Ao que tudo indica, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentará seu primeiro teste relevante no Congresso não com discussões em torno de projetos de lei, mas com o debate perfunctório sobre a criação de uma comissão parlamentar para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro.
O presidente, alguns dias depois dos ataques tresloucados em Brasília, deixou claro que não endossaria a instalação do colegiado.
Argumentou, e a história é sua melhor evidência, que a dinâmica de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) acaba por atrapalhar a rotina do governo, deslocando atenção e energia dos congressistas para um palco infértil do ponto de vista da agenda legislativa.
Verdade que, sob a perspectiva do interesse nacional, impõe-se como prioridade não só esclarecer o vandalismo antidemocrático protagonizado por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) como também processar e julgar os partícipes da trama criminosa, sobretudo seus líderes e financiadores.
Mas não se pode tirar a razão de Lula quando pondera que o episódio já é objeto de inquéritos no Supremo Tribunal Federal, onde as apurações avançam a passos largos.
Daí por que a CPI teria mesmo pouca serventia —salvo no que diz respeito aos interesses da oposição, ávida por usar o colegiado como fonte de desgaste do governo.
O problema de Lula é que já se coletaram as assinaturas necessárias para criar não uma, mas duas comissões: uma exclusiva do Senado e a outra mista, composta por senadores e deputados.
Com isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avisou que, cumpridos os requisitos, não poderá travar nenhum pedido de investigação. Assim que houver uma sessão conjunta do Congresso, ele formalizará a instalação do colegiado parlamentar.
Ao governo petista resta apenas um recurso: convencer os congressistas a retirarem seus nomes do requerimento de criação da CPI.
A situação é insólita porque entre os signatários estão parlamentares de partidos considerados da base lulista. Se resistirem ao apelo do Palácio do Planalto e mantiverem as assinaturas, mostrarão que os aliados do governo são ainda menos confiáveis do que se supunha à primeira vista.
Por outro lado, caso a articulação governista seja bem-sucedida, Lula demonstrará mais força do que parecia ter a princípio, dado que uma CPI requer o apoio de apenas um terço de cada Casa —171 deputados e 27 senadores.
A ironia é que, neste caso, o governo não terá mais desculpa para não tocar sua pauta legislativa —o que até agora foi incapaz de fazer.
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