Acordo de paz colombiano ser� triunfo da viol�ncia, diz porta-voz do 'n�o'
Pedir que a popula��o colombiana vote pelo "n�o" no plebiscito pela paz, que ocorrer� no pr�ximo dia 2 de outubro, soa como uma proposta dif�cil de entender. Afinal, por que um grupo de pol�ticos cr� que � prefer�vel seguir com uma guerra que j� dura mais de 50 anos e deixou cerca de 250 mil mortos do que aprovar o acordo a que finalmente chegaram o governo e as Farc (For�as Armadas Revolucion�rias da Col�mbia)?
O senador Iv�n Duque, 40, porta-voz da campanha do "n�o", explica: "Porque foram feitas demasiadas concess�es � guerrilha".
Divulga��o | ||
O senador colombiano Iv�n Duque, porta-voz da campanha do 'n�o' sobre acordo de paz |
Membro do partido Centro Democr�tico, cujo l�der � o tamb�m senador e ex-presidente �lvaro Uribe, Duque � um advogado de boa orat�ria e fala firme.
Na entrevista que concedeu � Folha, em seu escrit�rio no Congresso, em Bogot�, leu e esmiu�ou os artigos do acordo que cr� atentarem contra a Constitui��o e contra tratados internacionais.
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Folha - Por que voc�s defendem o "n�o"?
Iv�n Duque - Porque estamos sendo levados a um tudo ou nada, em apenas uma pergunta. N�s prefer�amos um referendo que permitisse desagregar pontos, e em que fosse poss�vel o cidad�o mostrar quais itens ele aprova, e quais n�o.
Em termos de conte�do, quais cr� que sejam os pontos mais problem�ticos?
S�o muitos. O artigo 36 diz que "a imposi��o de qualquer san��o n�o inabilitar� para a participa��o pol�tica". Isso significa que pessoas que cometeram crimes de lesa humanidade (assassinatos, sequestros, tortura e outros) poder�o ocupar cargos p�blicos. Me parece grav�ssimo.
Haver� anistia para crimes relacionados � atividade pol�tica da guerrilha. Esse � um ponto que parece aberto a interpreta��es, n�o?
Sim. O artigo 39 diz que a conex�o com delito pol�tico ser� anistiada, incluindo casos de "apreens�o de combatentes efetuada em opera��es militares". Ou seja, todos os sequestros de soldados e policiais que ficaram retidos por anos nas selvas colombianas, que � um delito de tortura, poder�o ser apresentados como algo "com conex�o � atividade pol�tica", e ser�o anistiados.
Nesse mesmo artigo, tamb�m se vincula � atividade pol�tica as "condutas dirigidas a financiar o desenvolvimento da rebeli�o". E ent�o abre-se o caminho para anistiar os crimes de lavagem de dinheiro, narcotr�fico e extors�o, porque todos t�m como finalidade financiar a guerrilha.
Na verdade, pode-se vender como crime conexo � atividade pol�tica quase tudo o que uma guerrilha faz, n�o?
Sim, veja o que mais pode ser anistiado. O artigo 38 diz que "entre os delitos pol�ticos e conexos se incluem a rebeli�o, a sedi��o, o porte ilegal de armas, as mortes em combate compat�veis com o direito internacional humanit�rio". Por essa via, tamb�m assassinatos de soldados e policiais podem ser anistiados.
O fato de instalar-se uma Justi�a transicional vai suspender penas j� determinadas pela Justi�a comum. Como v� isso?
Outro absurdo. Os comandantes da guerrilha, Iv�n M�rquez, Rodrigo "Timochenko" Londo�o, Pablo Catatumbo e outros j� t�m senten�as determinadas por cortes colombianas. Pelo acordo, essas condena��es est�o suspensas, para que eles se submetam agora � Justi�a transicional.
Ou seja, n�o v�o para a pris�o [o acordo prev� apenas que os condenados sejam levados a lugares de movimenta��o restrita ou que suas penas sejam transformadas em trabalhos comunit�rios] e depois podem participar de elei��es. De que estamos falando aqui? De excesso de concess�es.
E qual sua avalia��o sobre o cap�tulo destinado � repara��o das v�timas?
Tamb�m tem problemas. N�o h� um s� par�grafo que diga que as Farc, que possuem uma imensa fortuna acumulada nesses 50 anos com suas atividades il�citas [narcotr�fico, extors�o, minera��o ilegal], v�o colocar um peso no programa de repara��o �s v�timas.
E sobre o item narcotr�fico?
Novamente, n�o se v� nenhum par�grafo que diga que as Farc reconhecem sua atividade narcotraficante. Tampouco se exige que entreguem as rotas do tr�fico de coca�na, os laborat�rios, os contatos com os cart�is brasileiros, venezuelanos e mexicanos.
Em entrevista recente, o ex-presidente C�sar Gaviria, porta-voz do "sim", diz que o fato de haver um representante dos EUA acompanhando a negocia��o, e de o pr�prio presidente Barack Obama estar de acordo com o que se fechou sobre o narcotr�fico, significa que n�o h� o que criticar nesse item, porque os EUA seriam uma das principais partes interessadas. O que acha disso?
N�o concordo com esse argumento. A participa��o dos EUA n�o d� legitimidade ao acordo. Os EUA t�m uma atitude ambivalente sobre o narcotr�fico na Col�mbia hoje.
Me parece inconsistente e doloroso para os contribuintes norte-americanos que financiaram o Plano Col�mbia. Tamb�m me parece injusto com os oficiais antinarc�ticos deste pa�s que deram sua vida lutando contra o narcotr�fico, usando recursos dos EUA, e com as organiza��es antinarc�ticos dos EUA; todos t�m seu trabalho agora menosprezado.
E como v� o item da reforma agr�ria?
A� tamb�m faltam informa��es sobre o papel da guerrilha. N�o h� um par�grafo em que as Farc digam que v�o colocar algo dos tantos hectares de terras que adquiriram de forma ilegal para a repara��o e a reforma agr�ria.
Mas se sup�e que os guerrilheiros, ao se concentrarem nas zonas destinadas a eles pelo acordo, abandonar�o essas terras, n�o?
N�o necessariamente, porque muitas dessas zonas est�o nas m�os de testas de ferro. N�s queremos saber, e o acordo n�o diz, qual ser� a contribui��o das Farc � reforma do campo, porque a guerrilha foi o grande carrasco das zonas rurais colombianas.
Que reparos voc�s fazem com rela��o � estrutura dos tribunais da Justi�a transicional?
Falta esclarecer v�rias coisas. N�o sabemos se vai ser aplicado o c�digo penal colombiano, nem a quem esses ju�zes responder�o. Tamb�m nos parece estranho permitir que ju�zes estrangeiros administrem a Justi�a na Col�mbia. A quem responder�o? Quem vigiar� suas condutas e quem ter� o poder para suspend�-los, se for o caso? Por quanto tempo atuar�o aqui? O acordo n�o diz.
O governo est� dizendo que, caso ganhe o "n�o", n�o ser� poss�vel renegociar o acordo, que tudo volta � estaca zero e a guerra continuar�. Esse n�o � um pre�o caro demais para a Col�mbia pagar?
O governo est� usando uma pol�tica do medo. Os guerrilheiros j� disseram que n�o v�o levantar da mesa se ganha o "n�o". N�o disseram que v�o voltar �s ruas e sair disparando.
N�o creio que, se o acordo n�o passar, teremos perdido nossa �ltima chance de paz. Entre outras coisas porque este n�o � o �ltimo presidente que a Col�mbia ter�, e nem o �ltimo Congresso.
� muito claro o que queremos: os ex-guerrilheiros t�m de ir para a cadeia, n�o por uma pena m�xima, mas t�m de ir. Podem n�o pagar suas penas em pris�es comuns, mas em col�nias penais, por exemplo.
O governo est� dizendo: esse � o melhor acordo poss�vel e nos resta engolir esses sapos. O que n�s estamos respondendo � que n�o estamos dispostos a engolir sapos.
Como pretendem se dirigir aos que v�o votar?
Vamos mostrar que � um mau sinal que n�s, hoje, tenhamos leis t�o duras contra o feminic�dio, com penas de at� 30 anos, e que, aos feminicidas das Farc, n�o haver� nenhuma pena. Ou que tenhamos penas muito duras contra os abusadores de menores, enquanto os abusadores das Farc n�o passar�o nem um s� dia na pris�o.
Me parece absurdo que uma pessoa que comete um roubo simples, num supermercado, por levar um p�o, um furto fam�lico, tenha uma condena��o de pris�o e os que semearam tanto horror e mancharam o territ�rio colombiano com tanto sangue, n�o a tenham.
O presidente Juan Manuel Santos est� tendo apoio de grande parte da comunidade internacional, pa�ses da regi�o, da Europa e os EUA. Eles t�m boa imagem do acordo e isso se reflete nos meios estrangeiros. N�o � dif�cil jogar contra esses atores?
O governo colombiano vendeu que aqui h� uma guerra civil, que somos um Estado quase falido e que por isso precisamos de uma Justi�a especial. Isso, ent�o, teve amplo apoio internacional, mas em geral � um apoio desinformado.
Por outro lado, h� outros atores. A [organiza��o internacional de defesa dos direitos humanos] Human Rights Watch, por exemplo, disse que se trata de "um acordo de impunidade". Por�m, eu acho que este � um assunto que compete ao povo colombiano. � ele quem deve entender que os que quiseram submeter o povo por meio das armas n�o poder�o ser premiados. Se forem premiados, ser� um triunfo da viol�ncia sobre a legalidade.
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