rg�os de fiscaliza��o e volta e meia s�o alvo de den�ncias.
S�o as institui��es da democracia que conseguem revelar esses casos: o Minist�rio P�blico e a Pol�cia Federal. � um m�rito dos governos recentes o investimento nesses mecanismos. Mas, ao mesmo tempo, eles tamb�m mantiveram estruturas, em rela��o � distribui��o de cargos, que facilita a corrup��o.
H� ind�cio ou prova de participa��o direta das empreiteiras no golpe de 1964?
A entidade-chave � o Ipes [Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais], composto principalmente por empres�rios que financiaram o centro que buscava desarticular o governo Jo�o Goulart e montar um novo projeto de Estado. Muitos empreiteiros atuaram no instituto, que teve participa��o ativa no golpe. Haroldo Poland, por exemplo, presidente da empreiteira Metropolitana, era um ativo financiador do Ipes.
Quais nichos foram criados para o setor de infraestrutura durante a ditadura militar?
O portf�lio dessas empresas ficou mais complexo. Antes, elas eram empreiteiras rodovi�rias; ap�s o golpe, adquiriram experi�ncia na constru��o de metr�s, usinas hidrel�tricas e nucleares, grandes aeroportos e obras industriais, como parques frigor�ficos, refinarias e polos petroqu�micos. Com o tempo, no final da d�cada de 60, come�aram a atuar fora do Brasil e se tornaram grandes multinacionais.
Como as empreiteiras conseguiram sobreviver ao processo de redemocratiza��o?
Isso tem a ver com as caracter�sticas espec�ficas da redemocratiza��o no Brasil. Foi uma transi��o pactuada, lenta, sem tomada de poder por for�as oposicionistas.
Nesse processo, algumas figuras pol�ticas n�o perderam poder, foram reposicionadas. Agentes do regime se mantiveram e, consequentemente, as empreiteiras a eles associadas tamb�m. Figuras como [Jos�] Sarney e Antonio Carlos Magalh�es n�o foram marginalizadas. Muito por isso, alguns projetos da ditadura recorrentemente s�o retomados –a ferrovia Norte-Sul, as grandes hidrel�tricas, a transposi��o do rio S�o Francisco, o trem-bala.
O pr�prio Minha Casa, Minha Vida guarda semelhan�as com os empreendimentos do BNH [Banco Nacional de Habita��o]: grandes condom�nios feitos em escala quase industrial, beneficiando muito as construtoras.
Quais empreiteiras mais cresceram durante o regime?
O crescimento mais impressionante foi o da Odebrecht. Era uma pequena empresa regional, com alguma import�ncia no Nordeste, e come�ou a crescer quando construiu o edif�cio-sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. A partir da�, saiu do Nordeste e fechou contratos estrat�gicos da ditadura, como a obra do aeroporto de Gale�o e da usina Angra 1. No final da d�cada de 70, iniciou a atua��o no exterior e, na d�cada seguinte, come�ou a fazer fus�es e aquisi��es.
A forma como essas empresas influenciam as decis�es do Estado se mant�m?
Hoje, assim como na ditadura, elas n�o atuam de forma individual. Claro que alguns dos maiores empreiteiros t�m rela��o direta com alguns pol�ticos. Mas a maioria dessas empresas tem sindicatos e organiza��es que levam ao Estado projetos de obras, tentam pautar pol�ticas p�blicas e for�am o direcionamento do or�amento.
Mas muito mudou. Se elas t�m saudade da ditadura, � porque eram ainda mais poderosas naquela �poca. Hoje, h� menos obras e elas n�o t�m acesso t�o f�cil ao Estado. O mecanismo de atua��o pol�tica dos empres�rios, que era mais direcionado ao Executivo e �s agencias, foi diversificado. O trabalho passou a ser junto ao Legislativo e aos partidos, por meio de financiamento das campanhas.
O senhor considera o financiamento de campanhas um dos motores da corrup��o ligada a essas empresas?
N�o � um motor, mas uma pe�a muito importante. O financiamento empresarial compromete toda a gest�o futura. Se o empres�rio est� pagando, ele vai ter poder sobre o governo que vai ser eleito. � a l�gica de que quem financia governa junto.
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RAIO-X
Pedro Henrique Pedreira Campos
IDADE
31 anos
FORMA��O
Hist�ria, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). � mestre e doutor pela mesma institui��o
CARREIRA
Leciona pol�tica externa na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Al�m de "Estranhas Catedrais", publicou os livros "Nos Caminhos da Acumula��o" (2010), "Ensaios de Hist�ria Econ�mico-Social" (2012)
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