Desde que foi lançada, em fevereiro, a rede social Truth Social vem enfrentando problemas sucessivos. Quando o anúncio do app foi acompanhado de reveses, dois executivos da companhia pediram demissão.
Outro foi demitido depois de registrar uma queixa de um denunciante anônimo, dizendo que a empresa mãe da Truth Social estava dando ouvidos a informações fraudulentas. Duas investigações federais estão comprometendo um financiamento muito necessário de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,65 bilhões).
Mas os usuários que entravam na Truth Social todo dia naquela época viam algo muito diferente: um ecossistema dinâmico de direita e cada vez mais cheio de atividade. O futuro de longo prazo segue em dúvida, mas especialistas afirmam que o aplicativo propriamente dito vem ganhando influência crescente nos círculos conservadores antes das midterms, as eleições de meio de mandato.
Isso se deve em grande medida ao ex-presidente Donald Trump, um dos fundadores do app e seu grande astro, que utiliza a plataforma como seu principal megafone. Suas publicações alcançam mais de 4 milhões de seguidores e repercutem nos grandes sites da mídia convencional e redes sociais.
Junta-se a ele na Truth Social toda uma coalizão de direita, incluindo celebridades conservadoras como o radialista e comentarista de TV Dan Bongino, figuras políticas incendiárias como a deputada republicana Marjorie Taylor Greene e toda uma constelação de proponentes de teorias conspiratórias, influenciadores de extrema direita e eleitores comuns.
O site teve 1,7 milhão de visitantes em setembro, segundo estimativas da companhia Similar Web, que monitora o tráfego na rede. Assim, mal chega a constar como concorrente de gigantes como Facebook e Twitter. Mas é muito maior que suas rivais mais próximas, incluindo Gab, Parler, Gettr, MeWe e Minds, que no mesmo mês receberam em média 360 mil visitantes cada.
Num comício recente, a candidata republicana ao governo do Arizona, Kari Lake, que vem semeando dúvidas sobre a integridade das eleições, perguntou aos presentes: "Quantos de vocês estão na Truth Social?". A multidão explodiu em aplausos. "Quem não estiver, entre logo!"
O site virou uma plataforma de organização importante para os negacionistas eleitorais antes das midterms, alimentando receios sobre fraude de eleitores e disseminando rumores sobre problemas no pleito. Um grupo usou o app para pedir cercos a urnas em busca de votos ilegais, postando uma foto que viralizou e ajudou a promover esforços semelhantes em pelo menos dez estados.
Trump o tem usado para testar defesas legais no momento em que várias investigações fecham o cerco em torno dele. Ele continua a definir os argumentos de campanha de republicanos e a promover candidatos. E endossa mensagens e imagens do movimento conspiratório QAnon, que também encontrou uma base nova na Truth Social.
A verdadeira prova pode acontecer nos próximos meses, quando o entusiasmo inicial em torno do app deve diminuir, e os problemas com seu financiamento, acirrar-se. O site dá poucos sinais de tentar atrair um público mais amplo, de vários pontos do espectro político, algo necessário para alcançar as metas grandiosas definidas pela empresa antes do lançamento.
A empresa mãe do site, o Trump Media and Technology Group, deposita suas esperanças num negócio anunciado um ano atrás com a Digital World Acquisition, firma de aquisições para fins especiais (SPAC, na sigla em inglês) que levantou US$ 300 milhões com uma oferta pública inicial de ações.
Mais tarde a companhia conseguiu garantias de três dúzias de fundos hedge de que, quando a fusão for concluída, ela liberará US$ 1 bilhão em financiamento adicional.
Mas o acordo agora está em dúvida, e investigações de promotores federais e reguladores podem obrigar a Digital World a liquidar ativos e devolver aos acionistas o dinheiro que levantou na oferta pública inicial de ações, o que colocaria a fusão em risco. A Digital World enfrenta dificuldades para persuadir acionistas a aprovar uma medida que lhe daria até setembro de 2023 para completar a fusão.
Se o trato com a Digital World cair, a Trump Media terá que encontrar financiamento para manter a Truth Social. Ela levantou até agora US$ 37 milhões, obtidos principalmente de doadores políticos republicanos.
William Wilkerson, ex-executivo demitido em outubro depois de ter dito publicamente que registrou a queixa de um denunciante anônimo junto à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), disse em entrevista que a empresa vem gastando cerca de US$ 1,7 milhão por mês. Recentemente a Truth Social começou a publicar anúncios em seu site.
Mas Wilkerson afirmou que, se o acordo com a Digital World fracassar, uma opção plausível seria a Trump Media considerar uma fusão com o Rumble, alternativa conservadora ao YouTube, que emergiu como principal sócio comercial da Trump Media.
Wilkerson e uma segunda pessoa que está a par das operações disseram que metade das pessoas que trabalham no escritório da Trump Media em Sarasota, Flórida, é formada por funcionários da Rumble. A Rumble é responsável por boa parte da operação do dia a dia da Truth Social. Em agosto, a empresa de Trump entrou para a plataforma de anúncios da empresa de compartilhamento de vídeos.
A Rumble recentemente completou sua própria fusão com uma SPAC, o que lhe deu acesso a cerca de US$ 400 milhões em dinheiro disponível. "É muito provável que agora a Rumble seja uma empresa de capital aberto", disse Wilkerson.
A Trump Media não tratou de uma potencial fusão futura com a Rumble. Mas, em comunicado enviado por email, a empresa atribuiu à SEC a demora em concluir a fusão com a Digital World. "Apesar de sua missão ser proteger acionistas no varejo", disse a Trump Media, "a SEC os está prejudicando deliberadamente com seu esquema de visar a alvos políticos de modo ilícito. E ela deve sofrer consequências graves por isso."
A Rumble não respondeu a pedidos de comentários.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.