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Luis Fernando Lopes

O custo de falsos dilemas

Rigidez orçamentária é forma conveniente de vedar debate sobre prioridades

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Luis Fernando Lopes

Economista-chefe e sócio do Pátria Investimentos

O Congresso Nacional acaba de promulgar a emenda constitucional 126. Esta decorre da PEC 32/2022, aquela conhecida como a da Transição ou a da Gastança, dependendo das simpatias políticas do leitor. Ela é mais um exemplo da predileção brasileira por analisar problemas complexos através de falsos dilemas. Neste caso, a discussão foi posta nos seguintes termos: ou bem a disciplina fiscal ou bem a responsabilidade social.

A simplificação grosseira das opções socioeconômicas disponíveis tem longa história em terra brasilis. Ou se pagava a dívida externa ou se permitia o desenvolvimento soberano do país. Ou se combatia a inflação ou se promovia o crescimento econômico, e por aí se foi. Restou clara a falácia daqueles argumentos e deve se tornar ponto pacífico que compromissos com a responsabilidade social são inviáveis em um contexto de instabilidade macroeconômica derivada de desatino fiscal. Menos evidente, contudo, é uma outra dimensão deste debate.

A versão original do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) para o exercício de 2023 previa despesas de R$ 5,2 trilhões (pouco mais de US$ 1 trilhão ao câmbio atual). O orçamento fiscal e de seguridade social respondia por 58% do total, mais precisamente R$ 3 trilhões. São valores gigantescos sob qualquer critério. Já o "miolo" da famigerada PEC 32/2022 estipulava que R$ 145 bilhões relacionados a programas como Auxílio Brasil, Auxílio Gás e Farmácia Popular ficariam fora do teto de gastos federais. Isso equivale a 8% da parcela puramente fiscal do Ploa, ou seja, aquela que exclui as rubricas pertinentes à seguridade social e aos investimentos públicos.

Por que não foi possível acomodar dispêndio tão justificável dentro do Orçamento e do teto? Porque a margem de manobra para realocação de dispêndio fiscal dentro do Orçamento brasileiro é mínima. Os pagamentos obrigatórios —aqueles que dificilmente podem ser reduzidos ou que são incomprimíveis— perfazem 94% do total. Assumir que todos esses gastos são imprescindíveis é risível. Na verdade, há base racional para afirmar o contrário.

As estatísticas do Banco Mundial (Indicadores de Desenvolvimento Global) revelam que, no Brasil, subsídios e transferências representaram em média 58% das despesas do governo central entre 2010 e 2019, o que é bem insólito. A média da América Latina e do Caribe no período foi de 36%, e a mundial, 42%.

Provavelmente tem muito dinheiro há muito tempo sendo automaticamente direcionado para vários programas e ações que são no mínimo questionáveis. A rigidez orçamentária é maneira conveniente de impedir a análise de sua legitimidade e vedar o debate sobre prioridades.

Evitar (mais uma vez) o debate sobre qual é o melhor uso social do enorme volume de recursos orçamentários é deplorável do ponto de vista político, pois se perde a oportunidade de se avançar na proposta de colocar de verdade o pobre no Orçamento e tirar o rico dele. Mas os problemas não terminam aí.

Deixar de atacar a rigidez orçamentária e optar por outra rodada de aumento do gasto público, junto com o retalhamento do aparato governamental, revela predileção por formas pouco republicanas de arregimentar apoio parlamentar, como está ficando claro no processo de formação do novo governo.

Ademais, a retomada do ativismo estatal demandará elevação de impostos para evitar o aparecimento de uma cratera no Orçamento. Ocorre que aumentar a carga tributária quando as receitas do governo central já são expressivas, 29% do PIB em média entre 2010 e 2019 (as percentagens de América Latina/Caribe e do mundo foram 24% e 23%, respectivamente), não é proposição trivial.

Sem uma âncora fiscal crível, não espanta que a taxa real de juros doméstica projetada para os próximos 12 meses tenha saltado para cerca de 8% ao ano. O efeito depressivo sobre o investimento agregado já contratou forte desaceleração da atividade econômica para 2023. Altos são os custos de falsos dilemas.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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