O Brasil apoiou o presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, na OEA (Organização dos Estados Americanos), para aprovar a convocação do órgão de consulta do TIAR (Tratato Interamericano de Assistência Recíproca), que prevê defesa mútua dos países-membros em caso de ataques externos.
A resolução —chancelada nesta quarta-feira (11) por 12 dos 19 países que participam do acordo, incluindo Brasil e EUA— prevê que os ministros das Relações Exteriores das nações participantes se reúnam na segunda quinzena de setembro.
Ainda que a moção fale em "defesa mútua dos países-membros", não está claro se a convocação do TIAR implicaria uma intervenção militar na Venezuela.
No texto da resolução, os países afirmam que a crise no país sul-americano "tem um impacto desestabilizador, representando uma clara ameaça à paz e à segurança do hemisfério" e, por isso, querem a convocação do órgão de consulta do tratado.
Alguns diplomatas, no entanto, afirmam entender que o pacto trata apenas de ataques estrangeiros, ou seja, não se aplicaria à atual crise venezuelana.
Já integrantes da delegação de Guaidó dizem que este é, sim, um cenário que permitiria a convocação do TIAR e até mesmo uma intervenção militar no país para depor o ditador Nicolás Maduro.
As controvérsias apareceram durante o debate na sessão da OEA, e o Brasil chegou a rechaçar uma emenda proposta pela Costa Rica que apoiava o chamado da reunião de consulta, mas falava em "restauração pacífica da democracia na Venezuela", excluindo expressamente medidas "que impliquem o emprego de força armada".
A ala militar do governo Bolsonaro é contrário à intervenção militar para resolver a crise no país vizinho, mas a delegação brasileira na OEA votou contra a emenda da Costa Rica, deixando mais uma vez uma névoa sobre a posição do Planalto em relação ao tema.
Questionado, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, que está em Washington e encontrou seu homólogo colombiano, Carlos Holmes Trujillo, na manhã desta quarta, não quis comentar.
Após o encontro com o chanceler, Trujillo foi à OEA, onde participou das discussões do conselho.
A chamada oficial para o encontro foi feita no órgão multilateral com base em projeto apresentado pelas missões permanentes de Colômbia, Brasil, EUA e do governo de Guaidó.
Segundo relatos de integrantes das delegações, o pedido para incluir o debate na sessão desta quarta foi feito para que o tema seja levado à Assembleia Geral da ONU, na semana do dia 23 de setembro. O presidente Jair Bolsonaro fará o discurso de abertura, na terça-feira (24).
Integrantes da delegação do México se colocaram contrários à consulta do tratado —do qual o país não faz parte oficialmente— e classificaram a medida de "irresponsável" e "inaceitável".
País-membro do tratado, o Uruguai, por sua vez, ecoou o México e disse que também não apoiaria a iniciativa.
Entre os vizinhos brasileiros, o Peru se absteve, enquanto Argentina e Paraguai votaram a favor da convocação de uma reunião do órgão de consulta —que já foi invocado 20 vezes desde sua criação, em 1947, porém, sem ativação desde o fim da Guerra Fria.
Entre os países que compõem o TIAR estão Colômbia, Brasil, Paraguai, EUA, Peru, El Salvador e Nicarágua.
A Venezuela deixou o acordo em 2012, mas o governo interino de Guaidó recolocou o país no bloco —movimento que não é reconhecido por Maduro.
O Ministério de Relações Exteriores do regime de Maduro afirmou, em comunicado, que a Venezuela “não aceita nem reconhece nenhuma obrigação resultante” do Tiar. No texto, classificou o tratado como “nefasto” e “infame instrumento imperial”.
O país enfrenta grave crise humanitária. Segundo a ONU, até junho deste ano, mais de 4 milhões de pessoas deixaram a Venezuela —e, de acordo com estimativas da OEA, esse número pode dobrar até o fim de 2020.
Só no Brasil, o número de venezuelanos que pediram refúgio em 2018 —61 mil— é três vezes maior do que o de 2017.
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, já produziu dois relatórios este ano sobre denúncias de assassinatos, tortura e maus-tratos por parte do regime de Maduro.
O primeiro, de julho, apontou o uso de esquadrões da morte para assassinar opositores, além de tortura.
Já o segundo, do início desta semana, denunciou novos casos nos últimos meses, apesar de alertas anteriores.
As mortes atribuídas a pessoas que resistiram à prisão totalizaram 5.287 em 2018 e 1.569 até 19 de maio deste ano, segundo dados do governo —mas 7.523 em 2018 e 2.124 até maio, segundo ONG local.
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