Não se podem desconhecer os percalços enfrentados por Roraima —que tem o menor Produto Interno Bruto entre os estados brasileiros— com o fluxo de venezuelanos a entrar em seu território fugindo da tragédia política, econômica e social do país vizinho.
Para a população diminuta, de pouco mais de 500 mil habitantes, a presença de estimados 40 mil imigrantes só na capital, Boa Vista, é certamente motivo de preocupação com os parcos recursos disponíveis em serviços públicos e infraestrutura. É imperativo, sem dúvida, o amparo do governo federal.
É preocupante, porém, a forma como políticos e autoridades locais têm tratado essa situação às vésperas das campanhas eleitorais. Ações e discursos discriminatórios abusam da demagogia oportunista e não raro ameaçam alimentar um sentimento xenófobo.
A governadora Suely Campos (PP), que busca um novo mandato, assinou um decreto que condicionava o acesso dos venezuelanos às redes de saúde e de educação à apresentação de um passaporte, documento que somente uma pequena minoria possui.
O juiz Helder Girão Barreto suspendeu a medida, mas proibiu a entrada de pessoas pela fronteira; a decisão logo seria derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao justificar seu ato, o governo estadual atribuiu aos imigrantes o surto epidêmico de sarampo e a recente onda de violência em Roraima. Falaciosas, as acusações ocultam fragilidades do poder público.
É fato que os recém-chegados trouxeram a doença. Mas o que se desnudou, em particular, foi a grave deficiência de cobertura vacinal da região. É eloquente, nesse sentido, a comparação com a Colômbia —que já regularizou 820 mil venezuelanos, sem um surto.
Menos ainda se pode atribuir a violência ao fluxo imigratório. Desde o fim de 2016, Roraima não consegue controlar o capítulo local das guerras das facções nacionais do tráfico, a gerar dezenas de mortes dentro e fora dos presídios.
Disseminado entre outras candidaturas, o discurso contra venezuelanos explora de forma perigosa transtornos reais —e também ignorância e preconceito. Tende a agravar um problema cujo desfecho ainda está distante.
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