Rep�rter-fotogr�fica foi a �nica a registrar, sob clima tenso, vel�rio de Herzog
RESUMO - Em outubro de 1975, com apenas 19 anos, a rep�rter-fotogr�fica Elvira Alegre foi a �nica pessoa a registrar o vel�rio do jornalista Vladimir Herzog. Vlado foi torturado e assassinado na sede do DOI-Codi de S�o Paulo. Na �poca, o Ex�rcito informou que Herzog se enforcara, mas seus familiares e amigos n�o aceitaram a vers�o. O vel�rio e o sepultamento transcorreram sob clima tenso.
*
Sergio Ranalli - 25.set.2014/Folhapress | ||
![]() |
||
A rep�rter fotogr�fica Elvira Alegre, �nica pessoa que registrou imagens do vel�rio de Vladimir Herzog |
Eu me tornei rep�rter-fotogr�fica por acaso. Era final de 1974, morava em Londrina (PR) e estudava para o vestibular de medicina. Mas uma colega disse que havia vaga para estagi�rios em um jornal novo na cidade, e fui ver o que era.
Tratava-se do "Panorama". Gostei daquele mundo.
Foram contratados Narciso Kalili, Mylton Severiano da Silva, Hamilton Almeida Filho. Perguntaram o que eu queria fazer.
Respondi, do nada, que pretendia fotografar.
Me deram filme e m�quina e mandaram que fosse para a rua fazer um teste. Fui aprovada. Era um mundo encantador. Logo comecei a namorar o Hamilton.
Passei a trabalhar, cumprir pautas. Ficava at� a madrugada no jornal esperando a impress�o para ver no papel o que hav�amos produzido.
Elvira Alegre - 25.out.1975 | ||
![]() |
||
O jornalista e escritor Audalio Dantas chora ao lado do caix�o do jornalista Vladimir Herzog |
Enquanto isso, meu pai pensava que eu estudava na casa de uma amiga. Quando soube, ficou aborrecido.
Pouco depois, Narciso e Mylton foram demitidos. V�rios jornalistas pediram demiss�o em solidariedade, inclusive Hamilton e eu.
Fomos morar em S�o Paulo, onde boa parte desse pessoal voltou a tocar o jornal "ex-", que j� produziam antes da aventura em Londrina.
Mylton, Hamilton e eu fomos morar na casa do jornalista Paulo Patarra. Eu n�o conhecia o [Vlado] Herzog [no Brasil, o jornalista adotou o prenome "Vladimir", por considerar que Vlado era muito ex�tico]. Quem o conhecia bem era o Mylton. E foi ele que atendeu o telefone na madrugada de 26 de outubro, um domingo.
MATARAM O VLADO
Era um funcion�rio da TV Cultura: "Mataram o Vlado".
Foi um choque. Afinal, era um jornalista que havia sido morto pelo Estado. Decidimos que o [jornal] "ex-" faria a cobertura do vel�rio e do sepultamento. Na segunda-feira bem cedo fomos para o vel�rio no hospital Albert Einstein. Quando chegamos, o corpo estava l�, no caix�o fechado. O clima era pesad�ssimo.
Hamilton me encorajou, disse que n�o era para ter medo. "P�e a m�quina na cara e fotografa", foram as palavras dele. Eu tive medo, mas tinha 19 anos, n�o sabia a dimens�o do perigo. Fotografar aquilo n�o era prudente, tanto que ningu�m mais o fez.
V�rias fotos se tornaram emblem�ticas. Uma das mais famosas � a de Aud�lio Dantas, ent�o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de S�o Paulo, diante do caix�o.
Ele chegou, parou, tinha um len�o no lugar do quip�, e eu fiz a foto. Ela mostra a impot�ncia diante do absurdo que aconteceu.
Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de S�o Paulo, eu tamb�m fotografei diante do caix�o, compenetrado, em absoluto sil�ncio.
Testemunhei o desespero de Clarice, mulher do Vlado, a tristeza de dona Zora, m�e dele. Tudo era muito tenso.
No cemit�rio havia mais gente filmando. N�o era poss�vel saber quem era jornalista ou agente da ditadura.
Vlado era judeu, e o fato de ser sepultado no centro do cemit�rio, e n�o em �reas marginais, como determina o juda�smo para suicidas, era o grito definitivo de que ele havia sido assassinado.
Quando tudo terminou, eu passei mal. Pensamos que era por causa da tens�o, do calor. Mas alguns dias depois eu soube que estava gr�vida.
SEM FOTOS
O "ex-" com a mat�ria sobre a morte de Herzog, sem passar pela censura, foi para as bancas sem minhas fotos. Cheguei a ampliar algumas, mas o pessoal tinha pressa, e por isso n�o usaram. Os 50 mil exemplares foram vendidos, e saiu uma edi��o extra.
Dias depois, decidimos abandonar a Reda��o. Era certo que a pol�cia iria aparecer. Peguei o filme com as fotos. A pol�cia realmente apareceu e empastelou [danificou] tudo.
Na sequ�ncia, trabalhei no [jornal] "Aqui S�o Paulo", com o Samuel Wainer, e na televis�o.
Em 1984, voltei a Londrina. Em 25 de outubro de 1985, eu estava no laborat�rio de fotografia da "Folha de Londrina" quando um colega veio me mostrar um exemplar da Folha de S.Paulo com aquela foto do Aud�lio diante do caix�o do Vlado.
A legenda dizia que a foto era de minha autoria e tinha ficado in�dita por dez anos.
Acontece que o tamb�m jornalista D�cio Nitrini, que trabalhara comigo no "ex-", guardou uma daquelas fotos que eu havia ampliado. Como estava trabalhando na Folha, ele a publicou. Da� em diante, essa foto foi publicada no mundo inteiro.
Nunca ganhei um tost�o com as fotos do Vlado.
Recentemente, doei todas para o Instituto Vladimir Herzog, com a �nica exig�ncia de que, quando se publique a foto tamb�m se conte o contexto em que foram feitas. Eu tive a sorte de estar l�. E tamb�m tive coragem.
Foi a partir do Vlado que come�ou a abertura [pol�tica] no pa�s. Acho que demoraria mais sem a hist�ria dele. Eu estava l�, sou mem�ria viva.
Livraria da Folha
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenci�rio
- Livro analisa comunica��es pol�ticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade