A Igreja Católica de Portugal anunciou, nesta quinta-feira (11), a criação de uma comissão independente para investigar possíveis abusos sexuais contra crianças por parte de membros do clero. A decisão vem em meio à pressão da comunidade católica portuguesa, que pede o fim do silêncio em torno do assunto.
A Conferência Episcopal de Portugal –instituição que reúne bispos das dioceses do país– afirmou em comunicado que decidiu criar a comissão com os objetivos de melhorar a forma como os casos são tratados e "realizar um estudo para esclarecer esse grave problema".
No início do mês, mais de 200 católicos enviaram uma carta à instituição, argumentando que o abuso sexual infantil era um problema "sistêmico diretamente relacionado ao exercício do poder".
O documento foi assinado por legisladores, escritores e outras figuras públicas, que pediram que a comissão incluísse católicos e não católicos, bem como especialistas em ciências sociais e justiça.
Segundo eles, apesar de na última década terem sido relatados "pouco mais de dez casos" de abuso sexual ligados à instituição, o número real de violações provavelmente é bem maior.
Na segunda (8), data de início da 201ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, em Fátima, o bispo de Setúbal, José Ornelas, já havia adiantado a decisão e disse que a comissão e os membros do órgão de investigação terão "independência para criar seus processos e metodologia".
Na ocasião, o religioso ainda disse que não tem medo dos possíveis desdobramentos das investigações. "Muito pelo contrário", afirmou. O intervalo de tempo a ser coberto pelas apurações da comissão ainda não está claro, mas os signatários da carta sugeriram que ele deveria ser de cinco décadas.
Atualmente, os bispos em cada uma das 21 dioceses de Portugal são responsáveis pela investigação de alegadas irregularidades de membros do clero, mas não existe um órgão de supervisão dos trabalhos.
A decisão vem na sequência do recente anúncio da Igreja Católica francesa de que venderá bens para pagar indenizações a vítimas de abusos. No país também foi criada uma comissão independente de investigação, que estimou em mais de 216 mil o número de casos de agressão sexual a menores desde 1950. A maioria das vítimas era formada por meninos com idades entre 10 e 13 anos.
No momento da divulgação do relatório, no início de outubro, o chefe da comissão francesa responsável pelo levantamento, Jean-Marc Sauvé, 72, acusou a igreja de mostrar "indiferença profunda, total e até cruel durante anos", escolhendo fechar os olhos para as denúncias e proteger a si própria em vez de defender as vítimas do abuso sistêmico.
Dias antes, o líder, que é católico praticante, já havia revelado à imprensa que o clero francês abrigou entre 2.900 e 3.200 pedófilos. Nos últimos 20 anos, a igreja tem recebido milhares de denúncias do tipo. O assunto, inclusive, é um dos maiores desafios enfrentados pelo papa Francisco, no cargo desde 2013.
Em junho, o Vaticano divulgou a revisão mais abrangente das leis da Igreja Católica nos últimos 40 anos, endurecendo as regras contra clérigos que abusam de menores ou de adultos vulneráveis, usam as posições de autoridade para forçar atos sexuais e ordenam mulheres a cargos eclesiásticos.
A revisão estava em andamento desde 2009, a pedido do papa emérito Bento 16. Dez anos depois, porém, ele chegou a escrever que os escândalos de pedofilia do clero são resultado da revolução sexual dos anos 1960, de grupos abertamente homossexuais em alguns seminários e do colapso da fé no Ocidente.
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