Pesquisa aponta ass�dio moral contra 66% dos funcion�rios do Itamaraty
"Eu me lembro de uma colega nossa [em quem] o chefe chegou a jogar caf� nela. Caf� quente."
O relato foi feito por um dos 359 funcion�rios do MRE (Minist�rio das Rela��es Exteriores) que participaram de uma pesquisa realizada pela UnB (Universidade de Bras�lia) sobre as condi��es de trabalho no Itamaraty.
A pesquisa, divulgada na semana passada, revelou que 66% dos entrevistados relataram terem sido v�tima de ass�dio moral nos �ltimos cinco anos e que, em 90% dos casos, os assediadores eram os pr�prios chefes. Em nota, o MRE disse manter o "di�logo aberto" e que "repudia todo ato que cause danos f�sicos, psicol�gicos ou sociais aos seus funcion�rios".
A pesquisa realizada pelo Laborat�rio de Psicodin�mica e Cl�nica do Trabalho da UnB foi encomendada pelo Sinditamaraty (Sindicato Nacional dos Servidores do Minist�rio das Rela��es Exteriores). Ao todo, aproximadamente 11% de todos os funcion�rios do MRE foram ouvidos seja por question�rios ou em entrevistas conduzidas pelos pesquisadores da universidade. Participaram do estudo servidores do �rg�o lotados tanto no Brasil quanto no exterior.
Dos 359 entrevistados, 277 (66%) relataram terem sofrido alguma forma de ass�dio moral nos �ltimos cinco anos de trabalho. Ao todo, 88% das pessoas que responderam � pesquisa disseram j� ter testemunhado casos de ass�dio moral no MRE ao longo dos �ltimos cinco anos.
Segundo a pesquisa, o motivo para a maior parte dos casos de ass�dio � a diferen�a entre as carreiras entre os servidores do MRE. Atualmente, existem cinco carreiras atuando no Itamaraty: Assistente de Chancelaria, Oficial de Chancelaria, PCC (Plano de Cargos e Carreiras), PGPE (Plano Geral de Cargos do Poder Executivo) e Diplomata.
Apesar de n�o haver uma hierarquia oficial em rela��o �s categorias, na pr�tica, os principais cargos de chefia s�o designados a diplomatas.
Para a presidente do Sinditamaraty, Suellen Bessoni Paz, as rela��es de ass�dio entre funcion�rios de diferentes carreiras s�o resultado de uma desorganiza��o dentro do pr�prio MRE. "Na medida em que as divis�es de tarefas n�o s�o claras, essa confus�o acaba resultando em casos de ass�dio", afirmou.
O estudo tamb�m apontou que a maioria dos assediadores no Itamaraty s�o homens. A pesquisa, por�m, diz que n�o h� "associa��es significativas entre ser v�tima de ass�dio e o sexo". Sup�e-se que isso pode ocorrer devido a mais homens ocuparem cargos de chefia, diz um trecho do estudo.
Um dos casos mais famosos de ass�dio praticados por servidores do Itamaraty aconteceu em 2013. Os diplomatas Am�rico Fontenelle e C�sar Cidade foram suspensos ap�s a conclus�o de uma sindic�ncia que apurou den�ncias de ass�dio moral, sexual, racismo, homofobia e abuso de autoridade.
Fontenelle recorreu judicialmente da suspens�o. � �poca, seu advogado disse que as acusa��es contra ele eram falsas. O caso se prolongou e, na �ltima sexta-feira (10), o Itamaraty publicou uma portaria no DOU (Di�rio Oficial da Uni�o) suspendendo o diplomata por 60 dias, por, entre outras viola��es, n�o "manter comportamento correto e decoroso na vida p�blica e privada".
Apesar de a publica��o prever a suspens�o do diplomata, ela tamb�m indica que, na pr�tica, ele n�o poder� ser punido porque o prazo para a aplica��o da penalidade j� havia prescrito.
"SABE QUEM EU SOU AQUI? SOU DEUS"
Al�m de um question�rio, as pessoas que participaram do estudo tamb�m foram entrevistadas pelos pesquisadores. Em algumas entrevistas, servidores do Itamaraty relataram casos de agress�o e descren�a em rela��o � capacidade do �rg�o em lidar com as den�ncias que eventualmente s�o feitas pelos funcion�rios.
"Um embaixador uma vez me disse: 'Sabe quem eu sou aqui no posto [representa��o diplom�tica no no exterior]? Eu sou Deus'", disse um funcion�rio.
Uma funcion�ria relatou ass�dio durante o per�odo de amamenta��o de seu filho. "Uma vez a chefia de uma assessoria pediu que eu desmamasse meu filho pra trabalhar", contou.
Alguns funcion�rios entrevistados relataram que al�m de o Itamaraty n�o ter uma cultura de apura��o de den�ncias de ass�dio moral, pessoas que desafiam esse quadro s�o v�timas de retalia��o.
Outra funcion�ria tentou convencer uma colega que relatou ter sido v�tima de ass�dio moral a registrar uma den�ncia na Delegacia da Mulher, mas a v�tima se recusou por medo de poss�veis retalia��es.
"Eu falei [para colega que se queixou de ass�dio]: 'bora na delegacia da mulher agora (...) Isso � ass�dio moral, viol�ncia de g�nero, isso � agress�o e a gente vai fazer o corpo de delito agora. Eu vou com voc�. E ela disse: N�o, mas eu n�o posso ir. Eu perguntei: voc�est�louca? N�o pode ir por que? Ela me respondeu assim: Porque [se] eu vou, eu vou ficar na geladeira", disse.
OUTRO LADO
Em nota, o Itamaraty afirmou ter conhecimento sobre os resultados da pesquisa, que est� aberto ao di�logo sobre o assunto e que repudia atos de ass�dio moral.
"A Administra��o do Minist�rio mant�m di�logo aberto, fluido e constante com os representantes do Sinditamaraty sobre temas relacionados com o funcionamento desta Institui��o, inclusive os aspectos tratados na pesquisa", diz um trecho da nota.
Em outro trecho, o MRE diz que "repudia todo ato que cause danos f�sicos, psicol�gicos ou sociais a seus funcion�rios e reitera a preocupa��o em aprimorar pol�ticas e pr�ticas institucionais de preven��o e promo��o da sa�de mental dos integrantes do Minist�rio".�
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