Mortes vão a 1.300 na Arábia Saudita e expõem riscos do turismo religioso ilegal

Ministro diz que 83% dos mortos contabilizados chegaram a Meca com agências clandestinas, sem proteção a turistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Emad Mekay Vivian Nereim
Cairo (Egito) | The New York Times

Mais de 1.300 pessoas morreram fazendo a peregrinação islâmica do hajj na Arábia Saudita neste mês, a grande maioria das quais o regime saudita disse não ter permissão para estar no país. Muitos caminharam por quilômetros sob um calor escaldante depois de pagar milhares de dólares a operadores turísticos ilícitos ou fraudulentos.

Enquanto os peregrinos com permissão são transportados pela cidade sagrada de Meca em ônibus refrigerados e descansam em tendas com ar-condicionado, os sem permissão frequentemente estão expostos aos efeitos do clima. Nos últimos dias, com temperaturas próximas a 50°C, alguns peregrinos relataram ter testemunhado desmaios e ter passado por cadáveres nas ruas.

A imagem mostra uma grande multidão de pessoas vestidas com roupas brancas, muitas delas segurando guarda-chuvas coloridos. A cena parece ocorrer em uma área urbana, com sinais de trânsito visíveis ao fundo. A maioria dos guarda-chuvas são de cores variadas, incluindo amarelo, verde, azul e branco.
Muçulmanos tentam se proteger do calor durante peregrinação na Arábia Saudita - Fadel Senna/23.jun.24/AFP

No domingo (23), em uma entrevista na televisão estatal, o ministro da Saúde da Arábia Saudita, Fahd bin Abdurrahman Al-Jalajel , disse que 83% das 1.301 mortes relatadas envolviam peregrinos sem permissão. "O aumento das temperaturas durante a temporada do hajj representou um grande desafio neste ano", disse. "Infelizmente —e isso é doloroso para todos nós— aqueles que não tinham permissão para o hajj caminharam longas distâncias sob o sol."

O pronunciamento de Al-Jalajel veio após dias de silêncio da monarquia saudita sobre as fatalidades durante o hajj, um ritual árduo e profundamente espiritual que os muçulmanos são encorajados a realizar pelo menos uma vez em suas vidas se tiverem capacidade física e financeira.

Com quase 2 milhões participando a cada ano, não é incomum que peregrinos morram de estresse térmico ou por outras doenças. Não está claro se o número de mortes este ano foi maior do que o habitual, porque a Arábia Saudita não divulga regularmente esses dados. No ano passado, 774 peregrinos da Indonésia morreram, e em 1985, mais de 1.700 pessoas morreram nos locais sagrados, a maioria delas de estresse térmico, diz um estudo na época.

Mas como muitos dos que morreram não tinham permissão para estar lá, o saldo deste ano expôs um submundo de operadores turísticos e contrabandistas ao redor do mundo que lucram com muçulmanos desesperados para fazer a jornada.

As mortes também expuseram o que parecia ser uma falha em larga escala dos procedimentos de imigração e segurança sauditas destinados a impedir que peregrinos não registrados cheguem aos locais sagrados, incluindo um cordão de segurança ao redor de Meca, que é fechada semanas antes do hajj.

Apesar desses esforços, cerca de 400 mil pessoas sem permissão tentaram realizar a peregrinação neste ano, disse um oficial sênior saudita à agência de notícias AFP sob anonimato. Autoridades sauditas não responderam à reportagem.

Em entrevistas ao The New York Times, no entanto, operadores turísticos do hajj, peregrinos e parentes dos mortos descreveram brechas facilmente exploradas que permitem que as pessoas viajem para o reino com um visto de turista ou visitante, geralmente assistidas por operadores turísticos em seus países de origem. Eles disseram que, uma vez que chegam, essas pessoas encontram uma rede de corretores e contrabandistas ilegais que oferecem seus serviços e às vezes os abandonam à própria sorte.

O número de peregrinos não registrados parecia ter aumentado este ano devido ao crescente crise econômica em países como Egito e Jordânia. Um pacote oficial do hajj pode custar entre US$ 5.000 a US$ 10 mil (aproximadamente de R$ 27 mil a R$ 54 mil), dependendo do país de origem do peregrino —além das condições financeiras de muitos que esperam fazer a viagem.

Marwa, uma mulher egípcia de 32 anos cujos pais realizaram o hajj sem permissão oficial este ano, disse que eles pagaram cerca de US$ 2.000 (R$ 10,8 mil) por sua jornada, facilitada por um agente no Egito e um corretor na Arábia Saudita. Eles sentiram que tinham que ir logo porque, à medida que a moeda do Egito perde valor, suas economias diminuem a cada ano, disse ela. Marwa pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome para evitar repercussões legais.

Vários países com um grande número de peregrinos falecidos agiram rapidamente para conter as consequências. Na última sexta-feira (21), o presidente da Tunísia, que contou mais de 50 peregrinos entre os mortos, demitiu o ministro dos Assuntos Religiosos do país. Na Jordânia, que registrou as mortes de pelo menos 99 peregrinos, o procurador público abriu uma investigação sobre rotas ilegais do hajj. E no Egito, as autoridades disseram que revogariam as licenças de 16 empresas que emitiram vistos para peregrinos sem fornecer serviços adequados.

"Há tanta ganância em torno desse negócio", disse Iman Ahmed, coproprietária da El-Iman Tours no Cairo. Ela afirma que se recusou a enviar peregrinos não registrados em pacotes de hajj, mas que outros operadores turísticos egípcios e corretores sauditas ganhavam muito dinheiro fazendo isso.

Entre os mortos estavam pelo menos dois americanos. Os moradores de Maryland, nos Estados Unidos, Isatu Wurie, 65, e Alieu Wurie, 71, economizaram por anos para fazer a peregrinação, pagando US$ 23 mil (R$ 124 mil) a um operador turístico local, segundo sua filha, Saida Wurie.

Mas depois de chegarem a Meca, o operador teria dito a eles que ficassem no hotel até que as permissões fossem emitidas, contou Wurie. Os pais estavam frustrados porque acreditavam que estavam agindo corretamente, segundo a filha.

Eles ainda conseguiram realizar alguns dos rituais iniciais do hajj, e estavam "muito animados para ver a Caaba", disse ela, em referência à estrutura cúbica que os muçulmanos acreditam ter sido a primeira casa de adoração.

A última mensagem que ela recebeu de sua mãe dizia que um ônibus para levá-los a um dos locais não havia chegado e que eles estavam andando há duas horas.

Apesar de sua frustração com o operador turístico —bem como a dificuldade em localizar seus corpos, enterrados em Meca—, Wurie acredita que seus pais estavam cheios de alegria em seus últimos dias.

"Eles morreram fazendo exatamente o que queriam fazer", disse ela. "Eles sempre quiseram fazer o hajj."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.