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A Caixin, um dos principais veículos de jornalismo investigativo na China, publicou uma longa reportagem nesta semana em que acusa autoridades em Xangai de esconder mortos pela Covid-19.
A metrópole chinesa enfrenta um severo lockdown e vem registrando milhares de casos da doença diariamente. Citando fontes em uma casa de repouso, a reportagem afirmou que um idoso de 87 anos morreu pela doença na madrugada do dia 31 de março.
Ao seguir o corpo do paciente, os jornalistas relataram terem encontrado outros dez cadáveres no necrotério, todos supostamente vítimas da Covid. A revista também diz ter conversado com familiares de ao menos outros 12 mortos em duas funerárias no distrito de Pudong.
Oficialmente, a China reconhece as mortes de apenas duas pessoas infectadas na cidade neste ano: uma vítima de 87 anos e outra de 65, ambas reportadas há mais de três semanas. Autoridades locais não comentaram as acusações, e o texto da Caixin foi tirado do ar.
Enquanto isso, o lockdown segue repercutindo em Xangai. Com dificuldades para comprar comida e itens de higiene, residentes começam a dar sinais de exaustão.
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No Weibo (espécie de Twitter chinês), viralizou um vídeo em que moradores protestam contra a escassez de alimentos nas sacadas de um prédio, enquanto um drone pede que os manifestantes "cumpram as restrições, controlem o desejo de liberdade de suas almas, não abram a janela nem cantem";
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Causou controvérsia também a determinação de que crianças contaminadas fossem levadas para centros de isolamento sem os pais (caso estes tivessem resultado negativo em seus testes). Após imagens de bebês abandonados em berços e chorando se espalharem pela internet, autoridades locais voltaram atrás e permitiram que um responsável acompanhem os menores nesta situação.
O plano inicial em Xangai era dividir a cidade em duas partes, isolando uma para testes enquanto a outra seguiria a vida com menos restrições.
Pudong foi o primeiro lado a fechar, e moradores esperavam um lockdown de cinco dias. Ao final da contagem, porém, o governo estendeu o confinamento por tempo indeterminado, deixando despreparado quem não estocou alimentos em quantidade suficiente.
A situação deve continuar ruim nos próximos dias, e Xangai começou a pedir que cidades vizinhas cedam instalações de isolamento para reforçar a infraestrutura local.
Por que importa: Fechar cidades no oeste ou no sul da China pode ter custos econômicos, mas o impacto político de uma decisão do tipo em Xangai está em outro patamar. A cidade é habitada majoritariamente por chineses e estrangeiros com maior poder aquisitivo que demonstram descontentamento com a forma como o governo lida com a resposta à onda de Covid.
o que também importa
A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou ter recebido o diagnóstico de Covid, adiando indefinidamente a viagem que faria no domingo para Taiwan.
Se tivesse avançado com a ideia, a visita seria a primeira do tipo promovida por um presidente da Câmara desde 1997, quando o republicano Newt Gingrich se encontrou com o então líder da ilha, Lee Teng-hui.
Pequim chegou a reagir à notícia da viagem e ameaçou tomar "fortes medidas para defender a soberania nacional e a integridade territorial" caso os EUA insistissem na ideia, de acordo com o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian.
Comentando o estado de saúde da democrata, o porta-voz Drew Hammill disse apenas que Pelosi está assintomática e seguirá as orientações de isolamento definidas pelas autoridades sanitárias. Ele não respondeu quando (ou se) a viagem será reagendada.
A mídia estatal chinesa repercutiu o massacre perpetrado por tropas russas em Butcha assumindo a linha oficial do Kremlin. O tom foi de acusações à Ucrânia de provocação e insinuando que as mortes foram encenadas pelas autoridades do país invadido.
Na quarta-feira, a emissora estatal CCTV exibiu imagens borradas dos corpos espalhados pela cidade. Na legenda, a reportagem trazia aspas do Kremlin dizendo que "os ucranianos dirigiram um bom show".
Já o tablóide nacionalista Global Times, editado pelo também estatal Diário do Povo, usou a tragédia para reforçar a narrativa de culpa dos EUA no conflito. Em um longo editorial, o veículo publicou que "não importa como o ‘incidente de Butcha ocorreu", já que a "guerra é o motor principal deste desastre humanitário".
Oficialmente, a China também evitou culpar a Rússia. O Ministério das Relações Exteriores classificou o evento como "profundamente perturbador" e pediu que "todas as partes exerçam moderação e evitem acusações infundadas antes que uma investigação possa ser conduzida".
fique de olho
Após as violentas manifestações em 2019 e, mais recentemente, a incapacidade de conter a transmissão da Covid, a líder do Executivo em Hong Kong, Carrie Lam, anunciou que não vai concorrer à reeleição para o cargo.
Lam citou o desejo de passar mais tempo com a família. Ele encerra assim uma carreira de 32 anos no serviço público da cidade e abre caminho para John Lee, ex-secretário de segurança e atual nº 2 na hierarquia política local.
Por que importa: Com as mudanças na Lei Básica (espécie de Constituição de Hong Kong), a eleição será meramente cerimonial. Pequim se certificou recentemente de que apenas deputados pró-China ocupassem funções na administração pública.
Como a votação para a liderança local ocorre no Comitê Eleitoral de Hong Kong e, posteriormente, precisa ser referendada pelo Conselho de Estado em Pequim, a China continental conseguirá controlar quem será eleito.
para ir a fundo
- Neste sábado (9), a Observa China volta a receber o sinólogo Maurício Santoro para discutir as relações sino-brasileiras. Santoro lançou recentemente um livro sobre o tema, publicado pela editora Palgrave. (gratuito, em português)
- Mao Zedong entrou para a história como um líder nacionalista que promoveu o fechamento da China durante décadas. O South China Morning Post, porém, resgata a história da única artista estrangeira que caiu nas graças do líder chinês: a pintora britânica Katharine Jowett. (paywall poroso, em inglês)
- Jovens têm usado a internet para trocar informações sobre a pandemia e se programar para fazer compras online durante o lockdown em Xangai. Mas e os idosos? Nesta reportagem, o SupChina conversa com residentes da terceira idade para entender como eles têm enfrentado a nova onda de restrições. (paywall poroso, em inglês)
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