As sucessivas reconduções de Binyamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro poderiam sugerir certo consenso na sociedade israelense em torno de sua liderança. Os 12 anos no posto, entretanto, escondiam o fato de a população encontrar-se profundamente dividida em relação a essa permanência.
No parlamentarismo multipartidário de Israel, a fragmentação da oposição inviabilizava a formação de uma frente ampla com força suficiente para substituí-lo. Mas após quatro eleições num curto período de tempo, a controvérsia acerca da continuidade de seu mandato finalmente se sobrepôs aos demais temas que polarizam o país —esquerda versus direita, religiosos versus seculares, judeus versus não judeus.
A nova coalizão é composta por partidos de matizes ideológicos muito distintos, e a diversidade de agendas torna difícil prever os seus rumos, além de deixar dúvidas se sobreviverá à primeira crise. De qualquer forma, se resistir, são esperadas reformas, em especial na política interna.
A manutenção do status quo foi uma das marcas de Netanyahu, principalmente no que se refere à relação entre religião e Estado e ao conflito com os palestinos. Em vez de buscar maior integração da minoria árabe cristã e muçulmana, que compõe cerca de 20% da população, Bibi, como ele é conhecido, a considerava uma ameaça. O primeiro-ministro foi um dos principais defensores da lei básica que, em 2018, definiu Israel como “Estado-nação do povo judeu”. Além disso, tinha que ceder a constantes pressões dos partidos ultraortodoxos que compunham a base de seu governo.
Na política externa, Netanyahu fez o que pôde para deslocar a questão palestina do centro do debate público e colocar em seu lugar a ameaça representada pelo Irã. A estratégia foi coroada no ano passado, com os acordos de normalização das relações diplomáticas entre Israel e quatro países árabes —Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão. A resolução do problema palestino, exigida anteriormente por esses países como condição para o reconhecimento do Estado de Israel, parecia tornar-se secundária diante de um inimigo regional comum e de outros interesses nacionais particulares.
A intensidade da onda de violência nas últimas semanas e as reações que se seguiram, no entanto, revelam que questões históricas não resolvidas sempre voltam à tona —e com ainda mais força.
Assim, o novo governo de Israel, agora com o democrata Joe Biden na Presidência dos EUA, terá de lidar não só com a retomada das negociações do acordo nuclear com o Irã como também com o retorno do protagonismo da questão palestina na agenda mundial e com um tecido social interno esgarçado, em especial devido ao frágil equilíbrio na relação entre religiosos e seculares e entre judeus e não judeus.
Com Avigdor Liberman (Israel Nossa Casa), Gideon Sa'ar (Nova Esperança) e Naftali Bennett (Yamina), não há muita esperança de avanço nas negociações com os palestinos. Por outro lado, a saída dos partidos religiosos ultraortodoxos e a entrada das legendas de centro, de esquerda e árabe podem impactar significativamente a vida dos israelenses, em especial a dos grupos minoritários que passaram mais de uma década sem representação no primeiro escalão ministerial.
O novo governo quebrou o primeiro paradigma ao incluir em seu seio o partido islâmico. Resta saber se será capaz de destravar outros caminhos em direção à resolução de problemas estruturais que atravessam a sociedade israelense.
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