A Folha demonstrou recentemente que, apesar dos discursos do ministro Paulo Guedes (Economia) de que iria diminuir as desonerações fiscais, tendo diversas vezes criticado "os piratas privados e burocratas corruptos" que se apropriam de recursos públicos, o governo Jair Bolsonaro aumentou o volume de subsídios e créditos fiscais.
O diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) Josué Pellegrini chama a atenção para o fato de que não houve qualquer mudança na legislação. Enquanto os benefícios tributários no Orçamento de 2018 foram de R$ 321,4 bilhões, valor atualizado pela inflação, o projeto de Orçamento de 2022 estima um total de R$ 371,1 bilhões em incentivos tributários.
Já em 2017, a então ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) observou que desonerações fiscais não servem de incentivo suficiente para que os empresários aumentem investimentos: quando pagam menos impostos, preferem aumentar a margem de lucro a investir em geração de emprego e renda. Em entrevista concedida depois de uma reunião da Organização Mundial do Comércio, em Genebra, a presidenta Dilma fez a seguinte declaração: "Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de investimentos. Eu diminuí e me arrependo disso. No lugar de investir, eles (os empresários) aumentaram a margem de lucro".
Essas duas observações são importantes na reflexão sobre como poderá o Brasil cumprir efetivamente a lei 10.835/2004, que institui, por etapas, a renda básica de cidadania até chegarmos à sua universalidade e incondicionalidade. Em verdade, enquanto o programa Bolsa Família tem, em 2021, um orçamento de R$ 34,7 bilhões, previstos para beneficiar 14,7 milhões de famílias mais pobres, podemos constatar que os benefícios fiscais e creditícios significam, com poucas exceções, uma transferência de renda em benefício das pessoas mais ricas em valor bem maior.
Quando o professor Ricardo Paes de Barros, do Insper, um dos mais distinguidos pesquisadores do tema, diz que o importante é fazer as transferências chegarem aos que mais precisam, eu o conclamo a refletir a razão pela qual os maiores estudiosos do assunto chegaram à conclusão de que, para beneficiar os que mais precisam, muito melhor será pagar a todas as pessoas, de forma incondicional, a renda básica de cidadania.
Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal acatou o mandado de injunção impetrado pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, pela qual o governo federal deverá regulamentar a renda básica de cidadania, com efeito a partir de 2022, a ser paga a todas as pessoas abaixo da linha da pobreza.
No dia 20 de outubro fez 18 anos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou o Bolsa Família, que teve resultados positivos com respeito à diminuição da desigualdade, da fome e da pobreza.
Sem maior debate com os estudiosos do tema, o presidente Bolsonaro extingue o programa através de medida provisória, que cria nove diferentes programas, com regras que não avançam em direção à renda básica de cidadania.
Se viermos a somar os benefícios fiscais concedidos, R$ 371 bilhões, e o Bolsa Família, R$ 35 bilhões, teríamos um total de aproximadamente R$ 406 bilhões. Divididos por 213 milhões de habitantes, significaria R$ 1.906 por ano por brasileiro, ou R$ 158 por mês. Numa família de pai, mãe e três crianças, equivaleria a uma renda básica de cidadania de R$ 790 por mês, valor muito maior que o proposto pelo programa Auxílio Brasil. Se acrescentarmos as demais formas de transferência de renda, poderíamos ter um valor ainda maior.
Qual será a maior vantagem? Além de eliminarmos toda e qualquer burocracia em se precisar saber quanto cada um ganha, no mercado formal ou informal, ampliaremos o grau de liberdade de cada pessoa. Seria finalmente possível, como nos convoca o papa Francisco em "Vamos Sonhar Juntos" (2020, Intrínseca), garantir a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Tudo isso de forma progressiva, de forma que quem tem mais contribua proporcionalmente mais para que isso venha a ocorrer.
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