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Wagner Costa Ribeiro

Organizar a fila da vacina

Imunizar primeiro quem está mais vulnerável não é escolha, é obrigação

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Wagner Costa Ribeiro

Geógrafo, é professor titular do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP); organizador do livro ‘Covid-19: passado, presente e futuro’ (disponível gratuitamente no Portal de Livros da USP)

Vacinar uma população como a brasileira é um enorme desafio. A geografia do país expressa uma grande desigualdade social.

A população que vive no Brasil está concentrada em metrópoles nacionais, metrópoles regionais e cidades médias que, de algum modo, podem ser alcançadas pela rede de infraestrutura de transporte. Mas uma parcela expressiva encontra-se dispersa por meandros de rios, como a que vive em parte da Amazônia e do Pantanal. Para este contingente, a logística envolve necessariamente apoio naval. Outra parcela vive no interior, em pequenas cidades ou afastada de núcleos urbanos, que também merecem uma atenção especial de quem vai distribuir as diferentes vacinas aprovadas.

O Plano Nacional de Operacionalização de Vacinação contra a Covid-19 veio a público, após pressão do STF, na última quarta-feira (16). Ele reafirmou o SUS como estrutura para a campanha de vacinação, sem data para iniciar. Inicialmente, serão vacinados profissionais de saúde, adultos com mais de 80 anos (decrescendo até 60 anos) e pessoas com mais risco de desenvolver um quadro agudo da Covid-19 por apresentar algumas doenças.

Também são citados os profissionais da educação, os de segurança pública, a população carcerária e a que está em situação de rua, povos indígenas aldeados e comunidades tradicionais, ribeirinhas e quilombolas e os trabalhadores dos sistemas de transporte coletivo. A dificuldade está em quem vacinar depois. Quais grupos sociais devem ser priorizados?

A vida urbana mobiliza inúmeros trabalhadores e trabalhadoras que utilizam o transporte público, em geral lotado, para deslocamento. Outro contingente exposto ao risco da contaminação pelo vírus é o que recebe auxílio emergencial, não apenas pelas longas filas que enfrentaram para sacar o dinheiro, mas porque são os que estão em condições mais vulneráveis que os anteriores.

Portanto, o primeiro critério a definir a sequência de candidatos a receber a vacina deveria ser a vulnerabilidade social. Desse modo, após os idosos e profissionais de saúde, devem ser vacinados os que receberam o auxílio emergencial e, depois, os que enfrentam o transporte público todos os dias para trabalhar. Ou seja, vacina-se primeiro quem está mais vulnerável. Aqueles que conseguem desenvolver suas funções laborais em sua residência estão evidentemente menos expostos à contaminação e podem esperar mais pela vacina que quem necessita sair de casa para garantir sua renda, seja por uma atividade informal ou não.

Por fim, mas não menos importante, é preciso deixar claro que a vacina será oferecida à toda à população por meio do SUS. Cabe ao Estado oferecer este serviço à população que vive no Brasil. Será, inclusive, uma excelente oportunidade de mostrar sua relevância e centralidade na promoção da saúde no país.

Iniciativas que procurem oferecer imunização por serviços privados devem ser proibidas no contexto da grave pandemia que enfrentamos.

Vacinar quem está mais vulnerável não é uma escolha, é uma obrigação, dada as características sociais da geografia da população do Brasil.

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