Cerca de 20 funcionários do Departamento de Estado que atuavam na embaixada americana em Cabul enviaram, em 13 de julho, um memorando interno para o secretário Antony Blinken e outra alta autoridade da pasta alertando sobre o potencial colapso da capital afegã logo após 31 de agosto, prazo estabelecido por Joe Biden para a retirada das tropas dos EUA.
A informação foi publicada pelo jornal americano The Wall Street Journal nesta quinta (19), com base em relatos de uma autoridade americana e de uma pessoa familiarizada com o telegrama da representação diplomática.
O memorando, enviado pelo canal confidencial do Departamento de Estado, alertava sobre o ganho rápido de território pelo Talibã e a queda subsequente das forças de segurança afegãs —serviria, portanto, de evidência que o governo Biden sabia da situação local.
O informe trazia ainda recomendações de como mitigar a crise e acelerar a retirada de cidadãos americanos e pedia ainda que a pasta usasse uma linguagem mais dura para descrever atrocidades cometidas pelo grupo extremista em sua ofensiva.
De acordo com o WSJ, 23 funcionários da embaixada, todos americanos, assinaram o telegrama, que teria sido enviado com urgência e lido por Blinken. Procurado pelo jornal, o Departamento de Estado se negou a comentar o assunto. Um porta-voz disse à agência de notícias Reuters que as visões de diplomatas compartilhadas com o órgão foram levadas em consideração e que dissidências internas de opinião são valorizadas.
Em maio já surgiam relatos de combatentes cercando postos militares na zona rural, deixando como opção para as lideranças dos vilarejos a rendição ou a morte.
A revelação do conteúdo do telegrama vem após o chefe do Estado-Maior dos EUA, Mark Milley, afirmar, nesta quarta (18), que relatórios de inteligência não indicavam que a queda do governo do Afeganistão com o avanço do Talibã se daria tão rapidamente.
“Não havia nada que eu ou qualquer outra pessoa tenha visto que indicava um colapso do Exército e do governo em 11 dias", disse o general, em entrevista coletiva ao lado do secretário de Defesa, Lloyd Austin —a primeira dos dois desde que o grupo fundamentalista islâmico voltou ao poder.
Segundo o general, diferentes relatórios de inteligência indicavam a possibilidade de três cenários: a tomada taleban seguida de um rápido colapso do governo afegão; uma guerra civil; e uma negociação para transição de poder. “O tempo para um rápido colapso foi estimado em semanas, meses e mesmo anos após a nossa partida.”
Reportagem desta semana do jornal americano The New York Times, no entanto, apontou que órgãos de inteligência previram que, se o grupo fundamentalista tomasse cidades, um colapso em cascata poderia ocorrer rapidamente, e as forças de segurança afegãs corriam alto risco de se desintegrarem. Em público, no entanto, o Joe Biden dizia ser improvável que isso acontecesse com tanta rapidez.
Também em julho, os relatórios questionavam se o governo afegão poderia manter o controle da capital. No dia 8 daquele mês, o presidente americano disse que a queda do governo de Ashraf Ghani era improvável e que não havia chance de americanos serem retirados do Afeganistão de forma caótica, como foi visto ao final da Guerra do Vietnã, com a tomada de Saigon.
Um dos documentos expôs os crescentes riscos para Cabul, notando que o governo afegão estava despreparado para um ataque do Talibã, segundo relatou o New York Times. Não está claro se outros relatos durante esse período apresentaram uma imagem mais otimista sobre a capacidade dos militares afegãos e do governo em Cabul de enfrentar o grupo insurgente.
A saída dos aviões do aeroporto da capital afegã após a tomada do poder pelo Talibã no domingo (15). entretanto, foi marcada por pessoas desesperadas tentando embarcar —inclusive agarrando-se à fuselagem e ao trem de pouso de cargueiros— e aeronaves partindo com centenas de pessoas além da capacidade a bordo. Ao menos sete morreram, e a confusão continuou na quarta, com saldo de mais 17 feridos.
As advertências levantam questões sobre a razão de os membros do governo democrata e os planejadores militares no Afeganistão parecerem despreparados para lidar com o avanço final do Talibã sobre Cabul, incluindo o fracasso em garantir a segurança no aeroporto e em enviar mais milhares de soldados de volta ao país para proteger a retirada final dos EUA.
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