Depois da calamidade de terça-feira à noite (8) no Salão Oval, executivos das redes de televisão deveriam passar o dia em seus escritórios treinando dizer uma simples palavra: “Não”.
Não, senhor presidente, o senhor não pode interromper a programação do horário nobre para levantar fundos e enganar. Eles vão ter de ensaiar, porque você pode ter certeza de que o pedido se repetirá várias vezes.
Sejamos claros: não houve novidade –zero– no discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, à nação.
Houve frases dramáticas: “crise da alma”. Houve instigação de medo: “Encontrei dezenas de famílias cujos entes queridos foram roubados pela imigração ilegal”.
Mas não houve nada de substancial que já não tivéssemos ouvido muitas vezes.
E nem toda a verificação de fatos do mundo –por mais válida que seja– consegue prejudicar a disseminação de informação enganosa que tal oportunidade dá ao presidente.
O espectador casual provavelmente sairia do discurso de Trump com a impressão de que há um índice de criminalidade perigosamente alto entre a população imigrante. Tal é o poder da repetição.
Esse espectador provavelmente sairia com a ideia de que há mais entradas ilegais nos EUA que nunca. Mais uma vez, o poder da repetição.
Então onde está a crise?
Os checadores de fatos e correspondentes na Casa Branca afirmaram –antes e depois do discurso– que nada daquilo é verdade. Mas as mentiras se espalham; o dano está feito.
Como diz o linguista e escritor George Lakoff, a mídia noticiosa “tornou-se cúmplice de Trump ao permitir que seja usada como amplificador para falsidades e esquemas”.
Foi exatamente o que aconteceu na terça-feira à noite.
Os viciados em notícias, os jornalistas e especialmente os cidadãos astutos sem dúvida percebem que grande parte do que Trump disse é exagero ou simplesmente mentira.
Mas a maioria dos americanos não absorve notícias dessa maneira. Eles veem uma manchete no telefone e a empurram para o lado. Eles olham incomodados enquanto as palavras do presidente se misturam com “The Conners” ou “NCIS”, e prestam atenção durante alguns minutos.
E assim a informação falsa sai ganhando. E mesmo que Trump não consiga seu muro na fronteira ele consegue uma espécie de vitória. Ele semeia mentiras, ou pelo menos confusão.
“Trump precisa da mídia, e a mídia o ajuda ao repetir o que ele diz”, disse Lakoff no ano passado, quando escrevi sobre sua ideia de um caminho melhor: o “sanduíche da verdade”.
Eu não sugeriria, por um momento, que as redes de televisão e o resto da mídia da corrente dominante devam ignorar o que o presidente diz. Isso seria irresponsável, para não dizer impossível.
Especialmente com 800 mil funcionários federais carregando o peso de uma paralisação do governo desnecessária, há valor noticioso inerente no que está acontecendo. As organizações noticiosas estão focadas nisso, incluindo nas tentativas do presidente de justificá-la.
Mas transmiti-lo ao vivo e sem filtros –seja em um discurso no Salão Oval ou numa entrevista coletiva improvisada, ou num comício de campanha– é uma má ideia há algum tempo já.
Em vez disso, qualquer notícia produzida pode ser apresentada em contexto com fatos entremeados desde o início: a verdade primeiro.
Durante a campanha presidencial de 2016, segundo algumas estimativas, Trump recebeu bilhões de dólares de publicidade gratuita ao ser transmitido ao vivo quase toda vez que esteve na frente de um pódio. A incapacidade da mídia de afastar seu olhar coletivo dele é um dos principais motivos pelos quais ele conquistou a Presidência.
Trump insulta a mídia com o “inimigo do povo” e “o partido de oposição”. Ele insulta os repórteres e constantemente diminui o papel da imprensa.
Mas quando veio procurar tempo grátis no ar –antecedido por um almoço amigável, “off the record”, com âncoras de noticiários–, a resposta (depois de um pouco de hesitação que previsivelmente não deu em nada) foi sim.
Sim, porque é o presidente. Sim, porque pode haver notícias de fato. Sim, porque eles (em geral) fizeram isso no passado. Sim, porque eles querem ser “justos”. Afinal, “sim” foi a resposta errada.
A mídia noticiosa é absolutamente péssima em aprender com os próprios erros. Mas, escorchados na terça-feira à noite, os executivos de televisão realmente deveriam aprender com esta. É uma simples palavra de três letras. Vamos dizê-la juntos: “Não”.
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