Campanha paga por Israel criou perfis e sites de notícias falsos para angariar apoio dos EUA na guerra

Contas que se passavam por americanos focaram deputados democratas; Tel Aviv nega envolvimento na operação

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Sheera Frenkel
Tel Aviv | The New York Times

Israel pagou, no ano passado, por uma campanha de influência com mensagens pró-Tel Aviv direcionada aos legisladores e à população dos Estados Unidos, segundo autoridades envolvidas no projeto e documentos relacionados à operação, que tinha como objetivo obter apoio na guerra na Faixa de Gaza.

A campanha secreta foi encomendada pelo Ministério da Diáspora, um órgão do governo que conecta judeus ao redor do mundo com o país, disseram quatro autoridades israelenses. A pasta alocou cerca de US$ 2 milhões (R$ 10,5 milhões) para a operação e contratou a Stoic, uma empresa de marketing político em Tel Aviv, para executá-la, de acordo com funcionários e documentos.

Vista aérea da Faixa de Gaza mostra edifícios destruídos em Khan Yunis - 22.abr.2024/AFP

A campanha começou em outubro e continua ativa na rede social X. Em seu auge, usou centenas de contas falsas que se passavam por americanos reais no X, no Facebook e no Instagram para publicar comentários pró-Israel.

As contas focaram os legisladores dos EUA, especialmente os negros e democratas, como o deputado de Nova York Hakeem Jeffries, líder da minoria da Câmara, e o senador Raphael Warnock, da Geórgia. As mensagens instavam os legisladores a apoiar o financiamento do Exército de Israel.

O ChatGPT, chatbot alimentado por inteligência artificial, foi usado para gerar muitos dos conteúdos. A campanha também criou três sites de notícias falsos em inglês apresentando artigos pró-Israel.

A conexão do governo israelense com a operação de influência, que o The New York Times verificou com quatro membros atuais e antigos do Ministério da Diáspora e documentos sobre a campanha, não havia sido relatada anteriormente. O FakeReporter, um observatório de desinformação israelense, identificou o esforço em março. Na semana passada, a Meta, dono do Facebook e Instagram, e a OpenAI, que desenvolve o ChatGPT, disseram que também encontraram e interromperam a operação.

A campanha secreta sinaliza os extremos de que Israel estava disposto a lançar mão para influenciar a opinião americana sobre a guerra em Gaza. Os EUA têm sido há muito tempo um dos aliados mais importantes de Israel —recentemente, o presidente Joe Biden assinou um pacote de ajuda militar de US$ 15 bilhões para o país. Mas o conflito é impopular para muitos americanos, que pedem ao democrata que retire o apoio diante do aumento das mortes de civis em Gaza.

A operação é o primeiro caso documentado em que o governo israelense organizou uma campanha para influenciar o governo americano, disseram especialistas. Embora campanhas apoiadas pelo governo não sejam incomuns, geralmente são difíceis de provar. Acredita-se amplamente que Irã, Coreia do Norte, China, Rússia e Estados Unidos apoiem esforços semelhantes ao redor do mundo, mas frequentemente mascaram seu envolvimento terceirizando o trabalho para empresas privadas ou executando-os por meio de um terceiro país.

"O papel de Israel nisso é imprudente e provavelmente ineficaz", disse Achiya Schatz, diretor executivo do FakeReporter. O fato de Israel ter conduzido uma operação que "interfere na política dos EUA", afirmou ele, "é extremamente irresponsável".

O Ministério da Diáspora de Israel negou envolvimento na campanha e disse que não tinha conexão com a Stoic. A empresa, por sua vez, não respondeu a pedidos de comentário.

Na semana passada, a Meta e a OpenAI disseram que a campanha não teve um impacto generalizado. Embora as contas falsas tenham acumulado mais de 40 mil seguidores no X, no Facebook e no Instagram, segundo o FakeReporter, muitos desses seguidores podem ter sido robôs que não geraram muita audiência, de acordo com a Meta.

As informações das autoridades israelenses e dos documentos mostram que a operação começou apenas algumas semanas após o início da guerra em outubro.

Naquele mês, dezenas de startups de tecnologia israelenses receberam emails e mensagens com convites para participar de reuniões urgentes e se tornarem "soldados digitais" de Israel durante a guerra, de acordo com mensagens vistas pelo New York Times. Algumas delas foram enviadas por autoridades do governo israelense, enquanto outras vieram de outras startups de tecnologia e incubadoras.

A primeira reunião foi realizada em meados de outubro em Tel Aviv. Parecia ser um encontro informal onde os israelenses poderiam oferecer suas habilidades técnicas para ajudar no esforço de guerra do país, disseram três participantes. Membros de vários ministérios do governo também participaram, disseram eles.

Os participantes foram informados de que poderiam ser "guerreiros por Israel" e que "campanhas digitais" poderiam ser realizadas em nome do país, de acordo com gravações das reuniões.

Além disso, o Ministério da Diáspora encomendou uma campanha destinada aos EUA, disseram as autoridades israelenses. Um orçamento estabelecido foi de cerca de US$ 2 milhões, de acordo com uma mensagem vista pelo jornal.

A contratada para executar a campanha foi a Stoic. Em seu site e no LinkedIn, a empresa se autodenomina uma companhia de marketing político e inteligência empresarial fundada em 2017 por uma equipe de estrategistas políticos e de negócios. Outras empresas, porém, podem ter sido contratadas para executar campanhas adicionais, disse um funcionário israelense.

Muitas das contas falsas da campanha nas redes sociais se passavam por estudantes fictícios dos EUA, cidadãos preocupados e eleitores locais. As contas compartilhavam artigos e estatísticas que apoiavam a posição de Israel na guerra.

A operação focou mais de uma dúzia de membros do Congresso, muitos deles negros e democratas, de acordo com uma análise do FakeReporter. O deputado Ritchie Torres, um democrata de Nova York que é conhecido por suas opiniões pró-Israel, foi um dos alvos, além de Jeffries e Warnock.

Algumas das contas falsas responderam a publicações de Torres no X comentando sobre antissemitismo em campi universitários e em grandes cidades dos EUA. Em resposta a um post que Torres escreveu no dia 8 de dezembro sobre segurança contra incêndios, por exemplo, uma conta falsa respondeu: "O Hamas está perpetrando o conflito", referindo-se ao grupo militante islâmico. A mensagem incluía uma hashtag que dizia que os judeus estavam sendo perseguidos.

Já no Facebook, as contas falsas perguntaram a Jeffries se ele tinha visto um relatório sobre a suposta colaboração de membros do Hamas na ONU em Gaza.

Torres, Jeffries e Warnock não responderam aos pedidos de comentário.

A campanha também criou três sites de notícias falsas com nomes como Non-Agenda e UnFold Magazine, que roubaram e reescreveram material de veículos de imprensa como a CNN e o The Wall Street Journal para promover a posição de Israel durante a guerra, de acordo com a análise do FakeReporter. Contas falsas no Reddit, então, linkaram os artigos dos sites para ajudar a promovê-los.

O esforço foi displicente. As fotos de perfil usadas em algumas contas às vezes não correspondiam às personas fictícias dos perfis, e a linguagem usada nos posts era empolada.

Na semana passada, a Meta e a OpenAI publicaram relatórios atribuindo a campanha de influência à Stoic.

A Meta disse ter removido 510 contas do Facebook, 11 páginas do Facebook, 32 contas do Instagram e um grupo do Facebook ligados à operação. Já a OpenAI disse que a Stoic havia criado personas e biografias fictícias destinadas a se passar por pessoas reais em serviços de mídia social usados em Israel, Canadá e EUA para publicar mensagens anti-islâmicas.

Muitas das mensagens permanecem no X, que não respondeu a um pedido de comentário.

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