A brutal intervenção eleitoreira promovida por Jair Bolsonaro (PL) na economia e na despesa pública teve como principal medida, sem dúvida, o aumento do Auxílio Brasil. Se a ampliação da assistência social era um imperativo do pós-pandemia, o improviso e o oportunismo de Executivo e Congresso gerou distorções graves que vão desafiar a próxima gestão.
Para início de conversa, sobressai o impacto orçamentário. Só a elevação repentina do benefício de R$ 400 para R$ 600, que o candidato promete estender indefinidamente se reeleito, já acarretou dispêndio de R$ 10,9 bilhões adicionais desde agosto, segundo levantamento do portal UOL.
Não para por aí. Somem-se na súbita prodigalidade o aumento precipitado de beneficiários, os empréstimos consignados da Caixa vinculados aos pagamentos futuros, auxílios para caminhoneiros, taxistas e aquisição de gás.
Ninguém sabe ao certo como o futuro presidente, qualquer que seja, cobrirá o rombo crescente. O Orçamento para 2023 enviado ao Legislativo não dá conta do atual gasto assistencial, enquanto outras áreas prioritárias, como educação e ciência, vivem sob ameaça de cortes de verbas.
O caráter açodado das medidas ocasiona outro problema: a desorganização do Cadastro Único, ferramenta indispensável na modernização da assistência social prestada pelo Estado brasileiro. Talvez o melhor exemplo desse desvio esteja na explosão recente do número de famílias unipessoais.
O aumento inaudito foi objeto de reportagem do jornal Valor Econômico. Unidades familiares com uma só pessoa passaram de 3,78 milhões, em julho, para 5,32 milhões, em setembro. Compunham 15,2% do cadastro em novembro de 2021; hoje são nada menos que 25,8%.
Não existe explicação demográfica imaginável para tamanho salto. A razão mais plausível é o desenho descuidado das sucessivas mudanças introduzidas pelo governo Bolsonaro no antigo Bolsa Família, turbinado como Auxílio Brasil.
Criou-se um piso de pagamento que não considera o número de integrantes da família. Em outras palavras, um incentivo claro para que a composição das famílias se fragmente de modo artificial, para não dizer fraudulento.
Seria tão fácil quanto de um moralismo vazio incriminar pelo expediente famílias que mal sobrevivem com até R$ 210 de renda por pessoa. Cabe ao poder público fechar brechas para a deturpação e a perda de eficiência de políticas sociais, mas não há como esperar mais que descaso de um governo que neste momento só tem olhos para os impactos eleitorais.
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