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Renato Stanziola Vieira, Maria Carolina Amorim e Vinícius Assumpção

O que faremos depois de 8 de janeiro?

Na democracia não existe mito, herói; país não pode correr risco de repetir erros

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Renato Stanziola Vieira, Maria Carolina Amorim e Vinícius Assumpção

Respectivamente, presidente, 1ª vice-presidente e 2º vice-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

Uma semana depois da festa cívica que coroou o exercício da vontade popular por meio do voto secreto, universal e periódico, o país sofreu o pior ataque da história da República desde 1988. Diante do mais duro golpe à democracia, feroz ao atingir o âmago das simbólicas instituições, os líderes dos Poderes correram para tomar as medidas mais eficazes a socorrê-las e a população como um todo. A democracia sofreu ultraje covarde e inacreditável.

Feito o diagnóstico, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, além de repudiar veementemente o ataque, oficiou aos chefes dos Poderes constituídos, colocando-se à disposição para o fortalecimento da democracia. Ofereceu esforços para ações concretas, acompanhamento de investigações e análise do necessário à mais rápida volta à normalidade.

Esclarecido isso, e enfatizada a solidariedade inalienável para a realização do Estado democrático de Direito, deve-se pontuar, contudo, que na democracia não existe mito, herói. O país mal se livrou dos emblemas de uma e outra figura perniciosa e não pode correr o risco de repetir o erro, entregando os anseios pela reconfiguração democrática aos exercícios de poder em uma ou outra pessoa, ainda que com as melhores intenções.

O Poder Executivo tomou decisão política ao decretar a intervenção no Distrito Federal para debelar o comprometimento da ordem pública, em atitude a indicar que há motivos para corrigir a inoperância (por aparentemente deliberada omissão em prever e conter os bárbaros atos preparados) de um ente federativo.

Do Poder Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal, se espera a continuidade do comportamento de guardião da Constituição. A corte e sua respeitabilidade são particular patrimônio a ser protegido. Há investigação a seguir, audiências de custódia a serem realizadas, direitos a serem observados —inclusive dos indivíduos envolvidos nos gravíssimos atos testemunhados. O exemplo de controle contra o autoritarismo, da tábua de salvação para a observância dos direitos individuais, deve vir do STF, que não deve perder a serenidade e responsabilidade por reerguer a combalida democracia.

Nenhum argumento deverá ser aceito para justificar atropelos no tratamento dos direitos de cidadãos, por mais abjetos e vis que sejam os atos porventura praticados, a ser objeto de investigação séria e profunda para identificar mandantes e instigadores, possivelmente com poderio econômico e político a insuflar a horda de cidadãos que executaram os piores ataques ao país. Ainda assim, algo que se assemelhe a uma cruzada contra os inimigos da democracia não deve fazer parte do cotidiano do Poder Judiciário.

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, atento ao plano do Ministério da Justiça e Segurança Pública de elaboração de projetos de lei com vistas a coibir ataques tão inimagináveis como os vistos no último dia 8, reitera a disposição em, com olhos na dignidade da pessoa humana e na percepção de que o direito penal e o direito processual penal são remédios amargos que supõem aplicação criteriosa e parcimoniosa, cooperar criteriosamente com os atos a serem implementados. E na atuação que se espera do Supremo, entidade secular na proteção dos direitos fundamentais e pilar da democracia brasileira, firma-se o compromisso de envidar todos os esforços para a cooperação sempre que demandado.

Não se defende postura leniente com quem quer seja. Todos os brasileiros e brasileiras, como vítimas do pior ataque de que sem tem notícia recente, tem a mesma legitimidade de ver a rigorosa aplicação da lei aos algozes do país. Mas o combate aos atos que tentaram colocar de joelhos a democracia brasileira não pode ser feito às custas de mais violações de direitos.

Em momentos dramáticos, há um teste a ser feito para a defesa da democracia: o da reação dentro do sistema de garantias instituído pela Constituição. Não há outra regra a ser seguida. Dentro das regras do Estado democrático de Direito é que se deve atingir a solução.

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