A experiência no enfrentamento da Covid-19 já nos permite concluir que este vírus afeta não somente o sistema respiratório, mas também o cardiovascular em mais de 20% dos hospitalizados. Pacientes com doenças cardíacas crônicas e outros fatores de risco, como hipertensão, diabetes, obesidade, idade avançada e doença cerebrovascular estão mais sujeitos a novas complicações, tais como infartos, miocardites, isquemia e tromboses, agravantes do quadro clínico.
O American College of Cardiology publicou recentemente que a mortalidade entre entre pacientes com Covid-19 e doenças cardiovasculares chega a 10,5%. Nesses pacientes, o risco de morte é até quatro vezes maior.
Os quadros clínicos são complexos, apresentando-se como infarto do miocárdio, nem sempre com a usual obstrução coronária, mas decorrentes de inflamação e espasmos nessas artérias. O músculo cardíaco também é afetado pela inflamação e pela infecção viral ou pelo estresse, como na “síndrome do coração partido”, podendo evoluir com dilatação, insuficiência cardíaca, congestão pulmonar e até choque cardiogênico. As frequentes alterações da coagulação propiciam a formação de trombos e a ocorrência de tromboembolismo pulmonar, agravando o quadro cardiocirculatório e aumentando a mortalidade. Essas complicações são mais frequentes naqueles que têm doença cardíaca crônica, mas não isenta os previamente sadios.
Também são comuns palpitações devido a arritmias cardíacas, em decorrência da miocardite ou do efeito pró-arrítmico de algum dos medicamentos usados, caso da hidroxicloroquina. Mas não podemos ignorar o papel do estresse.
O momento é de ansiedade e medo. A probabilidade de contágio, o isolamento prolongado, as potenciais dificuldades financeiras são fatores estressantes classicamente considerados determinantes ou agravantes de disfunção cardíaca e principalmente de arritmias, algo comum também em catástrofes e guerras.
O que ocorre nessa pandemia é que as pessoas têm evitado os serviços de emergência, por receio de contágio, e há relatos de mortes por problemas cardiológicos devido à falta de assistência. Os que são atendidos tardiamente apresentam aumento de até 300% na mortalidade. A significativa redução dos movimentos nos serviços de cardiologia dos hospitais é prova disso. A exemplo do Albert Einstein, em São Paulo, muitos hospitais separaram o atendimento aos infectados por Covid-19 do fluxo normal, porque não se pode pôr em risco a assistência geral.
Os efeitos de curto e longo prazo do Covid-19 em relação ao sistema cardiovascular ainda não são totalmente conhecidos, sendo necessárias maiores investigações. Essa luta deve nos mover, assim como a busca por saúde de qualidade no sistema público. Com políticas públicas melhor direcionadas e o emprego de pequena porcentagem dos investimentos emergenciais hoje destinados a enfrentar essa pandemia, podemos fortalecer o SUS (Sistema Único de Saúde), que tem concepção e estruturas eficientes e desempenho louváveis, considerando o baixo aporte de capital destinado hoje pelas autoridades competentes. São muitos os desafios.
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