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Georges Abboud e Silvio Almeida

O Supremo Tribunal Federal e três desafios

Corte deve se pronunciar sobre dilemas nacionais

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Georges Abboud

Advogado, livre-docente e professor da PUC-SP

Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade Columbia (EUA) e colunista da Folha

Nas últimas décadas tem-se observado o aumento do protagonismo e da importância da jurisdição constitucional. A jurisdição constitucional é, na sintética definição de Hans Kelsen, "a garantia jurisdicional da Constituição" e tem por objetivo assegurar o exercício regular das funções estatais por meio do controle da constitucionalidade de atos administrativos e legislativos. No Brasil, essa tarefa é exercida precipuamente pelo Supremo Tribunal Federal.

A arquitetura das democracias contemporâneas é atrelada à figura da jurisdição constitucional, dado que esta tem por missão primordial estabelecer os limites jurídicos da atuação do poder público.

A decomposição acelerada das condições econômicas e a dificuldade crescente das instituições políticas em responder aos graves problemas sociais têm arrastado o Supremo para o centro das grandes controvérsias nacionais. Em função desse cenário, apontamos o que podem ser três dos maiores desafios da jurisdição constitucional brasileira nos próximos anos.

O primeiro é a desigualdade. O maior problema socioeconômico brasileiro tem sido objeto constante da jurisdição constitucional. A desigualdade é questão multidimensional que, além da pobreza, tem na discriminação de minorias uma de suas faces mais visíveis.

Nesse sentido, vale destacar a atuação da corte em relação à política de cotas raciais e, mais recentemente, no que foi apelidado como "caso das favelas", em que, em nome da proteção aos direitos humanos, foi determinada uma série de restrições para a realização de operações policiais nessas comunidades.

Ainda no que tange à proteção das minorias, nos últimos anos o Supremo afirmou a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo gênero e se opôs à sordidez do discurso legitimador do feminicídio ao declarar inconstitucional o uso do argumento de "legítima defesa da honra" como excludente de ilicitude. Do mesmo modo, a jurisdição constitucional tem albergado a batalha pela defesa dos direitos da população indígena e pelos mecanismos de preservação ambiental, atacados ora por empresas, ora por governos que andam a reboque do poder econômico.

O segundo grande desafio é a salvaguarda das instituições democráticas. Já compreendemos que medidas autoritárias, na maior parte das vezes, nascem de dentro do sistema e atacam endogenamente as instituições, não mais sendo os métodos do golpe de Estado tradicional a primeira opção. Nessa vereda, o Supremo tem sido uma barreira institucional ao autoritarismo à medida em que vem: assegurando o pacto federativo brasileiro (altamente tensionado ao longo da pandemia); garantindo a credibilidade das eleições brasileiras; assegurando o regular funcionamento do Legislativo (caso da instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito); impondo mecanismos de transparência ao que ficou conhecido como "orçamento secreto".

O terceiro grande desafio é lidar com os efeitos políticos das "novas tecnologias". Vários são os dilemas que se apresentam diante das transformações sociais operadas pela tecnologia. São exemplos o problema das fake news, do tratamento de dados, da criptografia e da inteligência artificial, temas com grande impacto sobre o sistema jurídico.

A ausência de uma regulação adequada sobre o uso das novas tecnologias pode concorrer para o aumento da desigualdade, bem como para a erosão e a perda de credibilidade das instituições democráticas. Todos os três, em maior ou menor grau, retroalimentam-se e exigem um tratamento complexo.

Diante de tais desafios, a jurisdição constitucional terá que ser exercida de modo cuidadoso, e sua função precisa ser constantemente aperfeiçoada e fiscalizada. Porém, nunca ameaçada —e tampouco descredibilizada.

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