Para o governo francês, policiais não são prioritários no recebimento de máscaras.
Na linha de frente do controle do confinamento, o setor ameaça utilizar o "direito de se retirar", previsto na Constituição da França, caso as delegacias e viaturas não sejam equipadas com material para proteção contra a Covid-19.
A lei francesa é clara: "Quando a situação de trabalho se mostra como um perigo grave e iminente para a vida ou a saúde, o trabalhador pode deixar seu posto de serviço ou se recusar a exercer sua função sem o acordo do empregador".
Com base nesta prerrogativa e na falta de máscaras, luvas e álcool em gel, os policiais da França ameaçam paralisar.
Além da escassez de material para proteção no trabalho de inspeção do confinamento que a polícia francesa vem realizando nas ruas de todo o país, há também a proibição explícita aos policiais, por parte do governo, do uso de máscaras durante as abordagens.
A recomendação passada às forças de segurança pelas autoridades é de utilizar máscaras somente quando a pessoa abordada apresentar sintomas ou se declarar doente.
A situação preocupa os sindicatos, que convocam o setor a utilizar o "direito de se retirar" enquanto a questão não for resolvida.
"Os policiais estão em perigo", advertiu Benoît Barret, secretário-nacional do sindicato policial Alliance, em entrevista à BFMTV.
"Há vários dias que a gente briga com o governo para tentar fazer as autoridades entenderem. E eles ainda não compreenderam, ainda não se deram conta da situação explosiva nas ruas", reiterou.
Franceses resistentes ao confinamento
Desde o início da ordem de confinamento, estabelecida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, na última segunda-feira (16), parte da população é resistente a permanecer em casa para tentar diminuir a propagação do coronavírus.
A recomendação do governo é deixar o confinamento somente para fazer compras essenciais, ir à farmácia, ao hospital ou prestar atendimento a pessoas incapacitadas e com a autorização por escrito exigida pelo governo.
Mas muitos franceses desafiam as autoridades, mesmo correndo o risco de pagar uma multa de 135 euros em caso de ausência de justificativa.
Em Paris, áreas turísticas ou reservadas a pedestres, como as margens do rio Sena, a Esplanada dos Inválidos e o Champs-de-Mars, onde fica a torre Eiffel, precisaram ser fechadas devido às aglomerações.
Em regiões litorâneas, como Nice e a ilha da Córsega, o acesso a praias foi proibido por causa da recusa de muitos cidadãos de respeitar o confinamento.
Mesmo com a abordagem dos policiais, muitas pessoas resistem a voltar para suas casas, tentam argumentar e até discutem com os agentes de segurança.
Em Trappes, na região parisiense, uma viatura de polícia foi apedrejada, e um grupo de policiais foi atacado durante uma abordagem de um grupo de jovens que circulava sem a autorização para saída. Na sexta-feira (20), um policial chegou a ser mordido quando abordou um homem na rua.
No total, 100 mil policiais franceses foram convocados desde o início do confinamento, que começou oficialmente na última terça-feira (17), em todo o país. Em apenas 24 horas da medida, a polícia registrou 4.095 multas.
'Vocês não correm risco'
O ministro francês do Interior, Christophe Castaner, tentou minimizar a situação, em entrevista à rádio Europe 1, na última quinta-feira (19).
"Não estamos na mesma situação que os trabalhadores da saúde, que lidam diretamente com os doentes", afirmou.
Segundo o ministro, é "inútil e mesmo contraditório, em termos de saúde, utilizar uma máscara permanentemente na rua". Castaner tentou apaziguar a tensão dos policiais: "Quero passar uma mensagem de confiança e garantir: não, vocês não correm risco. O risco é principalmente utilizar máscaras de maneira incorreta e utilizá-las de maneira contínua".
O sindicato francês Unsa Police afirma que, durante as operações, a recomendação da distância de um metro é "impossível de ser cumprida".
A organização afirma que o uso de máscara neste tipo de operação deve ser "sistemática" e lançou um "ultimato" ao ministério francês do Interior: "Se a administração não der instrução, vamos recomendar que os policiais não realizem mais controles e verbalizações".
Mesmo posicionamento do lado do sindicato Alternative Police-CFDT, que ameaça "parar toda patrulha ou missão que necessite de um contato de proximidade", na ausência de equipamentos para a proteção dos policiais.
Policiais temem se tornar 'vetor de contaminação'
Além de temer a contaminação e a propagação em suas próprias famílias, os agentes das forças de segurança também consideram a possibilidade de contagiar os cidadãos abordados.
"O que ainda não foi pensado é que um funcionário da polícia pode ser vetor de transmissão quando ele entra em contato com uma pessoa durante o controle", adverte Thierry Clair, secretário nacional do sindicato Unsa-Police, em entrevista à FranceInfo.
Segundo sindicalistas, 90 policiais se contaminaram com o coronavírus desde que a doença chegou à França, no final de janeiro. Outros 5.000 agentes das forças de segurança estão isolados por suspeita de terem contraído o Covid-19.
Clair denuncia recomendações "absurdas" da parte do Ministério do Interior. "Um colega meu tinha apenas uma máscara em sua viatura. A ordem, se ele estivesse diante de pessoas que se declarassem positivas ao coronavírus, era de ligar para uma equipe de distribuição de material para pedir outras máscaras", afirma.
Em uma videoconferência com a Direção Geral da Polícia Nacional na quinta-feira, os sindicatos reiteraram seus pedidos de material de proteção.
Atualmente, 307 mil máscaras são disponibilizadas aos policiais para situações "de exceção".
Em um comunicado enviado a todos os agentes do setor na França, a questão da proibição de máscaras durante as abordagens foi revisada neste fim de semana.
Segundo o jornal Le Parisien, o diretor de Segurança Pública, Jean-Marie Salanova, indica que "sem que isso seja generalizado, quando as circunstâncias da ação da polícia exigirem, o uso de máscara é autorizado para preservar a integridade dos funcionários".
A mesma mensagem afirma que cada viatura deve contar com um kit de máscara e luvas.
O comunicado não indica, no entanto, como e onde os policiais podem ter acesso a esses equipamentos, diante da atual escassez de material de proteção.
No sábado (21), o ministro francês da Saúde, Olivier Verán, garantiu que uma "nova reflexão" sobre essa situação será realizada na próxima semana para "considerar uma extensão da distribuição de máscaras a outras profissionais que não sejam da área médica".
Para tentar acalmar a tensão na polícia, o ministério do Interior também anunciou que prevê repassar ao menos 2 milhões de máscaras e 1,5 milhão de litros de álcool gel às forças de segurança.
As autoridades não informaram, no entanto, quando essa medida será colocada em prática.
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