LUCIANA TEMER: Vamos falar de explora��o sexual infantil?
Marlene Bergamo - 11.jan./2016/Folhapress | ||
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Luciana Temer, quando era secret�ria de Assist�ncia Social de S�o Paulo, em 2016 |
No fim do ano passado, fui convidada pelo filantropo Elie Horn para criar e estar � frente do Instituto Liberta, que tem como foco o enfrentamento da explora��o sexual de crian�as e adolescentes no Brasil. � �poca, lhe fiz a mesma pergunta que impreterivelmente me fazem: "Com tantas mazelas sociais, por que o senhor escolheu esse tema?"
E ele me deu duas respostas, uma ligada � sua convic��o religiosa: "Porque Deus me deu essa miss�o"; e outra � sua sensibilidade social: "Porque ningu�m fala do assunto". Interessa-me discutir a segunda.
Ap�s um ano de peregrina��o falando do tema, constatei que ele tinha raz�o. H� uma ignor�ncia total sobre a quest�o. Primeiro, porque as pessoas confundem abuso com explora��o sexual. O abuso, que se d� normalmente na rela��o intrafamiliar, ou com pessoas conhecidas, no qual a crian�a � submetida a atos sexuais, � diferente da explora��o, na qual o sexo � pago.
N�o obrigatoriamente em dinheiro, mas em qualquer coisa, como comida, roupa ou mesmo uma carona. A primeira situa��o � conhecida e gera indigna��o social, afinal, h� uma v�tima e um crime terr�vel. No segundo, como em muitos casos a menina ou menino acha que est� "escolhendo" fazer isso, a viol�ncia n�o � imediatamente percebida pela maioria das pessoas, que nem mesmo enxerga o ato como criminoso. A figura da v�tima some.
Ao jogar luz sobre a quest�o e contar que s�o cerca de 500 mil meninas e meninos explorados sexualmente no Brasil, a maioria deles entre 7 e 14 anos, queremos descortinar uma nuvem de fuma�a que encobre essa pr�xis t�o naturalizada por aqui. Afinal, como n�o se incomodar com esses dados?
A resposta para tamanha naturaliza��o da pr�tica no pa�s talvez esteja em parte no estudo realizado pela Ecpat (ONG internacional de combate � explora��o sexual), publicado no ano de 2016, sobre turismo sexual no mundo (esclare�a-se que o turismo sexual � s� recorte da explora��o sexual, que se d� de diversas outras formas).
Ao analisar a situa��o na Am�rica Latina, uma das conclus�es � que o machismo ainda imperante, que v� a mulher como objeto sexual, � um dos entraves para o enfrentamento desse crime. Acredita-se que, de cada dez explorados sexualmente, oito sejam meninas. Portanto, estamos falando tamb�m de uma quest�o de g�nero.
H� dois outros dados importantes conexos ao tema: o Brasil � o quarto pa�s do mundo em n�mero de casamentos infantis e, apesar de podermos comemorar a queda nos �ndices de natalidade, temos que lamentar que ela permanece alta e est�vel entre meninas de 10 a 14 anos.
Nas minhas andan�as, costumo enfatizar que a explora��o sexual de crian�as e adolescentes � uma grande viola��o de direitos humanos, na medida em que impede o desenvolvimento normal e integral dessas pessoas. Mas o argumento da dignidade humana, infelizmente, n�o comove a todos.
Ent�o, temos outro argumento bem pragm�tico, que � o enorme custo social de fecharmos os olhos para essa situa��o. Afinal, essas meninas engravidam precocemente, adquirem doen�as sexualmente transmiss�veis e, em muitos casos, se envolvem com �lcool e drogas. Mas, sobretudo, abandonam a escola.
Ou seja, um ciclo de mis�ria que se perpetua, pois al�m de elas interromperem os estudos e n�o se capacitarem profissionalmente, seus filhos nascem sem a menor condi��o ou estrutura familiar, vindo, em muitos casos, parar no colo do Estado.
A primeira miss�o do instituto � fazer o Brasil falar sobre o assunto. Enquanto a explora��o sexual de crian�as e adolescentes n�o for um problema, n�o vai haver solu��o.
LUCIANA TEMER, advogada e professora da PUC-SP e da Uninove, � presidente do Instituto Liberta; foi secret�ria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de S�o Paulo (2001-2002, gest�o Alckmin) e secret�ria municipal de Assist�ncia e Desenvolvimento Social de S�o Paulo (2013-2016, gest�o Haddad)
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