Jair Bolsonaro (PL) viaja a Nova York para abrir a 77ª Assembleia-Geral da ONU na terça-feira (20). O cronograma apertado, a duas semanas da eleição, e o fato de ele estar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto exigiram, no entanto, que a equipe do presidente pesasse com mais atenção o risco político dos roteiros.
Com cara de evento de campanha, a viagem aos EUA terá caravanas de apoiadores de cidades americanas para recepcionar o presidente nesta segunda-feira (19) e para um almoço ainda na terça, depois do discurso na ONU.
Em meio a uma disputa eleitoral longe de estar resolvida, viajar para fora do país, principalmente para dois destinos internacionais em sequência —o presidente também foi a Londres acompanhar o funeral da rainha Elizabeth 2ª— não foi um cálculo simples.
A avaliação do governo, no entanto, foi que a viagem era obrigatória e que o custo político de faltar seria maior que o de comparecer, reforçando a imagem de isolamento no xadrez político mundial.
Não que a presença seja garantia de integração no tecido global. Bolsonaro não tem reuniões bilaterais marcadas com nenhum chefe de Estado de país expressivo para a economia brasileira e confirmou até agora encontros apenas com os presidentes do Equador, Guillermo Lasso; da Guatemala, Alejandro Giammattei; da Polônia, Andrzej Duda; e da Sérvia, Aleksandar Vucic, todos eles representantes da direita global. Além disso, deve se reunir com o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Mas a viagem aos EUA foi decidida a partir de um raciocínio diferente do que o levou a Londres, segundo aliados do presidente, que queriam acima de tudo uma foto de Bolsonaro ao lado do novo rei Charles 3º. Na avaliação da campanha, estar no Reino Unido é um aceno maior ao eleitor comum, em um tema pop como a realeza britânica e que tem ampla cobertura midiática. Já a viagem a Nova York se dirige mais aos formadores de opinião e lideranças internacionais, além de também garantir destaque no noticiário.
Pensando nisso, o discurso de Bolsonaro na Assembleia-Geral deve ser permeado de acenos à comunidade internacional sem deixar de lado sua base eleitoral no Brasil. O presidente deve falar da crise de alimentos catapultada pela Guerra da Ucrânia e repetir que o Brasil é um "celeiro do mundo", com capacidade de garantir a segurança alimentar global —sem mencionar, é claro, a crise no próprio país, onde a fome se agravou desde a pandemia e 33 milhões não têm o que comer, segundo estudo recente.
Ainda em relação à guerra, Bolsonaro deve usar a crise de escassez de gás natural na Europa, que levou a um aumento da queima de carvão, para criticar países que condenaram suas políticas ambientais —ou a ausência delas. Ele deve reafirmar que o Brasil tem uma matriz energética limpa, além de aproveitar o gancho para promover uma proposta de sua campanha eleitoral, de fomento à energia eólica no Nordeste.
Criticado por potências ocidentais por não se posicionar contra a Rússia, Bolsonaro deve falar ainda do acolhimento de refugiados ucranianos no Brasil.
O que deve ocupar boa parte de seu discurso também é a economia, que serve tanto para atrair investidores quanto eleitores. Há expectativa de que Bolsonaro defenda que o Brasil se recuperou melhor que outros países e destaque o crescimento do PIB acima do esperado e projeções otimistas do mercado.
Por mais que a diplomacia brasileira tente preparar um Bolsonaro mais centrado, no entanto, o texto final lido pelo presidente é fechado no Palácio do Planalto, e existe o receio de que ele use o púlpito da ONU também para criticar outros países com governos de esquerda. O presidente insistiu em eventos recentes em criticar não só a ditadura da Nicarágua, mas também os vizinhos democráticos Chile e Argentina, em acenos a sua base mais radicalizada.
Se for bem aceito, o discurso deve ser usado na campanha, principalmente em vídeos curtos para redes sociais. Assim como em anos anteriores, aliados do presidente já esperam que a comitiva seja alvo de protestos políticos ou de ambientalistas em Nova York.
Discursando pela quarta vez na ONU, o Bolsonaro que chega ao evento em 2022 é diferente do de anos anteriores. Em 2019, quando havia grande expectativa sobre sua estreia, o presidente fez um discurso agressivo e inusual entre líderes brasileiros. Em 2020, gravou pronunciamento exibido de forma remota na Assembleia devido à pandemia e se defendeu das críticas pelo descontrole da Covid no país.
Em 2021, a viagem foi marcada pela recusa do presidente em se imunizar contra a Covid-19 e pela dúvida quanto às regras que proibiam pessoas não vacinadas de participarem de eventos em locais fechados. A ONU liberou, mas a cidade de Nova York, não —o que resultou nas imagens de Bolsonaro comendo pizza na calçada com ministros e em uma tenda montada do lado de fora de uma churrascaria brasileira.
Aquele também foi o primeiro ano de Joe Biden na Presidência dos Estados Unidos, e havia certa tensão entre os dois, já que o brasileiro apoiou abertamente a reeleição de Donald Trump e repetiu suspeitas infundadas de fraude no pleito americano. Na ocasião, os dois líderes não se encontraram.
Em 2022, Bolsonaro viaja a Nova York com uma relação mais apaziguada com Biden. Eles se reunirem pela primeira vez em junho, durante a Cúpula das Américas, ainda que Washington tenha dado recados de que não deve embarcar em uma aventura golpista caso o brasileiro não respeite o resultado das eleições.
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