Universitário com alguns recursos, Ivan Gorosenko, 21, decidiu no mês passado que iria fazer uma doação eleitoral para o partido liberal Iabloko, sigla com longa presença na política pós-soviética, mas basicamente nanica e sem representação parlamentar.
Ele ligou para a sede do partido em Moscou para saber como doar 10 mil rublos (R$ 570), quase o valor do salário mínimo local a partir de maio.
“Queria uma conta, um PayPal. Mas aí descobri que teria de tirar o dinheiro em notas, ir a um banco e preencher uma ficha em que contava minha vida toda. Ou seja, ia ficar marcado e poderia me prejudicar na faculdade, que é estatal”, afirmou.
O drama se estende a outras campanhas minoritárias. “O sistema é feito para não funcionar”, diz Vitali Shkliarov, estrategista do time de Ksenia Sobchak, candidata do Iniciativa Cívica.
Socialite e rica, ela tem uma estrutura baseada em voluntários. São cerca de 70 no seu quartel-general, que se assemelha a um grande escritório de trabalho compartilhado na moda entre os “hipsters” de São Paulo, com visual industrial, luzes indiretas e endereço numa antiga fábrica de peças de seda.
“Se o sujeito erra uma vírgula na sua declaração, a doação fica com o governo. Quem vai fazer isso?”, conta Shkliarov. Empresas podem doar também, mas a burocracia é ainda maior, o que leva ao caixa dois. “Já vieram aqui com malas de dinheiro, mas não aceitamos”, disse.
O teto para gastos é de R$ 22,8 milhões, valor que faria rir de desdém um marqueteiro no Brasil.
Dinheiro não é problema para Vladimir Putin, que simbolicamente deixou seu partido, o Rússia Unida, para concorrer como independente.
“Ele tem toda a estrutura a seu favor, a cobertura da TV estatal”, diz Shkliarov, que coordenou uma vitória histórica de oposicionistas na eleição moscovita do ano passado ao usar aplicativos para facilitar o processo de inscrição de candidatos —algo que trouxe de sua experiência nas campanhas de Barack Obama e Bernie Sanders nos EUA.
Ainda assim, há questões de transparência envolvendo doações para Putin. Um dossiê divulgado na terça (13) pelo jornalista investigativo Roman Shleinov tracejou o dinheiro que chega ao comitê de Putin de volta a fundações de políticos ligados ao Kremlin.
PROPAGANDA NA TV
Os partidos têm direitos a inserções de 30 segundos algumas vezes por dia, a depender de seu tamanho, como no Brasil. Mas é possível pagar, como nos EUA.
“A questão é que 30 segundos em horário nobre custam 500 mil rublos (R$ 30 mil, 20 vezes menor do que o equivalente em uma grande rede aberta no Brasil), e não temos muito dinheiro”, diz a chefe da campanha de Iavlinski, Emilia Slabunova.
Primeira mulher a dirigir um partido na Rússia, ela experimentou na pele outro problema comum no país: o constrangimento à expressão política.
Na sexta-feira passada, Emilia acompanhou o protesto de vizinhos do parque de exposições VDNKh, no nordeste de Moscou, contrários à instalação da maior roda-gigante da Europa no local.
“Eu comecei a falar, criticando a prefeitura, e logo apareceram policiais que me levaram para a delegacia.
Eu sou uma deputada, mas disseram que eu não tinha autorização”, disse Emilia, liberada após quatro horas.
Com isso, a impressão é de um progressivo engessamento da vida política, baseado na premissa de que Putin será reeleito de qualquer forma. “É um círculo vicioso”, define o analista político Konstantin Frolov.
A campanha de rua é virtualmente inexistente, em especial comparando com as campanhas dos anos 2000.
Na tarde de terça, alguns voluntários enfrentavam o frio de 4 graus negativos e as calçadas escorregadias da elegante rua Piatnitskaia para distribuir santinhos de Iavlinksi, mas eles estavam na frente do QG do Iabloko, com acesso a chá quente.
A oposição que não está na eleição, representada pelo blogueiro e ativista Alexei Navalni, barrado de concorrer, prega boicote ao pleito.
Sua atuação é de guerrilha. No começo do mês, buscando incentivar o comparecimento ao pleito, a Justiça Eleitoral de Belgorod (sudoeste russo) imprimiu 1,25 milhão de panfletos convocando os cidadãos às urnas.
Só que alguém errou a grafia do site da Justiça Eleitoral. Apoiadores de Navalni perceberam e criaram um endereço com aquele nome, redirecionando quem clicasse para um site pró-boicote.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.