Argentina começa a julgar brasileiro acusado de tentar matar Cristina Kirchner

Sabag Montiel está no banco dos réus por tentativa de homicídio e pode ser condenado a até 20 anos; promotora quer enquadrar caso como tentativa de feminicídio

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Buenos Aires

Com expectativas de se desenrolar por meses, começou nesta quarta-feira (25), em Buenos Aires, o julgamento de Fernando Andrés Sabag Montiel, 37, o brasileiro que havia anos vivia na Argentina e em 2022 tentou atirar em Cristina Kirchner, então vice-presidente.

Montel permanece detido e é acusado de tentativa de homicídio duplamente qualificado —pela premeditação e pelo fato de que Cristina não pôde se defender. Se condenado, sua pena pode ir de 13 a 20 anos de prisão. Também estão no banco dos réus sua namorada, Brenda Elizabeth Uliarte, acusada de ser coautora, e Nicolás Gabriel Carrizo, ex-chefe deles e acusado de participar do plano.

Fernando Sabag Montiel, acusado de tentar assassinar a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, comparece a seu julgamento em tribunal em Buenos Aires - Luis Robayo - 26.jun.24/AFP

O episódio ocorreu em 1º de setembro de 2022. Montiel tentou atirar em Cristina enquanto a então vice do peronista Alberto Fernández era aclamada por apoiadores nos arredores de sua casa no bairro portenho da Recoleta. A arma, no entanto, falhou.

O caso de grande repercussão levou a uma ampla manifestação nas ruas no dia seguinte ao ato contra o que muitos descreveram como um episódio grave de violência política. A promotora do caso, Gabriela Baigún, afirmou na audiência que buscará enquadrá-lo como tentativa de feminicídio (crime de ódio contra as mulheres) no julgamento.

Com isso, a expectativa é agravar o entendimento do feminicídio e elevar as possíveis penas dos acusados.

As equipes de defesa, por sua vez, afirmam que Sabag Montiel não é responsável por tentativa de assassinato porque a arma que utilizou para disparar na cabeça da ex-presidente não estava apta a disparos, uma vez que não estava montada adequadamente.

A defesa pediu, sem sucesso, a interrupção dos debates ao afirmar que não pôde falar com os acusados a sós na prisão, por sempre estarem supervisionados por policiais e em alguns casos sendo filmados, sem privacidade. Segundo um dos integrantes da equipe, o sistema judicial deve assegurar que essas conversas sejam confidenciais.

As audiências do caso devem ocorrer todas as quartas-feiras. Neste primeiro dia, Montiel falou. Ele quis argumentar que "fez um ato de justiça, por valores, por comprometimento com o bem social".

Alegou ainda que não cometeu a tentativa de assassinato por motivo político. "Sou apolítico. O que me fez cometer o atentado não foi estar em um setor contrário ao kirchnerismo. Foi um incômodo com o estabelecido. Um incômodo pessoal, muito acima de qualquer interesse", afirmou.

Também falou contra Cristina. "É corrupta, rouba, prejudica a sociedade. Acho que qualquer pessoa sente o mesmo que eu; ao menos a maioria." Ele deu a entender que sua ex-namorada, Uliarte, simpatiza com os libertários, base do atual presidente, Javier Milei. E buscou se distanciar dela. Disse que os dois namoravam havia apenas um mês antes do crime e que durante os sete anos anteriores que já se conheciam eram "amigos com direitos".

Montiel ainda afirmou que Uliarte e Carrizo receberam dinheiro de Cristina para dar a entender que estavam envolvidos. Não há nenhuma prova ou indício disso. Afirmou que a namorada apenas sabia o que ele faria, mas não o ajudou. "Ela queria ser mais espectadora do que participante. Eu queria matar Cristina. Ela queria que Cristina morresse."

Uma série de mensagens extraídas dos celulares dos acusados e lidas logo no início da audiência mostram os planos de assassinar Cristina. Uliarte chegou a dizer por escrito que ela mesma atiraria contra a política. O casal tinha intenção de mudar para a Recoleta a fim de estar mais próximo da então vice-presidente.

Em uma das mensagens, a namorada diz que "para limpar a Argentina, é preciso sangue". Eles também falavam sobre planos de possivelmente atacar outros membros do La Cámpora, grupo militante ligado à corrente kirchnerista.

Depois de presa, Uliarte afirmou que era inocente e que Montiel a havia obrigado a participar da organização da tentativa de assassinato. Segundo ela, o namorado estaria ligado ao Revolución Federal, um grupo de radicais conhecido por escrachar líderes kirchneristas e cujo líder já falou nas redes sociais sobre tentar matar Cristina.

O brasileiro Montiel enviou à Justiça argentina uma carta em outubro passado na qual dizia, segundo a imprensa local: "Jamais fui violento com uma mulher, somente com CFK [as iniciais de Cristina Fernández Kirchner]".

Ele nasceu em 1987 no Brasil, em São Paulo, e vivia na Argentina desde o início dos anos 1990. Tinha antecedentes criminais e, depois de detido pelo ataque contra Cristina, foi também acusado de possuir e distribuir imagens e vídeos de conteúdos de exploração sexual infantil.

Um ano após o crime, ele e a namorada foram condenados a um ano de prisão por possuir um documento de identidade argentino que não pertencia a eles e foi descoberto em seu apartamento durante as buscas que seguiram a tentativa de atirar em Cristina.

Vendedores ambulantes, ele e a namorada vendiam algodão-doce nas ruas. Por isso a dupla e seu chefe também julgado foram apelidados de "a gangue do algodão-doce". Montiel inclusive evocou a antiga profissão para reforçar as críticas à ex-vice-presidente. "Ela nos levou à inflação. Senti-me humilhado por deixar de ser alguém com bom poder aquisitivo a um simples vendedor de algodão-doce", respondeu ao ser questionado sobre a razão para tentar matar Cristina.

A Justiça tenta entender se o grupo era uma espécie de organização criminosa e se há mais envolvidos. Carrizo, o chefe, também trocou mensagens nas quais falava da tentativa de assassinato de Cristina e se incluía nas ações. "Você não tem ideia do grupo que eu formei", escreveu ele nesse contexto a um interlocutor.

A mãe de Montiel é argentina, e seu pai, o chileno Fernando Ernesto Montiel Araya, já foi alvo de um inquérito da Polícia Federal em 2020 que exigiu sua expulsão do Brasil. Ele tinha passagens por diversos delitos, de furtos a falsificação de documentos. Segundo a imprensa argentina, ele hoje vive em Valparaíso, em seu país natal.

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